segunda-feira, 31 de maio de 2010

Qual nobre amor

Boa noite, cinderela
Um beijinho bem banguela
Pra ti, mia feia donzela

Bom dia, meiga feinha
Vou visitar a vizinha
Ela pede ajuda, auxílio
Roga socorro, ai qu'eu morro!

S'eu não for até ela
Se não for até lá
Ai qu'eu caio da sela
Se me pôr a amar

Minha adarga e minha lança
Estão prontas pra batalha
Salvar moças já me cansa
Nada há nisso que me valha

Balanceio na navalha
Galgo e corro sobr'a sela
Luto debaixo da malha
Do frio metal do cor delas

Feminilidade, onde?
A brincar de esconde-esconde
Uma grita, a outra urra
Sou sempr'eu quem leva a surra

Ser cavaleiro não paga
Ser bondoso hoje é chaga
Serei mau e cruel. Adeus!

domingo, 30 de maio de 2010

Haicai Insubmisso (IX)

Minha dádiva da vida
Minha diva, meu divã
Onde estás...?

sábado, 29 de maio de 2010

Poetar Poetisas Monalisas

Escreva a escrita escrava
Fale de flores felizes
Cujas cores e matizes
Resplandeçam como lava

Abrace o amor - a clava
Abandone a todos insones
Da população eslava
Bárbaros feitos de cones

E nós no nosso quadrado
Aparado, facetado
Angulado, quatro lados
Não perdidos, mal achados

Escreva a escrita escrava
O poema começava
A dizer da dor, do amor
Terminou em estertor

E a beleza própria à vida
Deificada, expandida
Deixa então de ser vivida
Ao rimar co'a dura lida

Escreva a escrita submissa
Rezada como uma missa
Posta no mais alto altar

Basta amar e jorrar juras
De amor sempiterno, lindo
Um péssimo gosto infindo

Sucedâneo instantâneo
E pegajoso acréscimo
Da real loucura

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Haicai Insubmisso (VIII)

Caixa, caixinha, caixão
Neste caso ser tão grande
Não é uma boa opção

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Senti nela

Vi certo dia uma moça
Cuja face disse assim
Olha nos olhos de mim
Olha-me bem quem eu sou

A moça se foi sem mais nada
Sem sequer uma outra mirada
Sumiu-se abençoada
Eu jamais a vi de novo

Enxergo às vezes a sombra
Da luz emanada por ela
O brusco clarão da vela
Quem terá sido a donzela

Quem terá sido, pois, ela
Uma ilusão senti nela
Sem nome me some a bela
Vertigem singela da vida

A mais bela cena esquecida
A amena sombra amiga
Me aliviou e deixou
Co'a alma ao meio partida

Posso implorar e chorar
Para alncançá-la onde está
Nela me vi - ela está aqui
Eu nunca na vida a perdi

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Haicai Insubmisso (VII)

Feiura não é ser feio
É não dizer eu te amo
Eu te odeio

terça-feira, 25 de maio de 2010

Irmandade d'alma

Os cacos de vidro no chão
O cacto espinhudo, irmão
Parecia brincadeira
Até a explosão - de estilhaços

Jorrando em pedaços
Destroços de laços
Fraternos de irmão

Bem maior que nosso sangue
Muito além de nossa raça
É a graça que nos une
E agora nos torna imunes

Às coisas más da boa vida

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Haicai Insubmisso (VI)

A melhor mulher, quem é?
A que pega na mão
E não pega no pé.

domingo, 23 de maio de 2010

Comboio bichado

Soca gente no metrô
Pilão na carne moída
Premida, prensada, cozida
Aperta mais, seu doutô

Segunda à sexta me esfrego
Corpos distantes, colados
O sábio olho faz-se cego
Não vê o vizinho calado

Não o vê, não se vê
De cima a tevê
Ciente emudece

Cresce o silêncio oneroso
No túnel infernal
No forno coletivo
O barulho me faz mal

O ruído ensurdecedor
Da mudez cativa
Da nudez coletiva
Ajuntados seres alheios

Metidos em devaneios
O que farão, onde estarão
Olhos no teto, pés no chão
Presos aos próprios anseios

Diário gosto da angústia
Na boca selada
Nos olhos vendados
Ouvidos tapados

Estão todos tapeados
No túnel-túmulo
Sozinhos em seu mundinho
Do fechado cadeado

sábado, 22 de maio de 2010

Haicai Insubmisso (V)

Um sorriso sincero
Imperfeito que seja
Sempre perfeito será.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

De boa

Eu sabia que um dia
Tudo iria se acabar
Quando choro de alegria
Estou rindo de pesar

Corre cotia
Na casa da tia
Corre cipó
Na casa da avó

A menina bonitinha
Cheirando coca em pó
A imagem do indiozinho
Balançando no cipó

Na rave o doce na boca
Pati e playboy vida louca
Bala solta na balada
Mo cidade alienada

Namorada é que nem roupa
Ó, sente só a pegada
Mina e mano dando sopa
O bagulho é da pesada

Se pá eu vô colá lá
Na real, ficá bem noia
Noite e dia - paranoia
Ei, maluco, eu vô surtá

Sacô, é nóis no pedaço
Nóis na fita, mano brown
Sê certinho é zoadaço
'Só curtindo a pegação

Cê qué coisa melhor, Joe?
Nóis na parada arrasando
Teus truta, teus irmão
Só cara sangue bom

Ô, chapa, tu não gostô?
Vai lá, pede pra saí
Eu não tô nem aí
Vai procurá tua galera
E vê se some daqui

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Haicai Insubmisso (IV)

Falta-me ar
E me falta tudo
Meu medo é mudo.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Haicai Insubmisso (III)

Acordo revolucionário
E durmo burguês
Minha imensa pequenez.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Saco Vazio

O deserto, decerto
Estava à espreita
O céu encoberto
Desd'onde o sol deita

Que sombras enormes
Que sombras disformes
O mundo conforme
A morta colheita

Desd'onde o sol dorme
Desd'onde ele some
Esconde-se a fome
Disforme, à espreita

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Gaiato Meneghetti

Sou o ladrão dos telhados
Juro! Você não sabia?
Salto de telha em telha -
E caio na calha vazia

Vocês podem me apanhar
Podem mesmo me bater
Não sou quem vai largar
O meu jeito de viver

Lá em cima no abandono
Encontro um mundo sem dono
Estrelas-guias, esguias
Astros sem rastros - sem sono

Você não vê o sentido?
Eu vejo o lampejo, amigo
Rastejo, estendido, e vejo:
Não desejo nem almejo

Somente vejo, enxergo
Olho, noto e observo
O negro-escuro dos cegos -
Servos a vida inteira

domingo, 16 de maio de 2010

Confessionário

Não é raiva o qu'eu tenho
Franzido o meu cenho
É meu medo do degredo
Por teu amor terreno

Correspondê-lo é loucura
Ignorá-lo, desrazão
O coração que o atura
Nega a si a salvação

Contesto as profecias
Da castidade santa
Nesta ébria travessia
Me transformo em sacripanta

Do celibato escolhido
Aos prazeres libertinos
Um passo curto miúdo
Ao graúdo desatino

sábado, 15 de maio de 2010

Vovô

O ar insiste em entrar
Pelas frestas em meu ser
Tão brusco invade o meu lar
E será mesmo você?

Uma senha proferida
Prenhe de significado
Ter mudado minha vida
Quando tudo era negado

Quando tudo era negado
Uma imagem se afirmou
Adeus sombras, adeus fado
O sorriso do vovô

Vovô, ficará comigo
Aquele amor tão fraterno
Teu terno jeito de amigo
Na mais gelidez do inverno

Minhas tão frias orelhas
Você aqueceu co'as mãos
Esse gesto se assemelha
A um amor entre irmãos

Desse gesto eu me nutri
Não quereria outra herança
Modelo maior de amor
Vossa crença na criança

Vossa crença na criança
No fundamento da vida
Onde a alma enfim descansa...
Doce memória esquecida

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Acolá

A água que banha os mortos
Não pode lavar os vivos
Não pode, não pode
E dessa água eu me esquivo

Até quando no entanto?
Bem te digo: mal eu sei...
E mia vida vou levando
Num fértil fair play

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Haicai Insubmisso (II)

Quero morrer. Mas já?
Quero ouvir ainda
O piar do carcará.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Um infinito olhar a penas

O uivo seria ruivo
Se tivesse coloração
O ruivo uivo vermelho
A voz carmim do leão

Encarnados vozerios
Delineando uma lâmina
Donde despontassem fios -
Filetes de sangue - drama

Dentre o rubro pegajoso
Tremeluziria a alma
Enlameada no grosso
Vazar sensabor da calma

E no rutilar do gume -
Cume da ponta afiada
O claro a piscar no negrume
A luzente mão da fada

Cujo sorriso indagasse
Um porquê jamais expresso
Lá - bem de onde o sol nasce
Esconde-se um véu espesso

Olvida-se um ser distante
Seus vagos ecos nos soam
Como sinos neste instante
Os tempos sem fim ecoam

terça-feira, 11 de maio de 2010

Formiguinhas

Era agora a garoa
Amanhã quem saberá
Era agora reza boa
Um céu propício ao amar

Amar, quiçá, as formigas
Em seu anseio pequeno
Suas minúsculas intrigas
Imiscuídas no feno

E o feno tão solto e livre
No paiol acumulado
Quem ali nas trevas vive
Junta as pontas do passado

Todas pontas pontiagudas
Das memórias fugidias
As formigas na labuta
Em sua breve travessia

No passo leve e entregue
Sob a nova luz do sol
Que mais um dia prossegue
Alegre, ao arrebol

terça-feira, 4 de maio de 2010

Amém a mim

Lembro ter um dia acreditado
Na leveza etérea
No sono tranquilo
Nos mistérios simples
Na bondade infinda

No edredom macio
Em dias de frio
Sob o qual me escondia
Vasta imensidão

Sorria por nada
Brincava com tudo
Gritava e esperneava
Jamais quedava mudo

Eu cria nas pessoas
Almas grandes e boas
Eram tão sabedoras
Nasciam professoras

Mas eis que vi a maldade
Todos sentiam saudade
Dos tempos de infância
Eu era criança

E não sabia

Mamãe, você também vai morrer?
E chorei
Lágrimas de verdade

Por que tudo muda tanto
E o mundo vira complexo
Onde antes tinha canto
E em tudo havia nexo

Dormir na casa do melhor amigo
Era o dia mais feliz da vida
E mia vida era infinita
Acreditava na vida
E ela em mim

Devolvam já minha infância
Minha noite eterna de sonhos
Dom Quixote e Sancho Pança
Lidos deitado na fronha

Cavaleiros de quem sonha
Com um mundo imaginado
Para quem não há vergonha
E os amigos são sagrados

Quero a ingenuidade
Simples, dos tempos roubados
Pelo tempo e sua maldade
De instituir pecados

Onde antes jamais houve
Ruindades de gente alheia
A matar meus pés de couve
Mia tenra hortinha de aveia

Eu era mau, mas sincero
E chorava de emoção
Ao contar meu lero-lero
Respingava o coração

Lacrimejava de dor
Que, hoje, eu prendo e seguro
Lábios premidos sem cor
Próprios de um homem maduro

Piá virou homem grande
Responsável, respeitado
Lágrimas de quando infante
Não o levam ao passado

Cunhatã virou mulher
O seu príncipe encantado
É de um mundo rosicler
E faz parte do passado

O sonhado já se foi
E nós fomos já também
Sonhadores do depois
Onde estavam todos bem