quarta-feira, 6 de julho de 2011

Despetalada Rosa

Minha nítida memória
Não retorna à minha infância
Não me traz a paz tão glória
De estreitar essa distância

Minha límpida memória
De todo o mal cometido
Não me esclarece a história
Dalgum bem ali contido

Não sou Proust, não recordo
Dos mais mínimos detalhes
Da idade em qu'eu acordo
E perdoo todos males

Não sou Jung, não sou gênio
Não me relembro hoje adulto
Cena por cena o proscênio
Quando o cérebro era inculto

Há em mim uma semente
Plantada entre pedras duras
Teimosa e resiliente
Erguida em negras agruras

Foi um milagre irrompido
Um sussurro no silêncio
Da Terra em guerra um gemido
Seca lágrima no lenço

O sorriso ofuscante
Dentre as trevas da tristeza
Rebrilhava o diamante
Uma prece ao céu acesa

Clareou-se a mente, a noite
Luziu-se inteira em clarão
A lua, em forma de foice,
Projetou-se alva no chão

A memória veio ao homem
Lúcida, clara, divina
E se os outros seres somem
Ela ainda os ilumina

Esquecer o mal passado
É negar o maior dom
Apartar-se do cuidado
De dizer o mau do bom

É negar-se ser humano
A via mais dolorosa
De eleger-se o vil tirano
E pisotear a rosa.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Ínvio Mar

Aceitar sua própria morte
Quem sequer a aceitou
Ver-se fraco, fora forte
Sua força fraquejou

Dolorosa nostalgia
Ver a luz se amaciando
Ao olho o que antes não via
Sem saber jamais o quando

Hoje lampeja e fulmina
A pálida e fosca luz
Nesta funda e escura mina
Onde o sol não mais reluz

Nos calabouços da alma
Na masmorra agonizante
Nada se agita ou se acalma
Ouço eu um só mesmo instante

Minha trilha ao Minotauro
Nesta senda apavorida
Reconstruo e restauro
Passo a passo minha vida

Não fosse este tênue fio
Fino, feio, quebradiço
Esticado no vazio
Deste meu real feitiço

Esta linha tão-só minha
Retilínea, tensa, inerte
Com meus bravos pés caminho
Quem sabe eu um dia acerte

Há saída ao labirinto?
... ou dá voltas sobre si...
Mas só eu sei o que eu sinto
E o que eu jamais senti

No infinito desafio
Posto à prova pelo fio
Pois não foi senão aqui
Onde o cérbero ladriu

Dédalo pranteia ainda
A vã queda do anjo alado
É a dor do pai infinda
Ver o filho morto ao lado

Custou caro a aventura
Da prisão se libertar
Foi sua ideia madura
Afogada no ínvio mar.