quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Traficante de Almas

Nunca sei a sensação
Passada assim para mim
De quem mata sem perdão
Sem pesar o próprio fim

De quem ceifa um homem são
Como se dissesse um sim
Extraindo o sangue à mão
Como ao arrancar capim

Como uma alma tão ruim
Pode ao nosso mundo vir
Sem ser santo eu mesmo vim
E sem sangue irei partir

Quanto dói matar alguém
Quando a noite insiste em vir
E na treva os fatos vêm
E o momento de carpir

Qual prazer há em se ver
Nu e cru frente ao espelho
O sangue alheio a correr
E ao Cão eu me assemelho

Qual fortuna eu posso ter
Se a memória fugidia
Do sol sadio a nascer
Lembra-me o outro dia

Embebido em sangue e ódio
O mais inumano em mim
Sem qualquer misericórdia
Em meu crime de Caim

Matei Abel, fui cruel
Confessá-lo não mitiga
Nem tira o ácido fel
Da mia ira fratricida

Se morrerei enforcado
Na seca angústia amargada
Não sei - e quem sabe o fado...
Dum homem entregue ao nada?

E quem andou esta estrada
Continuando sua vida
Será uma alma penada
Bem mais morta que vivida

Cada passo um passo falso
Trôpego, vazio, sem sombra
Rumo ao próprio cadafalso
Cujo aberto chão assombra

O vão da vala abissal
Insensível ao perdão
Seu ruído gutural
Murmurando o eterno Não

Não à póstuma injustiça
A quem quis desafiar
A ordem e as premissas
Do universo, nosso lar

Se o divino em nós está
Seu oposto, igualmente
Ai da consciência má
Que a si, teimosa, mente

Pois a alma já pressente
A vontade de enganar
E o Mal, visto à lente,
Transformado em Bem está.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Resposta

Eu sei como dói, meu bem
A dor de garganta, a dor
De dente - rente à gengiva
Amor, você é mia diva

E, olha, eu não brinco não
Eu sou louco mas sou são
Quando eu toco tua mão
Penso sempre: por que não

Sem talvez, pois somos duas
Pessoas e jamais três
Pois essas mãos são as suas
Só há nós dois esta vez...

Quem é perfeito não é
Tem defeito em não ter fé
Noutra vida, noutra alma
Em ser dois sendo nenhum

Em ser dois nem sendo um...
Só ser sozinho achatado
Torto quadrado sem lados
Dado à garrafa de rum

Este não pode sonhar
Ser reflexivo sem dar
Uma chance ao cego acaso
Resplandescer no ocaso

Pois eu digo: o que somos?
No que cremos? O que fomos?
Somos do mundo os donos?
Não, não nos contentaria...

Se um dia acontecesse
Vermos a cara-metade
Nesse espelho mutilado
Refletindo a nossa face

Cansamo-nos dela - bela
Que seja! Ou hórrida horrível
Morre o corcel sob a sela
Mas sua alma é inesquecível

Sua alma em tempos de calma
Não vale, senão no horror
No dever de recompor
Uma amálgama de nós

Um amálgama a sós
Não se faz - é quebradiço
Desmancha feito um feitiço
Não é questão nem resposta

Mão é a mão que encosta
No meu ombro e me diz
Quis contigo ser feliz
Tua é a mão que me encosta.

***

Após o muito bom filme: Strange Days (1995)

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Chovemo-nos

Chuva cheia encharca o chão
Chove vida no verão
Água deságua e enxágua
Enxuga o meu coração

Poças espelhos azuis
Teu machucado curou
Meu bem-amado chegou
Cego já sonha co'a luz

Céus do mais límpido azul
Chacoalha o vento do sul
Quem não pode advinhar
Qual a cor que benze o mar

O amarelo singelo
Junta-se ao sangue carmim
O verde e o caramelo
Unem meu não ao teu sim

Quando passa a depressão
Vem meu corcel alazão
Preto e fogoso carvão
Lambe mia palma da mão

Se eu pudesse imaginar
Um lugar onde ficar
Donde eu saísse a voar
Sem nenhum mal mais pensar...

Sem nenhum'alma pensar.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Na despensa da memória

Exatos cinco dias antes do meu aniversário de vinte anos minha mãe me contou uma história estarrecedora. Porque quando a gente é criança e ouve - se é que ainda contam - histórias de ninar, parece que crescer é indolor. Ainda que haja a troca de dentes, arranhões nos braços e joelhos, quando não membros quebrados, amorecos não correspondidos, como acontece universalmente a todos, a parte dura da vida nossos pais deixam ao encargo do tempo. Cada coisa tem sua hora e seu lugar. Depois do que me contou, não duvido mais. Estávamos na cozinha, e, digamos, perdi um pouco do apetite.

Como eu sou o único receptor da história, e a história ocorreu há mais ou menos trinta anos, e prometi não contar a ninguém, ponho-me a escrever maquinalmente as impressões que a história me suscitou. É difícil arcar com a verdade quando de supetão nos é soprada no ouvido, sem nos dar tempo de bandear prum lado, cambalear pro outro. O cavalo galga alucinado, a sela não está firme, o cavaleiro trêbado pende as pernas sem sentir o mundo, e o chão... o enorme chão imundo está cada vez mais próximo, sua alma flutuante, o corpo insensível, a mente insensata.

São histórias macabras, da realidade cotidiana que esperamos não acontecer a nós, mas mesmo assim acontecem. Se aconteceu à minha mãe, oras, o mínimo que posso imaginar é essa terrível sensação de proximidade. Suspeita-se da humanidade quando ocorre algo semelhante. Ah, e como se suspeita. Porque o quê é um homem sem os outros, e quando os outros se põem a trai-lo dessa maneira nauseabunda... bem, o que restam senão dúvidas do que é ser humano, e senão há exceções à regra... e quão brutas e vis tais exceções são.

Do dia em que levamos o tapinha no bumbum do doutor até o dia em que levamos o tapinha nas costas de adeus, percorremos milhas e milhas, milhares de lugares, mil pessoas diferentes se imiscuem em nossas vidas - muitas delas preenchem esse nosso vazio de vir só ao mundo, ainda que às vezes acompanhados por irmão gêmeo, ou trigêmeos, ou qualquer múltiplo incrédulo que a fertilização agora permite. Ouvi dizer de uma mulher estadounidense que pariu oito de uma vez. Óctuplos, os oito tentáculos do polvo. É filho pra danar. Mas voltando à questão anterior: se há pessoas que nos preenchem maravilhosamente e as preenchemos de volta, com risadas e gracejos, abraços e beijos, lágrimas de alegria, concessões e perdões, há de fato aquelas opostas: as que nos esvaziam, ou que o tentam com uma pujança e uma má fé tais que soam inexplicáveis.

Fazem-nos sofrer admiravalmente. Parece que nasceram pra isso. E, se não estou enganado, não só parecem, mas é fato corroborado. Semear desgraças, desconfiança, alucinações de massa, misantropia. Há motivos de sobra para odiá-las, excluí-las. Mas pulemos a primeira parte, que é de todo inútil: o ódio. O ódio é, no pleno sentido da palavra, não-útil. Odiar convida outros atos piores a entrarem em cena: vingança, revanche, violência. E, com isso, uma avalanche de fatos ainda piores que aqueles que deram origem à toda nossa raiva. Uma bola de neve que termina por nos sufocar e soterrar, e da qual há pouca, senão nenhuma saída uma vez incitada a rolar.

Então nos concentremos por ora no segundo ponto: excluí-los de nossa vida. Oras, na minha cozinha há um cesto de lixo, no banheiro também. Até no sistema virtual do computador há uma lixeira reservada a arquivos inúteis ou corrompidos. Onde há sujeira, há um lugar para dela se desfazer. Viver em meio ao lixo faz mal. Imensamente mal. Quanto mais o lixo humano, decerto o mais fedido e não reaproveitável de todos os outros. Cocô de bicho vira adubo, alimento pra outros bichos com "estômago de abutre", e até energia, ouvi dizer. Por conta do gás metano que da bosta evola ou coisa parecida. Mas o cocô de gente não só tira, numa lufada só de vento malcheiroso, a concentração do indivíduo mais santo, como também germina toda a sorte de doenças fatais. Digo: fatais. Não é brincadeira.

Já me deparei com pessoas ruins de todas as etnias, de ambos os gêneros. Após anos de estudo e leitura sobre o tema, e participando de grupos eminentes de discussão, nos quais me foram apresentados os nomes dos principais psiquiatras e psicólogos, autores que se dispuseram a escrever livros e ministrar palestras sobre isso, transformando ao longo dos anos o polêmico tópico em ciência - verificável e arguível - conheci o nome da maldita maleita: psicopatia.

É claro que, mudando de escolas a vida toda por questões econômicas, e transitando por todas as camadas sociais no dia a dia, e cruzando e entrecruzando uma das maiores metrópoles do planeta, e a maior do Brasil, eu pude tomar nota desse fenômeno patológico, pessoalmente, usando-me de todo o conhecimento adquirido com tais autores. E descobri a nível pessoal, como já afirmavam esses autores, que psicopatia não tem nome, não tem cor, não tem religião, etnia, nem sexo, status social ou índice de riqueza ou pobreza.

Esses autores praticamente se punham a afirmar que a psicopatia era uma característica herdada nos genes, pois nenhum contexto explicava seu surgimento. E, o mais relevante, ela se manifestava desde a tenra infância. Eu amo crianças, sempre estive em contato com elas, já fui uma um dia, e posso dizer que toda criança, com suas naturais traquinagens e molecagens, encaram um dia a decisão que irá delinear sua vida posterior: mudar ou piorar. Não é, na maior parte dos casos, uma decisão tão chocante. Segue o rumo da vida, segue o aprendizado em seu curso, o desenvolvimento corpóreo, o ônus da responsabilidade de "crescer e ser alguém".

Mas vamos bater o martelo no prego e dizer que, quando criança, eu tinha uma série de problemas. Falam que toda criança tem problemas, mas os meus eram maiores. Eu estava envolvido em vários ciclos de violência concomitantes e a cobra parece perserguir o próprio rabo com a boca, porque até hoje é dificílimo afirmar o que desencadeava o quê, exatamente. Meu pai me dava séries de 10 ou 20 cintadas, se abrisse o bocão e descambasse a chorar antes do primeiro golpe, eram 20. Se fosse "macho", eram "só" 10. Lembro-me até hoje de uma vez em que me atingiu com a fivela. Ficou um roxão que eu até mostrava aos mais íntimos, num misto de espanto "por ter sobrevivido", e de audácia e orgulho do que era necessário para me conter. Minha mãe me espancava com havaianas. Até hoje não as gosto de usar, apesar de ter um par nos pés neste instante. Eu era o valentão do tipo que odiava a desigualdade. Não sei se sonhava em ser herói, mas desempenhava bem o papel de um Robin Hood moderno, macunaímico: cheio de contradições e detalhes mal explicados - elipses vergonhosas, e predicados forçosamente destacados do sujeito e pontuados com vírgulas, pontos-e-vírgulas, reticências duplas, triplas.

Eu era um cara estranho, e não me surpreendo em ver minhas fotos de criança: o mesmo rosto sério, sombrio, como que querendo enfrentar a morte de frente. Os olhos fixos nalgum ponto além do observador, como que desprezando aquela ridícula tecnologia de capturar um instante da minha vida e congelá-lo a nunca mais. Não me surpreendo também que, aos dez/onze anos, as diretoras e coordenadoras do colégio onde eu estudei suspeitassem, não sem indícios, que eu era um caso de antissociabilidade singular. Eu bambeava entre a bondade e a maldade, a ingenuidade e a precocidade de forma assustadora. Tenho certeza que fui o último aluno de todas as turmas nas quais estudei a ter parado de mijar na cama. Lembro-me com nitidez as fichas médicas escolares que meus pais anualmente preenchiam e nelas sempre constava um item cuja lacuna era prontamente preenchida: enurese noturna.

Lembro-me de enxaquecas tão fortes que eu me tornava fotofóbico ao abrir os olhos: a luz penetrava nas duas órbitas semicerradas e parecia que a dor se emanava da alma. Lembro de ter ido parar na direção por desenhar pênis e toda sorte de genitália no recreio. Quarta série. Tudo isso antes da quarta série. É o que se diria precoce, ainda mais tendo em vista que a explicação da querida professora Rosemary de termos vindo ao mundo, em sala de aula, era a de que papai havia plantado uma sementinha no solo (ou era colo?) fértil de mamãe e havíamos nos formado e nos nutrido no interior desse magnífico corpo reprodutor, produtor de pirralhinhos como eu. Boquiabertos escutávamos aquilo, e eu com vontade de me masturbar. Putz grila! Por que começou tão cedo? Bom, foi um alívio ouvir da boca de um amigo meu que ele começou aos sete! Ufa! Foi uma das melhores sensações de alívio que senti nestes curtos vinte anos. Sinto-me grato até hoje por essa confissão bem-humorada. Grato, sempre, pelo bom-humor descabido alheio. Rio por dentro e por fora como só eu.

Na quarta série eu provocava meninos maiores que eu, mais fortes, e mais inescrupolosos. Como apanhei... uma vez levei um chute triplo de Karatê Kid, em meio a fila de pingue-pongue que se aglomerava religiosamente no recreio. Chamei um cara loiro e rechonchudo, muito parecido com meu irmão, de viado e bicha. Fiquei chorando, sentado no banco de pedra da mesa descomunal de grande em que tomávamos nossos lanches. A Érica veio me consolar. Ah, os tempos das lancheiras adesivadas com nossos personagens de desenhos animados prediletos, lanchinhos meticulosamente preparados pela mamãe, embrulhados em plástico transparente ou alumínio, acompanhados de um desses leites achocolatados em caixinhas de 200ml, e montinhos de guardanapo branquinhos e asseados. Que alegria! Bisnaguinha com salame e manteiga, bisnaguinha com manteiga e queijo prato ou moçarela. R$1,20 para o pão de batata requentado da lanchonete e o refrigerante tomado no canudinho, tão gelado a ponto de gelar a testa... porque competíamos quem esvaziava o conteúdo mais rápido, e a testa parecia que ia pular fora da cabeça. Não importa, era gostoso pra caramba. O que não mata, engorda, e eu era bem fortinho. Uma criança de dar inveja - descontados meus problemas.

Fui pra direção por colocar os pés sobre a carteira enquanto a professora passava algum filme no escuro, ou algo do tipo. Havia apostado com meu grande amigo de aventuras da época, quem teria a coragem daquela façanha inaudita. E não nos desapontamos. Os dois destemidos pestinhas foram prontamente expulsos a brados da sala de aula. Olhares espantados de nossos colegas, autêntica incompreensão. O que estávamos querendo mostrar? A quem? Ao que parece, a nós mesmos.

Ou então quando esse mesmo Flávio, eu e o Caio combinamos de pedir pra ir "ao" banheiro e de não retornar à sala de aula. Decidimos nos esconder num banheiro que se mostrou pequeno demais para nós três e nossas sonoras e infantis gargalhadas. Puxa vida, o Caio ria rouco demais, o Flávio gargalhava cacofonicamente, e eu não deixava por menos, e uma assistente, bonita que só, veio bater à porta, exigindo que saíssemos. Direção de novo.

Ou quando eu e o Grabriel da Matta, judoca, um dos amigos mais singulares de minha infância, nos dispusemos a brigar - um por vez - com o Leonardo, garoto engraçado, sucesso na opinião feminina, e o Grabriel levou um chute que subiu como em câmara lenta do chão e foi fazer uns ovos mexidos no capricho quando alcançou o apogeu. Ai, essa doeu de verdade. Foi a primeira e única vez que vi o da Matta cair de joelhos e chorar. Direção de novo.

E quando, então, meti um tapa na boca da Júlia, pra ela parar de matraquear... depois do que ela nunca mais falou comigo. Chamei, num sábado de grêmio esportivo, o professor de Ed. Física de ladrão na cara dele, no meio do futebol. Me mandou pra fora da quadra e direto pra casa, não sem antes ter pedido pr'eu repetir o insulto, ao que eu repeti. Ué, não era homem (leia-se: pirralho) o bastante pra ter dito uma primeira vez? Pois que dissesse uma segunda. E arquei com as consequências.

Mas que tipo de "homem" exatamente eu era, se nos dias dos pais e das mães me sentia compelido a chorar, ao cantar as canções de fossa que treinávamos, as danças que preparávamos e chegar a hora do abraço, em que meu pai, sempre contido, uma mistura de reserva e amabilidade, e minha mãe, derretendo-se sempre como manteiga na frigideira, nos davam, me davam, aquela recompensa emocional que eu não podia compreender...

E na quinta série, em outra escola, quando bati no coreano Michel. Que besteira. Pois que até a oitava série não trocamos mais uma palavra sequer, um cumprimento. O mal havia sido feito, tudo por uma pedrada que levei no meio da testa, quando brincava sozinho no balanço do parquinho. Não fora ele que atirara, mas o Mário, e as últimas e únicas palavras do Michel dirigidas a mim, durante os quatro anos inteiros em que estudei naquela escola, foram: "Não fui eu, foi o M..." ... mas não conseguiu terminar. Numa impulsividade que eu desconhecia em mim, desferi soco após soco à Bruce Lee na boca do estômago dele, e me tornei, a partir daquela tarde, o inimigo número 1 da escola. O Michel estava naquela escola desde o berçário, conhecendo e sendo conhecido por todos, ao passo que eu era um mero bolsista novato com 70% de desconto nas onerosas mensalidades, cujo nome ninguém sabia. Até então. Pois passaram a saber. Cada cão louco tem seu próprio nome. Bati nele e fui embora. Nada de sangue, nada de marcas ou golpes no rosto. Eu era violento, sim, mas jamais um desalmado. A covardia de bater em quem se rendeu me repele. No dia seguinte havia um conglomerado me esperando, me espreitando, cochichando, me olhando e apontando (foi ele, mano! foi ele!) com olhos raivosos, ressabiados, aguardando o horário do intervalo, mãos se esfregando, bocas se contorcendo, gestos, dedos alheios indicando o meu magro corpo.

Foi o mais próximo que cheguei a um linchamento em massa. 11 anos de idade, sem saber o que eu fazia na vida, indo sempre razoavelmente bem nas notas e sendo um lobo solitário consumado, eu certamente sabia o que era me sentir um excluído. Não sintam pena: só a exclusão permite a liberdade do pensamento crítico para se escrever um texto como este, sobre um passado repleto de imperfeições, imprecisões, pontos sem nó e sem dó. Não tenho vontade de agradar a ninguém ou embelezar quem sou ou fui com ele, muito menos acusar ninguém pelos males que cometi, quero simplesmente relatar porção ínfima e talvez insubstancial de meu passado, nua e cruamente. O troço era feio, e fiz coisas audazes e malucas difíceis de crer, embora não se inclua nelas ter tirado a vida de nenhum ser vivo que não formigas, ou, no máximo, baratas. Matar mamíferos me evoca pena. Já comê-los, não. Também não estraguei a vida de ninguém, e tenho certeza que a minha perene sensação de culpa para com tudo e todos é ao menos dez mil vezes maior que a "atrocidade" dos meus atos - se fosse passível de ser mensurada. Um caso de superneurose controlada, provavelmente.

Aos 11 anos tomei coragem junto de meu novo amigo Flávio, japonês, para pedir o telefone da Carol, garota loira, linda, a primeiríssima e última loira pela qual me apaixonei. Ela era, para meus olhos de 13 anos, o mais próximo que já se chegou no mundo de se misturar tudo de bom da beleza de Uma Thurman com tudo de bom da beleza de Cameron Diaz. Era verdadeiramente linda, imbativelmente a menina mais bonita que havia posto os pés naquela escola, e, por natural dedução, no mundo. Não era preciso estar de queixo caído. Todos os garotos temiam sussurrar uma palavra que fosse a ela, acho que foi isso que a fez mudar de escola no ano seguinte. Ser bonito é bom, mas tanto assim não deve ser fácil. Estou debochando um bocadinho, mas tem aqui seu quinhão e quilate de verdade. Ela tinha um bom humor formidável, uma gargalhada marcante, e dois olhos grandes e belos de doer. Voz de mulher, atitude de mulher, alta, esbelta, cabelos lisos. Longos. Dourados. Toda ela era bela e cinderela. Meu coração batia forte, eu entrei cara e coragem na biblioteca, dirigi-me à sala de leitura e lhe disse: Carol, você pode me passar seu telefone?

Minha voz tremia, minhas pernas estavam cambembes, ela abriu um sorriso que me tirou o equilíbrio igual Velho Barreiro, e sua prima Tatiana, pequena e maliciosa, sentada a seu lado, riu em desprezo e escárnio, olhando-me de cima a baixo. A Carol me respondeu firme e com um leve suave sorriso nos cantos dos lábios: E quem é você? Eu balbuciei: F-F-ernan-do. A Tatiana exclamou, em derrisão, algo do tipo à prima: Fala Não pra ele! Dispensa ele logo! A Carol disse um límpido, assassino, curioso: Não. Tinha um quê de misericórdia na voz dela, uma hesitação galhofeira em decapitar o bandido, que parecia querer me dizer: ou eu nasci errado, ou cheguei da maneira errada. Ok, de qualquer forma, consolo zero. Meu mundo obscureceu, eu baixei a cabeça em vexame, saí da biblioteca em passos pesados, e o Flávio, sempre alegre e brincalhão, me disse: E AÍ, meu, conseguiu? N-não..., cara, ela disse não... AH, tudo bem, isso passa... NÃO vai chorar agora, NÉ?... Não... que isso! EU, cho-RAR? BAH!

Segurava as lágrimas quando minha mãe me buscou de carro naquele dia. Minha mãe perguntou se estava tudo bem, eu respondi um teso e taciturno "A-hã", ela saiu da cozinha pra pegar papel-toalha ou sei-lá-o-quê, e eu não me aguentei mais. Enchi até a borda minha piscina particular.

Nesse mesmo dia eu pronunciei uma máxima que se realizou: Vou deixar meu cabelo crescer por 5 anos, e só depois vou cortar. Vou virar monge. Claro, só falei a primeira parte pra minha mãe, que, conhecendo minha natureza de turrão e teimoso, sabia que era papo de piá maduro. Cumpri meia promessa. 3 anos de celibato total e cabelo comprido. Não há nada de romântico nisso - sofri pra dedéu. Era feliz, mas por essas escolhas ficava óbvio que me distanciava dos demais no que tangia à recém-descoberta iniciação tímida da sexualidade com o sexo oposto, e vi-me forçado a recusar uma por uma todas as garotas que me quiseram. Jamais me esquecerei do nome de cada uma delas, de seus rostos, de como elas eram bonitas, suas lágrimas ante à recusa, e quanto me machucava dizer "Não". A lição de dizer Não eu aprendi cedo. A ferro. A fogo.

Hoje eu sei que essa série de escolhas muito me ajudou, mas me custou caríssimo. Paguei com a minha própria pele e minha reputação. Se recusava mulheres só podia ser boiola (vocês não adoram este mundo determinista?). Mas, mãe, por que você tinha de me dizer aquela verdade lúcida, horrível, frankensteiniana, exatos cinco dias antes dos meus vinte anos?

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Guarda-me meu bem

Certa vez uma criança
Me disse assim baixinho
Ouça tua alma que dança
Tão mansa ao som do caminho

Saracoteia, rodeia
Te faz tão feliz, não é?
Por que você a odeia?
Anda no mundo sem fé...

Teu pé metido na meia
Não cheira nunca a chulé
Tua alma dentro do corpo
Não mostra quem você é...

Trato por tu a você
Que finge jamais me ver
Sempre entretido a ler
Tudo em que você não crê

Foges de mim, foges sim
Tu corres desesperado
Tentando alcançar o alado
Ágape do querubim

Mas o amor está na terra
Se o ler não te ilumina
Não verás o fim da mina
Rodarás como uma esfera

Saber dói, mas esclarece
Se doer, sussurre a prece
Que eu hoje te ensinei
Do universo a nossa lei

Seja bom, seja sincero
Veja como eu te quero
Sempre bem, com todo esmero
Sem vã glória, lero-lero

Sempre assim te quero bem
Vosso pai e mãe também
Se tu queres ir além
Não se faça de refém

Vitimar-se é a perdição
Olha bem tua própria mão
Só há está condição
Conhecer-se de antemão

E saber-se acompanhado
Pelo céu anil dos astros
E no balouçar dos mastros
Poder rir frente ao trovão

E durante o teu cansaço
Venha unir-se ao meu abraço
Tua mãe é minha mão
E teu pai, meu coração.

sábado, 27 de novembro de 2010

Missiva dum intelectual ocidental em crise

Para mim, é insuportável a passagem dos dias. Lembranças, que evocam lembranças... que evocam lembranças. Verdades contadas à meia boca, em sussurros, inacreditáveis, ainda que inegáveis. Mentiras hoje comungadas como verdade.

A boca enorme e hiante das passagens subterrâneas, obnóxias e cavas dos mineiros de Emile Zola. Páginas lidas no arrefecimento do vinho que restou sobre a mesa após a farta ceia de Natal. Imaginando-me em cada morte terrível que se sucede sem fim naquele livro desolador, cada desgraça relatada enquanto deitado invertido na cama, devorando suas linhas, embriagado pelo vinho, empático, humano.

Fazia coisas boas naqueles tempos com meu tempo. Com minha vida. Alguns comemoravam a passagem do ano velho para o ano novo, quero dizer: muitas pessoas no mundo todo, 2005 para 2006. Eu chorava e me mordia e suava frio de tristeza por aquelas vidas que me pareciam desperdiçadas numa labuta aviltante e inacabável nos intestinos sórdidos da terra, e pelo excesso de vinho Porto que metera sem pensar duas vezes goela abaixo. Fora-se a garrafa inteira no decorrer da madrugada. 15 anos recém completos.

Eu ainda tinha a nobre capacidade de sentir-me melancólico pela miséria alheia, porque tinha saúde, porque teria, sem dúvida, bons e longos sonhos após tanto sofrer por vidas outras. Pode-se compadecer-se muito quando se está bem. Pode-se ser solidário, compassivo, pode-se viver, ou alimentar a ilusão de viver, muitas outras vidas simultâneas. Há muito chão pela frente - é o que nos dizem - é-se novo, está-se no auge das forças e da vitalidade, no ápice da embriaguez sóbria, sente-se o coração pulsar firme e espaçado, e não há vida melhor que esta.

Ou que aquela, pois já passou. Já passou e não a vivo mais. Apaixonava-me porque cria numa espécie idealista e platônica e máxima do amor, indestrutível. Indestrutível. Anos depois, não me resta uma migalha dessas crenças enaltecedoras, até então inabaláveis. Na minha cabeça de adolescente inexperiente, o sexo era fruto do puro amor, e o puro amor era palpável, tão tocante como a vida, tão verdadeiro como aquela, o mais alto sonho tornado verdade.

Quero aquela vida sem querelas quixotescas de volta. Olhava as pessoas nos olhos e não havia quem honestamente não gostasse de mim. Nos meus olhos via-se respeito à humanidade, ao que há de melhor e mais divino em cada homem, e não os desviava jamais. No meu olhar infundia-se minha fé suprema nas palavras proferidas por Cristo: Não julgueis, e não serás julgado. Não precisava frequentar o adro da igreja para aprender na ternura de meu espírito ingênuo os mais caros ensinamentos dessa figura mais que humana, mítica, nomeada Jesus. Jesus de Nazaré, onde há luz há fé, há conhecimento e poder, poder de ser, crer, criar e viver, poder ser-se (como diria Fernando Pessoa, meu xará), isto é, ser humano no mais amplo sentido. Um leque inesgotável abria-se multicor como um pavão imponente aos meus olhos maravilhados, e a vida aparecia-me como um caminho reto em direção à amplidão da alma, suficientemente duradouro para nutri-la até o segundo que precederia o fenecimento deste corpo. Cada passo contava-se supremo rumo ao infinito, cada passo consistia no caminho inteiro.

A morte. Era um fenômeno distante, mas igualmente próximo. Passei minha adolescência figurando-a no instante seguinte, meu eterno incentivo para fazer o que houvesse de ser feito, dizer o que quer que houvesse de ser dito, sem delongas, sem preguiça, sem sensação de baixa autoestima. Outra frase atribuída a Jesus no Novo Testamento ressoava-me na cabeça: Não ajudeis os preguiçosos. Atividade era o meu lema, meu tema, meu rema. Atividade, bondade, altruísmo e amor.

Mas o que é a humanidade, mesmo? Ambição, fornicação desconexa a qualquer idealismo de amor e união, tirar proveito dos mais fracos e ignóbeis, explorar, lucrar, manipular, persuadir e dominar. Há neste mundo algum espaço, exíguo e insignificante que seja, para santos e monges fora de seu monastério e eremitério? É uma questão que anseio por responder positivamente não por mim mesmo, mas por parte de minha tia pia e freira, a quem amo tanto. Quiçá o consiga assim que voltar a olhar nos olhos os cegos, os injustos, os aflitos, os sacanas e os pobres d'alma que me rodeiam. Gente infeliz que crê na permanência e só existência do corpo, uma tolice sem tamanho, mas aceita como um amém. Falsa hóstia boca adentro.

Olho ao redor, olho-me ao redor, e já não desejo que meus olhos vejam absolutamente nada mais. Quero paz, mas tenho guerra, almejo o céu mas prendo-me à terra, o real me desterra, e eu fora de mim nem suspeito onde estou. O etéreo foge-me entre os dedos e fenece, desacordada, minha esperança na boa-aventurança da vida humana sobre a Terra. Há males que vêm para o bem, mas eu quero o além, e não viver me torturando na cotidiana autoflagelação desta pele sensível, queimada pelo sol, povoada por veias e decisão latejantes, embora incapaz de tatear este mundo nauseabundo em sua temível integridade, o que me rememora sempre os terrores que esta pútrida terra testemunhou e testemunha de forma contínua, porque não deixa de ser a mesma, habitada pelos mesmos seres mesquinhos e egoístas de séculos, senão milênios e decênios atrás.

Só há uma coisa ainda a ser dita. Creio na humanidade. Creio no elemento humano. Seria insânia descrer até nisso. Não obstante tudo o que eu disse entre meus dentes rilhados até aqui, creio solenemente em ti, e de ti tiro a imbatível crença abençoada em mim e, por natural extensão, em todos nós. Somos farinha do mesmo saco vazado. Pois não importa onde estamos, o único ponto relevante é o que somos, verdadeiramente somos e nos compremetemos a ser.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O Triz da Felicidade

Não que a vaca não tivesse razão: ela tinha. A Natureza tem lábios sábios e eu não ousaria contrariá-los. Eu olho em volta e vejo o quê? Vacas e mais vacas Nelore, e eu preciso tomar meu banho. O sol já não está mais a pino, a tarde não tarda por acabar, e é hora de aproveitar a água morna que o sol, este lindo sol do norte de Minas Gerais, fez o favor de acalentar, deixá-la tépida e imensamente apropriada ao banho humano. Ok, sem mais floreios e filosofias baratas. Eu estou na roça, chinelo havaianas metido na terra fofa adubada naturalmente pelo inodoro cocô que o gado distribui à vontade. É gostoso pisar descalço e afundar bem fundo os pés, sabe. Mas meu pé está suado e eu quero tomar banho.

Eu não sou obcecado por banhos, é bom esclarecer. Também não vou negar que me é das coisas mais agradáveis da vida estar sob o chuveiro, tomar uns dois ou três banhos frios quando o dia está fazendo 35-40ºC na sombra. É maravilhoso ver, sentir, ouvir, tocar, degustar e cheirar o jato de água encanada jorrando em meu corpo nu. Se há erotismo nisso, eu não sei. Sou um cara ingênuo, e com um faro bem apurado quando o assunto são todas as coisas boas e baratas da vida. São as mais duradouras e as mais plenamente felizes. Falar com uma criança, cheirar uma flor, escutar a canção dos pássaros. Meu tio-avô, tão querido mas já falecido, costumava dizer logo que saía do banho diário por estas terras: Só tem uma coisa melhor que um banho. Sabe qual é? Do-is banhos!

Faço questão de concordar com ele, por mais que ele não possa mais me escutar. Quando ele falava isso eu era muito pequeno pra entender, e, creio eu, nunca cheguei a presenciar. Agora já é tarde para desejar escutar sua voz novamente. Quem me disse que ele falava isso foi meu pai, de forma que essa citação muito salutar sobre banhos, e a higiene pessoal em geral, é de segunda mão, meus caros leitores. Mas meu pai é uma fonte preciosamente confiável, deixa comigo. Voltemos sem mais volteios agora à essência desta minha história, que sou eu na roça do meu tio (irmão mais velho do meu pai), no começo do fim da tarde, a 30km de uma cidadezinha encantada chamada Bocaiuva, no coração do Norte do estado de Minas Gerais.

Eu estou suado, a roupa está pregando, e o banho neste momento me parece a coisa mais inteligente e simples e proveitosa do mundo. Ma-as... não é tão simples como parece, chegar lá. Por um motivo não tão muito simples: eu tenho medo de vacas. E, para ser completamente honesto sobre ser um cagão (como se diz por estas bandas, e não é gíria dos mais novos, como se poderia pensar), digamos que esse medo meu se estende a todos os animais maiores que eu. Resumindo, eu não tenho medo de pit bulls. Sei que bastaria dar-lhes um chute muito bem dado e acertado que qualquer antipatia inicial estaria naturalmente terminada. Quer dizer, a vida do pobre cãozito estaria terminada, e a minha justamente re-começando. E o mundo continuaria a girar como se nada houvesse acontecido. Um acerto de contas com um cão que tenta - sem sucesso - dar cabo de sua vida é um assunto demasiado local para deslocar o eixo do planeta ou algo semelhantemente catastrófico para o restante da raça humana. Pode ter faltado um bocado de humanidade da parte de quem findou a vida do bichinho, mas não entremos nessa discussão agora.

Eu tomei toda a bravura do meu peito, inflei as narinas e comecei a gritar e gesticular, pincelando a cena com um toque decisivo e cinematográfico, para embelezar. Uma mãozada de firmeza jamais é demais. Ôoo, Ôoo, Ôoo, Ôoo... Êei, Êei, Êei, Êei...! E as vacas se dispersavam. Uma por uma menos uma. Vaca dum preto brabo, com dois chifres curtos e grossos encimando a cabeçorra, ela a uns doze passos de mim. E eu pensei: ... ... ... ... bom, é melhor não revelar o que me atravessou a cuca vazia naquele instante. Mas assumamos que havia uma poeirinha hostil no ar, como nos filmes macarrônicos de faroeste americano, e esse clima estava mesmo é menosprezando o meu banho e colocando a Mãe Natureza diretamente contra a melhor e menos ambiciosa das intenções humanas num dia de calor.

Minha ducha de água fria estava sendo contestada e prorrogada pela vaca arredia, que permanecia deitada folgada na terra e ruminando, e me encarando com olhos bodeados. Uns olhos... ... e quem, em-no-me-de-Deus, abençoou esses bichos maiores que nós com olhos mais humanos que os nossos? Você já se perguntou isso ao acariciar o papo do cavalo que você iria montar?

Bom, terei de apelar. Lembrei o modo como meu tio afastava as resilientes quando elas se punham de manha, assim de má vontade e corpo mole de nos obedecer. Apanhei uns tocos de pedra no chão e atirei-os perto da vaca, e ela matutando o que fazer, olhando-me como um estranho que houvesse adentrado sem permissão sua sacra propriedade. Eita, vaca indiana orgulhosa. Imagino, ainda na minha ingenuidade, que haja olhares assassinos sutilmente mais afáveis que aquele que ela me entregou de bandeja antes de ser pôr de pé. Ixe, pôs-se, pode-se afirmar, de-ci-si-va-men-te de pé. Bufou. As pedras restantes caíram da minha mão em um movimento de abrir e fechar dos dedos inconsciente. Com uma das patas dianteiras arrastou a terra logo debaixo. Eu olhei com o rabo do olho para a esquerda e para a direita, paralisado, procurando não-sei-quê. Mais uma vez, e mais firmemente, eu diria F-A-T-A-L-M-E-N-T-E, ela repuxou irritada o torrão que restava debaixo de si. Eu desta vez não pensei em nada. Para os lados, ela me pegaria na certa, bem, e para trás seria a senhora desonra correr o risco de ter um par de chifres invadindo meu território proibido, mas era a única alternativa.

Desta feita ela soltou um mugido que parecia saído das páginas fresquinhas de Revolução dos Bichos, um mugido que, por seu terror bélico e tom monstruoso, me eriçou o pelo, o cabelo e quanto mais houvesse direito. Foi aí que eu percebi minha burrada. Ela estava fazendo tudo aquilo porque estava com seu bezerrinho do lado. Xi, Maria, humano atoleimado. A cabeça da bicha baixou, eu ouvi as passadas galopantes dela atrás de mim, escutei o arfar se aproximando, meti-me por entre o vão da cerca, a cerca limítrofe entre vida e morte. Segura arame, tira pé, passa pé, tira braço, passa braço, cabeça e opa! Chifres e cabeça amontoando-se no exato milímetro donde eu escapara numa fração de segundo atrás, eu do outro lado com um riso bobo e o coração literalmente na goela, a tremedeira, o suor frio na espinha, bufei em alívio. Hora mais errada, impossível. Valha-me Deus e os santos daimes d'universo que havia três bezerros graúdos justo do lado seguro da cerca, que me salvou mas me pôs em outra! Batata quente atazanada! Eles, não me espanto, tomaram partido da parente enfurecida e se lançaram em trio sobre mim!

Dá-lhe sebo na canela, Zé Ruela! Sorte a minha que tinha um cercado alto de troncos de madeira postos na horizontal, dentro do qual meu tio tira o leite das vacas que parem, e lá pra cima, lá vou eu! Esbaforido, sem saber como chegara ali tão alto dum supetão, uma única havaiana sobrevivente - a outra virou butim de guerra para os quadrúpedes -, a camiseta regata empapada, fedendo a bode bigodudo e beiçudo e o shorts rasgado da escaramuça, eu fiquei ali. Embasbacado, lambendo os lábios besuntados por um suor salgado e bruto que só a luta ou fuga pela sobrevivência sabe produzir. Uma perna minha bamboleando mole e sem forças para cada lado do santo pau, o mais alto do amurado. Ora me deitando, ora me erguendo, deitava de novo, impressionado, mistificado... zureta e zonzo e sem um zás na vista zarolha de adranalina... não xinguei nem vaca nem a mim mesmo, nem a deus pai, filho, espírito santo, buda, maomé, nem a ninguém, amém seja, amém... quer dizer que, por um mero triz, eu por pouco deixei de ser feliz. Um triz, o que é um triz? É, meus amigos, tudo o que nos faz feliz.

sábado, 13 de novembro de 2010

E que comece outra vida

Infinitude - Dimitriy Polyakov

O que é um homem sozinho quando a doença o abate? O que é um homem só quando o inominável o atormenta? O que é um homem solitário quando suas forças não lhe valem mais? O que dizer da solidão do albatroz sobrevoando o cais, o abismo inenxergável entre terra e mar, o borbulhar das gotas dispersas da chuva, da chuva chacoalhada pelo vento...

O que são esses instantes todos, imesuráveis, incontáveis, que formam nossa vida? Parece-me tão pequena e distante do universo ao ver-me moribundo dia a dia. Sonho coisas terríveis mas não posso fazer nada, senão achá-las fascinantes - em sua grandeza, imaterialidade. Há quem chame de pesadelo o que nos assusta nas horas ermas da noite, fazendo-nos transpirar nos lençóis, e gritar em desespero e despertar transido de medo ao som dos próprios berros.

Eu chamo de iluminação. Passado o pavor, é claro. Nas trevas da escuridão do meu quarto, eu vejo a luz. Não a luz do dia, sagrada seja, mas a luz da minha consciência - terrivelmente alquebrada, em frangalhos, ainda que unida aqui e ali por fiozinhos microscópicos e cambaleantes. Ontem mesmo tive um sonho horroroso, e pasei o dia a tentar escondê-lo de mim mesmo, por mais que o contasse a minha mãe, meu irmão. Sempre sucede assim - primeiro o espanto, depois o encanto, e então o olvido.

Há um mendigo que transita pelo meu bairro e o conheço de vista há anos. Faz bem uns dez anos que o vejo: sempre de chinelo, os pés nus, a cabeça calva e com cabelos brancos, o nariz avantajado, adunco, tez branca. Mais que a minha. Às vezes está em pé, às vezes agachado à entrada de uma loja fechada, às vezes com uma bíblia preta metida nas mãos, aberta, ou debaixo do braço, fechada. Curioso observar aquele que nos vê apenas como mais um. Para ele eu sou um simples transeunte. Mas para mim, ele é a exceção, e se eu fosse um pintor, saberia esboçá-lo como ninguém. Até suas expressões faciais cravaram-se em mim. Curioso, não?

Pois no sonho noturno de ontem esse homem estava na plataforma de trem. Ao longe via-se o trem de passageiros chegando, e e ele inusitamente saltou sobre os trilhos. O trem não demoraria a vir sobre ele, o que me deixou perplexo, meus olhos transfixos em sua figura que deixaria de ter vida em questão de segundos. A aproximação da morte, inevitável, inadiável, é algo realmente terrível de se mirar. Mas nossos olhos prendem-se aos últimos detalhes da vida daquele que decerto deixará de viver, mesmo não havendo nada que possamos fazer. É de uma morbidez insuportável.

Justamente antes do trem passar por cima dele, eu pude vê-lo por inteiro, de frente. Esse senhor abriu seus braços, soergueu seu queixo pontudo e sorriu celeste, majestoso. Era o riso de um possesso, de quem já sofreu de tudo no mundo e mostra-nos como superar as tragédias altivo, entregue de alma e corpo que só a ele soía entender. É preciso ter muito mais que colhões ou vulgar destemor para fazer um tal ato - necessita-se ser dono de si, e ter um objetivo ulterior a esta vida. É um exercício solene de fé. Estar e estar-se presente no presente, sem mais nem menos. Eu tenho tudo o que esse homem não tem: casa, dinheiro, amigos, colegas, um conjunto enorme de conhecidos, um amor terreno para viver - o amor à mulher e da mulher que eu amo e me ama. E tendo tudo isso, perto desse último ato dele, eu não sou absolutamente nada. Nadinha. Necas.

Sou um completo covarde no que tange ao seguir vivendo, não importa por que, por quem, na ignorância ou na sabedoria, no puro egoísmo ou na solidariedade. A sórdida irrelevância da inércia preguiçosa me abraça todas as manhãs e me beija com seu hálito sonífero, anestésico. Permaneço o resto do dia acordado, mas indolente, caprichoso, um fresco, um alguém que jamais dá 100% de si. Um incompleto sem anseio algum por preencher-se. Abominável, mas tão-só similar a 99% dos meus semelhantes...

Meu lema até hoje tem sido seguir vivendo até que um dia me matem, ou eu morra em decorrência de algum acidente, ou doença, ou velhice, ou qualquer outra coisa. Insanidade, provavelmente.

Esse último momento foi divino. Abrir os braços e sorrir supremo ante à morte iminente é algo inaudito, a não ser que consideremos mais uma vez Mohandas Karamchand Gandhi, o Gandhi-ji, o Mahatma, a grande alma. Após alvejado num repente por projéteis à queima-roupa, aos 78 anos de idade e macérrimo de seus religiosos jejuns, pôde ainda resgatar as forças que lhe restavam para evocar o nome sacro de Deus e conceder por essa santa via o perdão ao seu carrasco - sem rosto, sem nome, sem passado e sem futuro. Nem a morte, parece, pega o homem que viveu uma vida frugal e de sacrifícios de surpresa. Nem mesmo a derrocada final deste corpo é vista com maus olhos por sua alma radiante. Fiat lux.

Mas de um mendigo, supostametne como outro qualquer, que habita uma das maiores metrópoles do mundo, o que se poderia esperar? Certamente não que tivesse a audácia de findar sua vida numa iniciativa de martírio sublime. Certamente não isso. Suicidar-se de olhos cerrados, batendo os dentes, trepidando, desesperado, arrependido no meio do ato, com todas as razões e desrazões possíveis do mundo ou extra-mundo, com lágrimas copiosas aos olhos, matar-se pouco a pouco dia a dia e perder lentamente o interesse em viver, na vivacidade, na ação e na transformação e na mudança, é uma coisa. Já entregar-se de corpo e alma à morte com os braços abertos em cruz e um sorriso digno de Jesus é outra. São formas tão distintas como uma pedra e uma flor. Bárbaro seria igualá-las.

O sonho não acabou aí, mas a estória sim. O que haveria mais para contar? A minha angústia naquele instante ante a inevitabilidade da morte de todos que nos são mais caros nesta terra - e, surpresa! - que a morte de um sujeito mendicante naquele momento tenha me doído mais fundo no imo que a morte súbita de um dos meus amigos de adolescência? Sério, o que haveria mais para contar quando se alcança este ponto inenarrável? Acaba aqui um sonho, e nasce um mártir diferente de sua estirpe.

Pela liberdade do espírito humano. Ponto final.

domingo, 24 de outubro de 2010

Todo Dia é Dia

Todo dia nascem flores
E crianças e amores
Nessas águas de Açores
Por isso, meu bem, não chores.

Todo dia é dia ainda
De te ver assim tão linda
Quando Deus feliz me brinda
Com as boas boas-vindas

Sonho contigo, e comigo
Tu sempre sonhas também
Sempre serei teu amigo
Sempre serás o meu bem

E em meus passos te sigo
E vejo-me em teu umbigo
Onde contigo me ligo
Somos gêmeos não nascidos

Religados pelo acaso
Um amor sem dor sem prazo
Há quem faça pouco caso
Nos amamos mesmo assim.

sábado, 23 de outubro de 2010

O Que É

O que é que aconteceu
A tontura que me deu
O meu chão tornou-se o céu
Antes homem, depois Deus

Envolvido face à face
Neste vívido entrelace
Como se um só bastasse
O nó uno nos atasse

Aquele que sou, não é
O todo composto em pé
Aquele que fui, será
Como o sóbrio sabiá

Piando aprumado n'árvore
Busto solene de mármore
Peito subindo e descendo
Seu pio suave crescendo

Tingindo e pintando o ar
As nuvens a dispersar
Levam leve ao meu lar
O são sopro salutar.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Pia Só o Carcará

Carne seca seca ao sol
O facão já amolado
Carne seca, seca, ao sol
Meu facão mal amolado

Se há carne sobre a mesa
Demos conta da despesa
Mas a mão segue tão tesa
Nada pode agarrar

Se há água na represa
São tempos de realeza
Mas nos mata a moleza
E a garganta a apertar...

Sobe o sol sempre tão cedo
Como se sorrise agora
Quando bate firme a hora
De amansar o meu mancebo

Meu mancebo mal nascido
Descortina a solidão
Desd'o berço destruído
Sabe quais os males são

Antes mesmo de falar
A mãe o ensina a rezar
O pai o ensina a calar
Segue quieto e seco o lar

Irrompe o choro faminto
Se há algum pão, eu minto
O menino se esgoela
O pai monta sobre a sela

Espora a besta esfaimada
Secas costelas à mostra
A seca pele o sol tosta
Racha no meio a estrada

Se vier chuva, vivemos
Caso não venha, morremos
Essa alegria nós temos
Esta tristeza dos demos

Quando é que nós perdemos
O rumo reto - a vitória
Sucumbindo à vida inglória
De viver nos esfalfando

Uma sombra quando em quando
Pois nem isto bastará
Sem palavras pra sonhar
Pia só o carcará.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Uma Duna una

Ah, os bárbaros berberes
Sobre as dunas do deserto
Camelos postos em série
Onde o Sol está tão perto

E a água tão distante
Nesta areia angustiante
Lunáticos beduínos
Entoando loucos hinos

Dez dromedários sedentos
Cem homens sob o céu pleno
Marcham ao oásis rente
Em seu passo penitente

E não é em busca d'água
Em busca do conhecer
O que todos vêm a ser
Dentre o mar que nos deságua

Confluindo vida e morte
Neste signo do mais forte
Quem virá prevalecer
Quando o dia amanhecer

Azenegues alma entregues
Beduí beduim - sim!
O teu não jamais nos segue
Vive a vida a vida em mim

Nossa cáfila descansa
Tudo quanto a alma alcança
Nosso caravançará
Fica onde a alma está

Costa à costa, mar a mar
Seco o solo, fértil lar
Dromedários, meus rosários
Contas do sacro colar

Pingentes do meu pescoço
Aparando o suor grosso
Escorrendo em minhas veias
Quando a lua já vai cheia

Cheios n'alma estamos nós.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A vida, Ávida vida

A ávida vida em vós
O que dizer dela
Senão uma prece
Uma reza, uma vela

Por tudo o que podemos
Ser e não temos sido
O talento dado aos demos
Tolamente esquecido

A ávida vida em nós
O que dizer a ela
Senão um rogo sem pressa
Que jorre em meu peito em júbilo

Por tudo o qu'eu posso
Ser e não tenho sido
Minha saúde em meu sangue
Em meu sangue esvaído

Varrido ao vento invejoso
Meu espírito colosso
Já roído feito um osso
Feito um osso um tanto insosso

Feito, desfeito, refeito
Derruído e rarefeito.

sábado, 11 de setembro de 2010

Troia Destruída

Um ruído ao redor
Ruge tal qual um leão
Quem não tem medo da morte
Dentre o breu da escuridão

Uma fraca luz opaca
A cegar um homem são
Cujo mar põe-se em ressaca
Ladra amargo como um cão

Cão raivoso endiabrado
Gane em uivos seu rosnado
Trevas névoas maresia
Grita o homem por Maria

Tende piedade, santa!
Dai-me no frio tua manta
Este gelo me congela
Sou a besta sob a sela

A galgar o solo estéril
De um mundo sem mistérios
Parcamente iluminado
Iludido - contentado

E eu cá ensandecido
A buscar meu mar de Vigo
Neste chão malsão postiço
Mergulhado no feitiço

No terreno movediço
Torno sempre ao início
Deste meu fim fronteiriço
Em meu ser em si omisso

Rima-se, beira-se ao nada
Jaz minhalma desnudada
Me repito rumo ao nada
Nado n'água adocicada

De meu sonho ambicioso
De ser tudo sobre a Terra
Onde a guerra me desterra
E meu pranto é copioso.

***

Tive a inspiração de escrever este logo depois de ver o filme Vivendo no Limite (1999, dir. Martin Scorsese), e em seguida ler o pequeno - e impactante! - livro Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk (1865, trad. Paulo Bezerra), do ainda pouco conhecido escritor russo Nikolai Leskov (1831 - 1895).

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Proximidade Intangível

Perigosamente próximo
De ti - tão equidistante
De mim - neste uno instante
Já passado porque próximo

E quem sabe o que virá
Nesta terra tão batida
Mais pra lá do que pra cá
O ermitão em sua ermida

Quando prende o ar da vida
Tristemente engaiolada
Nesta livre esbaforida
De um corpo retesado

Ver c'os olhos a saída
Vagamente tateá-la
Em sua alma a voz amiga
Antevê a nobre sala

É sua vista incandescente
Labareda incinerante
Onde pousa a paz presente
Deste infinito instante.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Doído Doido

Doido doído varrido
Um ser em si incontido
Trêbado bêbado bebe
Dança pelado na neve

Doido doído varrido
Um todo desmilinguido
Esfomeado esfaimado
Canta consigo seu fado

Doidivanas ambulante
Andarilho das estepes
A paixão reverberante
Põe-o todo serelepe

Pois eis à frente o barranco
Eu enfim sem fim me lanço
Assim me entrego ao balanço
Do meu solto corpo ao ar

No meu solto corpo amar
Minhas pernas já sem chão
Assobia o samovar
Como um doce furacão

Espalhando-me os cabelos
Esquarteja-me de inteiro
Que me importa hoje tê-los
Se meu fim cerá certeiro...

domingo, 5 de setembro de 2010

Donde Esconde

Onde escondem-se os segredos
Meus e teus - medos de Deus
Pendem pêsames penedos
Tão pesados como os seus

Sempre importa estar sozinho
Nesta descontinuidade
A roer meus pergaminhos
Sob o signo da idade

Morre a fisicalidade
Morre tudo o que já fomos
Nasce a nossa mortandade
E morremos como os monos

Nada há nisto de infeliz
A não ser a velha ideia
De sermos cor, não matiz
No universo melopeia

Onde os sons eternidade
Desmentem nosso existir
Somos mais que vaidade?
Poderemos resistir?

sábado, 4 de setembro de 2010

Eu sou, Tu não és

Eu sou e estou à parte
Do mundano mundo meu
Extraterrestre de Marte
Onde esconde-se meu Deus

Cosmogonia agonia
Ver-me um bípede inconstante
Quando passam-se os dias
Nas volúpias flutuantes

Passam-se e não voltam mais
Meus momentos empurrados
A foto tirada ao cais
Num belo dia apagado

Em que consiste o passado?
Tenras memórias já trêmulas
Nossos carros rebocados
Sacrificadas azêmolas

Cada bicho compreende
O destino ao qual se prende
Sua vida e seu pulsar
E à terra o retornar

Já o ser humano, não.
Prefere pôr-se apartado
E em si ensimesmado
Rumo à só dissolução.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Sujar-se amar-se

Nós surgimos da sujeira
Nos sujamos com asneiras
E na nossa insurgência
Assopramos brincadeiras

Como as velas sobre o bolo
O sorriso de apagá-las
Tudo é riso, nada é choro
Prontas todas nossas malas

Crianças, onças criadas
Subindo alegres escadas
Um tropeço uma risada
Não foi nada - nada não

Um nadinha de arranhão
Beija, sopra, casa, sara
A menina de tiara
Em seu baita sorrisão

Nossas festas de infância
Nossas festas de criança
Corre, brinca, enche a pança
Sem vergonha de engordar

Sem vexame de babar
E completo se sujar
Respirar de novo o ar
Deste infinito mar.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Eu amo

Eu amo o humano
Odeio o oposto
Odeio o cano
Da arma no rosto

Eu amo estar vivo
Odeio o contrário
O ser que, cativo,
Recorre ao rosário

Das rezas terrenas
Dos rogos mundanos
As súplicas plenas
Do teor insano

Adoro este olhar
Volvido a mim
Sem nada esperar
Seu cheiro alecrim

Que sobe às narinas
E toma meu pulso
O ar de mia sina
Repuxo e expulso.

sábado, 28 de agosto de 2010

Buona Sera!

O que houver de acontecer,
Acontecerá.

Será

domingo, 15 de agosto de 2010

Insônia dos Sonâmbulos

Em meu sono insone os sonhos
Aparecem como alerta
São meus medos mais medonhos
A vontade me desperta

A vontade de acordar
E fazer quando acordado
E sorver de novo o ar
Majestoso desse estado

Onde as fendas mais escuras
Permanecem escancaradas
E aos meus males acho a cura
Sem a cura não sou nada

Logo desperto, adormeço
Fundas sendas sem saída
Meu retorno ao recomeço
Minha vontade esquecida

Como pude eu esquecê-la
Uma náufraga ilhada
Sem nem mesmo nunca tê-la
Nesta infinita escada

Demarcada por degraus
Perfazendo o labirinto
Onde medram bons e maus
E minhalma pouco eu sinto

Corpo e cor descompassados
Repetidos cada instante
Meus simultâneos passados
No tarô da cartomante

Morte ao bravo cavaleiro
Vida ao astuto rapaz
Paira em mim um nevoeiro
Negro, intrépido, sagaz

Anoitece novamente
Rumo ao novo limpo dia
Num mormaço deprimente
Antevendo a carestia.

sábado, 14 de agosto de 2010

Família Ideal

Mamãe, papai e vovô
Vovó, titio e titia
Todos tramando tricô
No seio nu da família

Minha irmandade de sangue
É como as portas que rangem
Só o ranger incomoda
Logo suave se tranca

Dobradiças sem azeite
E bisagras a sangrar
O azedo amargo leite
O range-range a rilhar

Engonços desengonçados
Ora rangindo, ora rindo
Marcados rostos e traços
Neste suceder infindo

Falam de tempos tão árduos
Como o próprio termo gínglimo
Leitos com pulgas, moscardos
Digo, um viver dificílimo

"São os quícios emperrados"
...não entendo patavinhas...
Do linguajar antiquado
"As vinhas da ira" -.... quem vinha?

De charneiras enguiçadas
Também muito já ouvi
São parentas mal-amadas
Frustradas e já cricri

Há também as aves negras
Fora dos eixos e gonzos
As ignoradas ovelhas
Chamadas de mongo-sonsos

Borboletas sem casulo
Parentes desmiolados
Com as paixões de Catulo
Cujo perdão é negado

E o rebuliço é maior...
As chamadas machas fêmeas...
De coração colorido
E seu amor por gardênias...

Pois sem quícios nem resquícios
Os mancais que ainda mancam
Tornam-se os tabus do vício
E as trancas suaves se trancam.

***

Um poema meu no qual brinco com os "segredos" de família, os tópicos evitados, "difíceis". E como eles são, duma forma ou outra, trancados num quartinho até que surja um curioso que queira porque queira descobri-los, escancará-los, e chutar o pau da barraca. Daí também brincar com a ambiguidade de uma palavra como "macha fêmea", sinônimo de dobradiça, e que aqui adquire outra conotação... assim como "mongo sonso", igualmente sinônimo de dobradiça, e que traz aqui outro significado. E assim vou brincando com outros sinônimos de "dobradiça" (já que, sem a dobradiça, portas e janelas seriam bem mais difíceis de se fechar e se trancar...):

...bisagra, engonço, gínglimo, quício, charneira, eixo, gonzo, mongo-sonso, borboleta, macha fêmea, mancal.

E, claro, qual família é ideal?

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Do Alto Abaixo

Minha dúvida na vida
Minha dívida de vida
Serei quem almejo eu ser
Doa muito a quem doer

Doa, fira, decepcione
Serei quem almejo eu ser
Seja eu Sérgio Leone
Venha eu recrudescer

Se o que me importa é meu ser
Esta pútrida aparência...
Ou será mia séria essência
Pronta sempre a se esconder?

Esta larga porta aberta
Do outro lado, outra vida
E eu cá ensimesmado
Vejo a reta tão comprida

Encurtado o horizonte
Olho a meta indefinida
Que podia ser mia ponte
Entre esta e outra vida

Que atravessa o alto monte
Numa trilha tão dorida
É melhor que não me conte
Nada mesmo desta vida

Antes me tornasse insano
Procurando uma resposta
Afundado em desenganos
Preso à fria e crua encosta

Pétreo e rijo nesta crosta
Já acumulada em mim
Sem qu'eu nem mexer me possa
Enxergar no chão carmim.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Estranhos na Cidade

Ele era mais baixo que eu, talvez em seus 1 metro e 68 centímetros. Talvez 1 e 65. Tenho um bom olho para arriscar-me em "chutes" de dimensões corpóreas, mas não há a mínima necessidade de delongar-me enfadonhamente nisto. Tinha a barba rente, grisalha, e aparentemente a idade do meu pai. 55 anos. Daria menos, mas logo se notava que não havia passado pelas melhores das situações na vida. O dia era frio, 15ºC, e ele vestia uma jaqueta um tanto escurecida pela sujeira acumulada, que não era excessiva a ponto de causar repugnância, nem tampouco fedia, mas seria de pronto rejeitado em qualquer entrevista de trabalho. As pessoas do ponto de ônibus visivelmente evitavam olhá-lo. As pessoas, como uma regra geral, não costumam fixar a vista no que lhes é desagradável. E as aparências contam muito.

Veio esse homem até mim e perguntou-me: Aqui passa o Butantã? Respondi-lhe num gutural que me assustou, assim como a outro jovem homem que estava próximo: É! E então veio a pergunta desse homem que me deixou estupefato: Lá dentro [da USP] "ele" faz denúncia em todos os lugares? Respondi-lhe: Faz! Monossílabos esses que me permitiam elocubrar o que esse desconhecido estava afinal querendo dizer, e refletir se ele estava em plena posse da razão. Do nada, então, ele começou a relatar sua vida em pormenores... e eu, que nunca o havia visto antes, passei a escutar e anuir com a cabeça, olhando-o nos olhos...

As irmãs dele o haviam colocado num "manicômio", para embolsarem o dinheiro da assistência do governo. "Coisa pouca" de dinheiro. "E isso se faz a alguém?" Respondi-lhe: Não, não se faz. Continuou, dizendo que o pai lhe negara e o encomendara ao diabo, já no leito de morte, negando-o também como filho de seu próprio sangue. O pai o odiava. A mãe, desnaturada, prendera-o no galinheiro, forçando-o a comer o "lodo" pisoteado e emporcalhado pelas aves. "E isso se faz a um homem?" Não, meu senhor, coisa dessas não se faz...

Ele, pois, queria "fazer denúncia" desses abusos dos quais tinha sido vítima, e viera de Bauru, cidade do interior paulista, para esse fim. Disseram-lhe - sabe-se lá quem lhe disse semelhante asneira - que "aqui" ele poderia denunciar esses maus-tratos sofridos e angariar uma indenização. Por conta dessas terríveis tribulações, às quais fora submetido pela própria família, havia sobrevivido à tuberculose, pneumonia, febre amarela, e estava "doente das pernas", morando na rua. Não, não me pediu dinheiro. Queria mesmo era relatar sua história, sem quês de piedade ou súplica. Relatava sem sorrir, sem mostrar um dente sequer - talvez não os tivesse, talvez os escondesse muitíssimo bem, sabe-se lá por quê tal procedimento.

Sua aparência era de fato frágil, sendo ele um homem de fenótipo magro, as bochechas sugadas, os olhos estranhamente azuis... havia trabalhado "no Estadão", ganhava uma boa grana, mas o enganaram, dizendo-lhe para largar aquele emprego pois haviam lhe encontrado "coisa melhor". Viera e se desiludira. Novamente tapeado pela vida, ou por aqueles que a transformaram pouco a pouco num inferno. Já dentro do ônibus, desatou a tossir. Tossiu uma ou duzas vezes, mas foi o suficiente para ter uma ideia precisa do estado de seus pulmões. Haviam-lhe tirado a moradia, e "nem que fosse para andar lá dentro" [da USP], ele queria porque queria encontrar o tal lugar onde se pudesse fazer a tal denúncia.

O problema era que... ele não conhecia absolutamente nada da USP... nunca estivera sequer lá dentro. Pensei: esse homem não sabe o que está fazendo... ninguém quererá ouvi-lo lá dentro, e caso peça informações a algum transeunte, de três, uma: ou lhe ignorarão ao ver suas vestes malcuidadas, ou tirarão graça da cara dele (há sempre quem se divirta com a miséria alheia), ou, por fim, não saberão lhe informar aonde ir, como ir. Para todos os três casos, a certeza única é que ele se encaminhava para a própria perdição.

Disse-lhe: Senhor, pergunta para o motorista qual é o ponto do hospital lá dentro (Hospital Universitário), e desça lá. "Hospital? Por quê?". Porque lá é capaz que lhe deem a informação [de onde fazer a "denúncia"]. Ele agradeceu, sempre olhando-me direto nos olhos, mas permaneceu estanque. Num determinado ponto de sua história pessoal, antes de chegar nosso ônibus, lágrimas quase lhe brotaram dos olhos. Era ou um ator, ou um sofredor. Mas isso de ficar estanque após minha sugestão de indagar ao motorista, eu não pude compreender. Perguntar no lugar dele, eu não perguntaria. Se esse homem tivera a capacidade de dirigir-se a mim e pedir informações, e contar sobre seu maldito passado, inegavelmente poderia perguntar o que fosse ao motorista. A fala ele tinha.

Apesar de sua situação, verdadeira ou não, morador de rua ou não, vítima da maldade alheia ou não, fosse ele salafrário ou honesto, o fato que me avivou a memória foi que esse homem retinha consigo uma certa dignidade, e olhava bem nos olhos - característica já mencionada -, sem, no entanto, dar a impressão de que intencionava manipular pelo olhar, ou retirar desse contato visual qualquer favor para si, explícito ou implícito. Parecia mesmo que ele estava procurando fazer a tal "denúncia", e tudo leva a crer que ele cria piamente que isso pudesse ser realizado dentro da USP. Em qual faculdade, ele não sabia... A rua, o endereço, o número desse tal lugar no seio da cidade universitária, tampouco conhecia...

Eu não sei quem era esse homem de boné com temática de exército, à venda em qualquer camelô. Mas se um dia eu ficar lelé da cuca, ou me tomarem por algum lunático ou coisa similar, a imagem, a voz, a tosse e a pungência - real ou não - da vida desse homem, haverão de me vir à memória. Contra todas as minhas suspeitas, eu devo ter "cara de conversa", ou de ouvinte aberto, ao menos a algumas pessoas. Não é possível... não foi a primeira vez que alguém me contou sua história, sem nada pedir em troca... Exato. Sem nada pedir ou pegar em troca. Meu digno pagamento é calar, ouvir e aprender com os erros alheios.

Não posso senão me pôr a imaginar onde esse homem está neste exato instante, e o que faz...

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Haicai Insubmisso (XVI)

Mãos e dedos
Nãos e medos
Irreconciliáveis.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Admirável Mundo Novo

A Aldous Huxley

Ferraduras nos cavalos
Focinheiras nos cachorros
A mordaça em nós humanos
Civilização. Bem-vindo!

Antes carroças
Hoje carrões
O mundo na roda
E a roda no homem.

Novas angústias modernas
Maus e velhos pesadelos
Quando a voz tão doce e terna
Não nos permite esquecê-los

Como o homem muda o mundo
Sem a si obter o mesmo
Basta olhar petrificado
Pasmo olhar e assim ficar

Mudo - quieto - teso - só.
Para então se recordar
De quando ousara sonhar
No firme aperto da avó

Naquele aperto de abraço
Olhos nos olhos... tão vivos!
Para afastar o fracasso
O tenro amor de um amigo

Sem gênero, raça ou cor
Amor sem pudor - Amor.
Como só podem os velhos
Por verem o invisível

Verem iguais as lições
Repetidas nos seus netos
E as mesmas reações
E seus gostos prediletos

Quão estranho este Universo
Refletido nesta Terra
Vêm e vão filhos submersos
A lutar sua própria guerra

Para alguns, muito difícil
Para outros - corriqueira
Escrita como um ofício
Cada letra à sua maneira

Para estes, sempre mística
Para aqueles, sempre asneira
Uma neta nasce tísica
Depois cresce uma guerreira

Outro, com tanta saúde
Sequer teve uma virtude
Vivendo à custa de todos -
Lábia, carisma e engodos.

Reflete a velha anciã:
Alguns são bem mais que os outros
Mais de vida e mais de alma...
Sempre são trapaceados.

Até um dia aprender
Esta mais dura lição
A quem querer ver: os olhos.
Quem os negar não terão

Quem os negar tentará
Espalhar sua cegueira
Para aqueles com maná
Engolirem a besteira

De que todos são iguais
Alguns menos, outros mais
Os valentes rechaçados
Acorrentados ao Cais

Para verem o mar infindo
E assim morrerem rindo
Crendo ter vivido tudo
Sendo prisioneiros mudos.

domingo, 8 de agosto de 2010

Vanilóquios do Armagedão

Fruto que nasce malandro
Também vai cair do pé
Não importa qual meandro
Vai cair como um mané

Se até isso fosse injusto
Nem viver teria custo
Nem morrer seria justo
Nem a vida existiria

Nem a luz teria o dia
Nem a noite brilharia
Onde o mal reinasse impune
Sem a força que nos une

Homem bom seria mito
Na vitória pelo grito
Coisa nenhuma haveria
Na total misoginia

Na total misantropia
Onde a luz não alumia
Sacrifício humano é regra
E a lei humana é cega

Cega-cega de verdade
Rima de passividade
Quando os fatos inventados
São a última verdade

Ser gente é futilidade
Na ausência de amizade
E o pássaro alegre
Vira rara raridade.

Vira mera vaidade.

sábado, 7 de agosto de 2010

Liberto

"Todos temos os nossos momentos de fraqueza, ainda
o que nos vale é poder chorar, o choro muitas vezes é
uma salvação, há ocasiões em que morreríamos se
não chorássemos."
(Ensaio Sobre A Cegueira, do benquisto, finado José Saramago)


***

Ah, não! Veja só quem veio
De seu campo de centeio
O jovem apanhador
Preso às rédeas do amor

Ah, sim! Olha quem chegou
Lutou e se libertou
Piruetas, traquinagens
E um punhado de coragem

Índio de instinto selvagem
Boca larga, riso sempre
Peito cheio de contente
Mente livre de bobagem

De ser maior ou menor
De ser melhor ou pior
De ser quem nunca será
De ser aquele acolá

Não se pode ser que é
Aspirando a ser igual
Não se pode nem ter fé
Se a fé é desigual

Cultivada no amplo templo
Onde Deus não somos nós
Presos soltos neste Tempo
No Universo de almas sós

Onde o amor é findo e morto
E o saber padece roto
Nossas lágrimas enxutas
Seco o sangue desta luta

Onde o fim não recomeça
Numa parva finitude
Onde a vida corre às pressas
Nada vale qu'eu me mude

E por mais qu'eu me emudeça
Não tirarei da cabeça
Antes morro a me esquivar
Deste rarefeito ar

O trabalho não liberta
A verdade nunca é certa
Valho mais que esta oferta
De uma vida após a morte.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Santo Atrito

Não sou quem pareço ser
Nem pareço quem eu sou
Quem é este em meu ser?
Quem é este quem eu sou

Se não sou minha aparência
Se nem isto é verdadeiro
O qu'eu posso na descrença?
De não ser por mim inteiro

O que faz desde nascença
A criança do celeiro
Pra vencer a desavença?
De Seu ser cindido ao meio

O que faz em Sua passagem
Assolada sobre a Terra
Para ver sob a miragem?
Sua Paz cingida à Guerra

domingo, 25 de julho de 2010

Teresa diária

Lua minguante. Ó, lua...
Cante esta música tua
Em meu lar enluarado
Respirarei teu recado

Tua lei, o teu ditado
Este mar cruzado a nado
Quando a noite cai prudente
No céu limpo negrejado

Quando a noite cai e sente
O orvalho já gelado
O choro deste parente
Seu soluço entrecortado

A lamúria de um doente
Cujo sonho é pesadelo
O estranho em sua mente
Carrega o sétimo selo.

Inquebrável juramento
Lacre timbrado e lavrado
Este banco onde eu me sento
Não me livra do estrado

Onde deitam os leprosos -
Deitam quietos mas não dormem
Teresa de Calcutá...
Onde há dor a vida está.

***

O Sétimo Selo (dir. Ingmar Bergman, 1957): Um filme extraordinário sobre a vida, e a morte, inelutável. Sobre o sentido de ser e estar neste mundo, que, não raro, supera nossa própria compreensão. Belíssimo filme - admito que preciso revê-lo. Lembro-me apenas de cenas díspares, marcantes, e não do todo, como pretendia agora. Perdão...

Madre Teresa de Calcutá (1910-1997): Esta boa irmã que cuidou dos afligidos pela hanseníase, dos miseráveis e dos desesperançados, sob condições tão insuportáveis, e com uma fé sem tamanho. Impressionante.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Eu sou sul-americano

Eu sou sul-americano
Lá dos campos de algodão
Mãos de calos - mãos de amo
Apesar da plantação

Eu sou sul-americano
Cá nos campos da canção
Onde canta o ser humano
Apesar da escravidão

Eu sou um negro africano
Longos anos desertado
No seu choro o pelicano
Me relembra emocionado

Eu sou alto e muito forte
Não confiem no meu porte
Não me deu a maior sorte
De um dia eu ter digna morte

Eu sou de cor colorido
Preto, moreno e amigo
Olhos, orelha e umbigo
Homem, humano e parido

Eu sou pai do Jazz, do Blues
Pai do Martin Luther King
Eu sou negro e vim do Sul
Serei sempre o rei do ringue

Eu sou pai do Malcom X
Billie Holiday, meu bem
Estou vivo por um triz
Minha voz é como um trem

Passa e fica para sempre
Sarah Vaughan nos cativa
Não há quem jamais se lembre
Da Nina Simone - a diva.

Não há quem se lembre e diga
Isso já foi. É passado.
Pois na noite a voz amiga
Acompanha-nos no fado.

***

Escrito após ter visto o encantador filme O Sol é Para Todos (To Kill a Mockingbird, 1962, dir. Robert Mulligan), baseado na obra homônima da escritora, também estadounidense, Nelle Harper Lee. Recomendo-os (o filme, como o livro, que há pouco li e adorei) de coração.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Lelé da cuca

Milhões de passos com pressa
Andando a esmo o caminho
Mil avenidas avessas
Nós nos sentimos sozinhos.

Nós nos sentimos tão sós.
A gente não é plural
Senão um monte de nós
Um nó górgio sem igual

Um grande nó no pescoço
A grande amarra na boca
No cotidiano insosso
Desgraça tão grande é pouca

Desgraça esconder-se em roupas
Engraçado ficar nu
No hospício de almas loucas
Cada um em seu iglu

Nosso manicômio urbano
É totalmente perfeito
Ali - fulano e sicrano
Sonham a sós em seus leitos

Sonham imagens explícitas
Da realização máxima
Papai Noel traz na lista
Suas vontades de lástima

De amar as árvores verdes
Índias impuras tomadas
Nas mãos sedentas de sede
Sequiosas das amadas

Mãos calejadas nos barcos
Vidas guiadas por remos
Podres mantimentos parcos
Seres entre o mar pequenos

Egoístas, cobiçosos
Ó formosos navegantes!
Matem índios ociosos
Os selvagens ignorantes

Os ímpios dalma, os hereges
Adoradores das plantas
Como bem prega o Evangelho
Filhos das grutas das antas

Salvem suas almas
Trucidem seus corpos
Índios sob as palmas
Índios hoje mortos

Sob a cruz religiosa
O cruzeiro estrelado
A Maria milagrosa
Limpadora de pecados

A espada não tem fé.
Nunca teve nem terá.
Mas o mar e a maré
Têm na marca o mal-estar.

O tenso sono pesado
Dos tantos doidos dormentes
A loucura, esse estado
Muitas vezes consciente.

Malogrado ser maluco
Neste mundo tão normal
Onde bate firme o cuco
Para o juízo final...

Eu sou louco - quer um pouco?
Da mia mente ensandecida?
Sou tão oco como um coco...
Cuja água é minha vida.

***

Após ter assistido ao absurdo e genial filme Bad Boy Bubby (dir. Rolf de Heer, 1993)... um dos filmes mais insanos, mais comoventes, mais tragicômicos, mais kafkianos, mais abrangentes, revoltantes, repugnantes, encantadores, calorosos, que eu já vi na vida. E é bem capaz que seja o ápice máximo de todos esses adjetivos. É o paradoxo da vida humana levado ao extremo, sem romantizações de caráter, destino, Deus. Até hoje eu não creio que outro diretor¹ tenha se imbuído da coragem de rodar algo tão fascinante, discrepante, revelador e realista. Algo tão "tudo" ao mesmo tempo, sem pecar por excesso de cautela, ou mesmo por sinais evidentes de ambição. Jamais vi algo como esse filme, e creio que qualquer outro que, por acaso, se assemelhasse, ou, por intuito, buscasse se assemelhar a essa avis rara do gênero (gênero... ultimamente inclassificável e inantecipável), não o alcançaria de modo algum.

Esse filme gerou, por veios e meios indiretos, um poema (o acima) que eu estimo muito. Nele eu busco, na descrição dos navegadores e da "descoberta", cenas de um filme do diretor alemão Werner Herzog (1942 - ), ao qual tive a grata oportunidade de assistir. Chama-se Aguirre, a Cólera dos Deuses (1972). A descoberta da América Espanhola de uma maneira nada romanesca, portanto, nada ilusória.

Nota:

1. Há diretores que foram longe na unicidade de suas obras, como o próprio estadounidense James Broughton (1913-1999), cujos filmes (uma parcela deles) espantam pelo teor abertamente lascivo, descaradamente sensual, apelando à intimidade de nossos corpos. São difíceis de tragar, confesso, como espectador atônito que sou.

Três filmes de J. Broughton, que foram extremamente desafiadores para mim, por seu inegável teor voyeurístico:

1. Hermes Bird (1979)
2. The Golden Positions (1971)
3. Devotions (1982)

Você sabe quem é...

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Fernando Pessoa

O cão late - a porta bate
Crianças brincam na rua
Cai com estrondo o abacate
E a grácil moça se amua

Prostrada em sua janela
Radiante em seu sorriso
Sabe-se lá o que há nela
Quando passa o Seu Narciso

Seu Narciso, grande e gordo
Bonachão e brincalhão
Evinha, eu beijo, não mordo...
Dê-me cá tua bela mão.

Narciso logo gargalha
Rir é meu maior amigo
Coisa boa é ser canalha
Mas bem isso eu não consigo...

Rir é coisa muito boa
Chorar de rir, pois então...!
Como o leve som ressoa...
Quando tudo é solidão

Como o leve som ecoa
Quando a vida já diz não
E desperta na garoa
O desejo de união

O céu cerrado trovoa
É a chuva, Narcisão...!
O bom Fernando Pessoa
Nos deixou sua emoção

Emoção deste viver
Em versos nossa versão
Maravilhada da vida
Como a chuva no verão.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Almeida Júnior

Olha a passagem do vento
Passagem sequer comprada
De um pétreo punho avarento
Passagem - passou... Passada.

Olha a passagem do vento
Passando, voando além
Um respiro poeirento
Carregado de Belém

Vem vindo o vento passando
De um calor arrefecido
Nas paixões de Marlon Brando
Meu Brasil recém-parido

Olha, olha, olha.. o belo
Caipira picando o fumo
Basta olhar tamanho esmero
Cada traço com seu rumo

Cada traço com aprumo
Almeida Júnior pintou
O roceiro com seu fumo
Ele, sim, se eternizou.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Índio Alado

Cauí, beberagem
Me dê mia coragem
Cauí, beberagem
De volta selvagem

Cauí, beberagem
Meu sonho, miragem
Cauí, beberagem
Mia real imagem

Cauí, anuaí
O pássaro ri
Cauí, anuaí
Mil milhas daqui

Cauí, ó, cauí
E eu, onde estou
Me leve aí
Mia alma voou

terça-feira, 6 de julho de 2010

Tu me chamas

Quando tudo fica mudo
E se impõe o meu escudo
É macio como veludo
E pesado como o luto

Abro o peito já desnudo
Olhos cegos - surdo ouvido
Ensombrece tudo, tudo
É um fardo como o luto

Pelo e pele, todo hirsuto
O frio corpo eu cutuco
Estéril, como um eunuco
Tudo é sombra e tudo é luto

Quanto dura a sepultura
Esta tumba tão escura
O ressaibo da amargura
O eterno que perdura

Quanto custa um susto assim
Duplo meu falando a mim
Aonde eu fui donde eu vim
Morto o gênio de Aladim

Morta a lâmpada sincera
Ó Medusa, mia quimera
O destino que me espera
Na fissura da cratera

Olhos negros da pantera
Temerosos como a fera
Medo vindo de outra era
Tão eterno como as serras

Vales, colinas, montanhas
Estranhas à vida, estranhas
Abismos do breu - do Eu
O réu maior sob o céu

Então surge a tocha acesa
E muge a vaca indefesa
O clarão do lampião
Labareda sobre a mesa

Fogo humano do saber
O ardor aquece o ser
Ó fogueira alvissareira
Lança a luz nesta lareira

Lança a luz alumiada
Na mia erma e só morada
Ó fogueira alvissareira
Chama mais abençoada.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Duendes doentes não há

E a folha se desprende
E recai na imensidão
Pousa na mão do duende
Tão maroto, garotão

Assovia e logo aprende
Todos os modos do mundo
Como é sábio esse duende
Não sente o odor nauseabundo

Ou talvez o sinta e saiba
Ver o todo de outra forma
Sem nem dar lugar à raiva
Seu olhar que se transforma

E o transforma em conjunto
Em todas as coisas boas
Ver os outros, ver o mundo
A quem nada está à toa

Quão lindo o sol e a garoa
A maré a ir e vir
Pois em tudo o som ressoa
No sempiterno devir

E a voz de uma pessoa
Na distância vem e vai
Sobre o rio uma canoa
Sobre o rio o próprio pai

Em vida o triste magoa
Chora o lençol bifurcado
Ruge a lava em Krakatoa
Faz do presente, passado.

E faz da vida um ditado
Passa passa passageira
Quem não provou do pecado
Não viveu à sua maneira.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Caixinha de Pandora

Como aquele eterno instante
Na surda noite ecoando
Tua figura esvoaçante
Teu espesso véu, tão brando

O luzir dos diamantes
Envolvendo teu pescoço
Num contradizer chocante
Com o teu viver insosso

Teu viver tão refinado
Uma esmola, dois trocados
Teu corpo como os ditames
Estéticos dos reclames

Obsoleto como a moda
Teu jeito aéreo e sublime
Na reinvenção da roda
Dos teus prediletos filmes

Glamour, finesse, teus trejeitos
Feios defronte ao espelho
Dando passos escorreitos
Em teu perene ar pentelho

Descomprometidamente
Vejo-te agora como és
Libertina e leniente
Vã e chã como os teus pés

Encantadora
Eleanora
A realidade...
...comprometedora.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Pevides Lançadas Além

Meus entreabertos olhos
Entreolhavam você
Eu entretido em olhá-la
Como quem primeiro vê

E não crê, não pode crer
E suspende o pensamento
Num suspense muito lento
Lentamente a escorrer

Como lágrimas rolando
Dois olhos semi-cerrados
Pingo a pingo gotejando
O timbre teso, calado.

Minha garganta entupida
As narinas ressequidas
Num grito clamando a vida
Perdida, querida, a vida

Quem a levou de repente?
As veias pulsando ainda
Tornado triste o contente
Não quero ir, minha dinda

E vale minha vontade?
Minha íris rebrilhando?
Escuto Sheherazade
E tudo, tudo é tão brando

E tudo, tudo vibrando
Nada é nefando, terrível
O incrível é possível
E o fim vai começando

Ouço as canções de infância
Não há saudade nem ânsia
Apenas vãs cantilenas
Vãs e belas e serenas

Vãs, singelas e pequenas
Como humildes Madalenas
Perfumando Os pés alheios
Sem ofensas, sem rodeio

Irá embora quem veio
Cultivado seu centeio.
Qual tristeza haverá nisso?
E qual maior compromisso...

Nasceu, semeou, brindou
Das alegrias provou
Sem asas alçou seu voo
E voou, voou, voou...

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Estéril Solo

Um punhado de mias lágrimas
Diagnóstico:
Tristeza incurável.
O desespero tranquilo
De quem se vê a morrer

E com lágrimas se dissolve
Revolve-se em luta inteiro
Não é por Frida ou por Nicole
Sim por ser um mensageiro

A quem ninguém dá ouvidos
E por que por deus daria?
O choro é logo esquecido
No colo da mãe, mamãe
No colo da tia, tia...

Gotas, pingos pluviais
Sem plúmbeas nuvens cinzentas
Só ais, mais ais, tais quais ais
Oh, soluço, angústia lenta!
Crimes capitais, sem pais!

Dor sem parentesco ou alma
Não curada por ar fresco
Calma - tu ficas patética
Ao entregar-se ao sofrer

Não pranteie ou lamurie
Queira Deus desfaça ou crie
Rios do tolher, infinitos
Sob pontes pênseis de gritos
Rarefeitas no abandono

A saída inexistente
Esteve escondida ali
Onde o rio flui e sorri
Dentro de ti, dentro, sim,
Teu cultivado jasmim

Não jaz em mim, mas em ti
Espreguiça-se o saci
E ri, e ri, e ri, ri
O ensandecido feliz...
Só ri, só ri, só ri, ri.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Azul

Jamais vejo o azulejo
Pintado como um painel
Sob a sombra me protejo
Do seu áureo azul do céu

O anil das flores, cores
Espraiadas como ao léu
Meu buquê de amores murchos
Na mia triste mão de réu

Vagos olhos, secos lagos
Onde a água já parou
Já passaram os reis magos
A manjedoura ficou

Esperando um simples gesto
Um carinho, abraço, um beijo
Meigo que fosse e modesto
Só sobrou o azulejo...

Azul, anil, oceânico
E tirânico e satânico
Toda uma calma de pânico
Por que te vejo, azulejo?

Seu azul, seu anil, seu
Mar infindo a me olhar
Meu esgar, minha aspereza
Quem dera eu jamais me veja.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Haicai Insubmisso (XV)

Da asma
Entusiasmada
Ao miasma.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Haicai Insubmisso (XIV)

Conheço poucas pessoas
E menos ainda
A mim mesmo

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Espada Embainhada

Mato-me um pouco por dia
Se é que ninguém percebe
Nem me condena a uma pena
Quiçá maior que esta

Mãos se oferecem no ar
Irresoluto, já débil
Quererão me ajudar
Meu teso corpo, mi' alma leve

Minh'alma leve embora
Os maus presságios
As tristes cantilenas
Do merencórico agora

Um desarrazoado medo
Do desarrazoado homem
Me abala logo cedo
Minha empatia some

Integridade almejada
Numa vida de facetas
Partes do todo - do nada
O ressoar das grilhetas

Algemas e estigmas
O que é, o que são
Um vasto mundo de enigmas
Ora herói, ora vilão

São os mesmos, já não
O mesmo nunca é o mesmo
Sabe-se lá o que são
Sob o sol só da solidão

Sabe-se lá o que é
O que está parado
E paira de pé

O chão chamuscado
Formas disformes em pilhas
Meu medo, nosso degredo
Nossa abominável ilha

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Deslumbrar de um menino

Quem já fez uma criança feliz pode morrer com um sorriso nos lábios. Recordo-me de Natã, no norte de Minas, há pouco tempo, mas um tempo que transcorreu numa tal violência inexplicável, que bem me parece outra vida. Natã era residente da cidadezinha, com seus 6 anos então. Era um pouco doente, tossia uma tosse cheia de catarro no peito, o que o deixava um pouco diferente dos outros de sua idade. Por tomar xaropes e fortes antibióticos, tinha um dos dentes de leite da frente espreteado. Não me esqueço jamais de seu rosto. Eu brincava, chamando-o de "indiozinho". Natã tinha, de fato, as feições de um guri do mato. Cabelo cuia, negro azeviche do brabo, lisinho, escorrido.

Às vezes, sem aparente explicação, Natã corria em disparada, em direção ao meio da rua, pouco movimentada, como de todo bom interior, e ali se deitava, nos paralelepípedos quentes. Permanecia inerte, só os pulmões subindo e descendo, mudo. Gritavam: Natã, sai da rua! Eu ia até ele, o levantava, como se faz erguer um boneco, mas um boneco animado, serelepe, inexplicável. Um original. Não era meramente bonitinho e fofinho e atentadinho como praticamente todo o conjunto infantil do mundo. Sua própria consciência da saúde frágil, seu fenótipo destoante, e seus pais a maior parte do tempo ausentes, transformavam-no numa criança única. Se fosse já adulto, o tomariam logo de cara por louco, e sua exclusão do mundo dos normais não demoraria muito a vir.

Eu me encantava com o garoto. De verdade, como que diante dum objeto raro, exótico, e com o qual poderia aprender profundamente por anos. Ser tão diferente dos demais lhe caía como uma qualidade natural perante os meus olhos benévolos. Admito que ele talvez pouco pudesse entender dessa minha perspectiva. Não tenho notícias de como ele está hoje, mas desejo-lhe o mais fundo bem. Não o bem genérico que se deseja aos ignotos confrades humanos nas suas empreitadas do dia a dia, ou a má soante "Boa Sorte" que encomendamos a torto e à direita, sem refletirmos que isso soa mais como "Boa Morte" que qualquer outra coisa. É um sinal de que pouquíssimos leram O Apanhador dos Campos de Centeio, Sallinger. Jamais desejariam Boa Sorte novamente, ou não da mesma maneira casual como o fazem hoje, ontem, amanhã.

Natã me fez ver o mundo, reconheço após esses breves-longos anos sem vê-lo, a partir dum novo ponto de vista. Há em alguns um tesouro rutilante escondido sob uma opacidade normalizante. Sob a camada de poeira, reluz algum ouro, algumas vezes, em alguns. A opacidade d'alma dos fracos de espírito que subjuga os bem dotados deste mundo.

Após tê-lo conhecido, não, eu jamais acreditaria outra vez na baboseira de que todos nascem iguais, ou são iguais, ou em algum momento tornam-se iguais. Nem a morte iguala ninguém. A homogeneidade é a síntese da decadência do homem, uma bola de ferro que lhe esmaga e lhe tolhe o que nele há de melhor, o que dele distancia-se da mesmice deste mundo. Tudo isso ele me ensinou, em sua mudez habitual. Natã, você já viu o muro daquela casa? Era uma casa abandonada, ou melhor, um terreno abandonado, mas não baldio. Pelo contrário, era rico em bananeiras, que despontavam por sobre o muro, e uma ou duas mangueiras, verdejantes e folhosas. Dava mesmo vontade de ver se por detrás do alto muro se ocultava o jardim tupiniquim de um príncipe desleixado com suas posses terrenas, como que cansado da temporalidade escravizante e massacrante deste mundo.

Não. Foi a resposta do piá. Mas um "não" curioso, indagativo, reticente... Então vamos ver! Peguei-o pela mão, no pique atravessamos a rua e disse a ele: Confia em mim! Levantei seu corpo pesado com um pouco de esforço até ele alcançar com suas mãos o limiar do muro, e lá do alto ele tomou um impulso com os braços e manteve-se assim, olhando. Seus pés estavam suspensos sobre os meus ombros. Quietara. Quer descer? Ele assentiu com a cabeça, e desceu. Depois corremos desenfreadamente para cá e para lá na rua, e enfim quietamos. Ou antes, eu me quietei. Ele de costume já era quieto e não se revelava. Mas entrevi naquele instante uma luz de êxtase rebrilhando em seus olhos levados, e pude compreender em silêncio tomos de sabedoria.

O que ele havia visto, guardava-o para si como o maior presente do mundo. O presente de um Robin Hood, pois alguém, um estranho àquela terra, que por fim o pôde entender uma vez na vida. Ou ao menos alguém que a ele não procurou se impor, como soía acontecer. Aventura, loucura. O impossível tornara-se possível com uma mãozinha amiga, sincera, fato único na vida. O regozijo de seu interior inflava-lhe o peito, que chiava baixinho, em movimentos lépidos, e suas narinas espelhavam aquele movimento de trepidação de um júbilo, um entusiasmo fantástico. Cintilava em seu rostinho ajeitado de Macunaíma uma vivência que jamais se apagaria de sua memória. Poder ver o insondável, então, era uma possibilidade mais que teórica ou hipotética - era plenamente real! Aquele alto muro a delimitar fronteiras, o permitido do proibido, o passível e o não passível de ser visto, era - surpresa! - trespassável com o auxílio de alguém como ele, alguém que se sentisse um tanto perdido e restrito em um mundo moralista e conservador.

Não pode, menino, é feio! Deixara de existir na minha presença, que lhe complementou a unicidade de sua alma, cujo ritmo fluía numa velocidade destoante das dos demais. Natã, tantã, natã, tantã, na tã tan tã. A musicalidade de um coração que se conscientizou, de súbito, da importância irreprimível de se estar aqui nesta terra agora. E aos diabos com as fúteis conveniências. Deixe aos diabos os fracos, nós somos fortes, Natã. Teu nome ecoa. Tão fortes como as teimosas batidas do que há de mais caro em nosso peito. Tantã.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Haicai Insubmisso (XIII)

A morte: inexorável
Ficar velho: irreversível
Há o agora.