quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Uma Duna una

Ah, os bárbaros berberes
Sobre as dunas do deserto
Camelos postos em série
Onde o Sol está tão perto

E a água tão distante
Nesta areia angustiante
Lunáticos beduínos
Entoando loucos hinos

Dez dromedários sedentos
Cem homens sob o céu pleno
Marcham ao oásis rente
Em seu passo penitente

E não é em busca d'água
Em busca do conhecer
O que todos vêm a ser
Dentre o mar que nos deságua

Confluindo vida e morte
Neste signo do mais forte
Quem virá prevalecer
Quando o dia amanhecer

Azenegues alma entregues
Beduí beduim - sim!
O teu não jamais nos segue
Vive a vida a vida em mim

Nossa cáfila descansa
Tudo quanto a alma alcança
Nosso caravançará
Fica onde a alma está

Costa à costa, mar a mar
Seco o solo, fértil lar
Dromedários, meus rosários
Contas do sacro colar

Pingentes do meu pescoço
Aparando o suor grosso
Escorrendo em minhas veias
Quando a lua já vai cheia

Cheios n'alma estamos nós.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A vida, Ávida vida

A ávida vida em vós
O que dizer dela
Senão uma prece
Uma reza, uma vela

Por tudo o que podemos
Ser e não temos sido
O talento dado aos demos
Tolamente esquecido

A ávida vida em nós
O que dizer a ela
Senão um rogo sem pressa
Que jorre em meu peito em júbilo

Por tudo o qu'eu posso
Ser e não tenho sido
Minha saúde em meu sangue
Em meu sangue esvaído

Varrido ao vento invejoso
Meu espírito colosso
Já roído feito um osso
Feito um osso um tanto insosso

Feito, desfeito, refeito
Derruído e rarefeito.

sábado, 11 de setembro de 2010

Troia Destruída

Um ruído ao redor
Ruge tal qual um leão
Quem não tem medo da morte
Dentre o breu da escuridão

Uma fraca luz opaca
A cegar um homem são
Cujo mar põe-se em ressaca
Ladra amargo como um cão

Cão raivoso endiabrado
Gane em uivos seu rosnado
Trevas névoas maresia
Grita o homem por Maria

Tende piedade, santa!
Dai-me no frio tua manta
Este gelo me congela
Sou a besta sob a sela

A galgar o solo estéril
De um mundo sem mistérios
Parcamente iluminado
Iludido - contentado

E eu cá ensandecido
A buscar meu mar de Vigo
Neste chão malsão postiço
Mergulhado no feitiço

No terreno movediço
Torno sempre ao início
Deste meu fim fronteiriço
Em meu ser em si omisso

Rima-se, beira-se ao nada
Jaz minhalma desnudada
Me repito rumo ao nada
Nado n'água adocicada

De meu sonho ambicioso
De ser tudo sobre a Terra
Onde a guerra me desterra
E meu pranto é copioso.

***

Tive a inspiração de escrever este logo depois de ver o filme Vivendo no Limite (1999, dir. Martin Scorsese), e em seguida ler o pequeno - e impactante! - livro Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk (1865, trad. Paulo Bezerra), do ainda pouco conhecido escritor russo Nikolai Leskov (1831 - 1895).

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Proximidade Intangível

Perigosamente próximo
De ti - tão equidistante
De mim - neste uno instante
Já passado porque próximo

E quem sabe o que virá
Nesta terra tão batida
Mais pra lá do que pra cá
O ermitão em sua ermida

Quando prende o ar da vida
Tristemente engaiolada
Nesta livre esbaforida
De um corpo retesado

Ver c'os olhos a saída
Vagamente tateá-la
Em sua alma a voz amiga
Antevê a nobre sala

É sua vista incandescente
Labareda incinerante
Onde pousa a paz presente
Deste infinito instante.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Doído Doido

Doido doído varrido
Um ser em si incontido
Trêbado bêbado bebe
Dança pelado na neve

Doido doído varrido
Um todo desmilinguido
Esfomeado esfaimado
Canta consigo seu fado

Doidivanas ambulante
Andarilho das estepes
A paixão reverberante
Põe-o todo serelepe

Pois eis à frente o barranco
Eu enfim sem fim me lanço
Assim me entrego ao balanço
Do meu solto corpo ao ar

No meu solto corpo amar
Minhas pernas já sem chão
Assobia o samovar
Como um doce furacão

Espalhando-me os cabelos
Esquarteja-me de inteiro
Que me importa hoje tê-los
Se meu fim cerá certeiro...

domingo, 5 de setembro de 2010

Donde Esconde

Onde escondem-se os segredos
Meus e teus - medos de Deus
Pendem pêsames penedos
Tão pesados como os seus

Sempre importa estar sozinho
Nesta descontinuidade
A roer meus pergaminhos
Sob o signo da idade

Morre a fisicalidade
Morre tudo o que já fomos
Nasce a nossa mortandade
E morremos como os monos

Nada há nisto de infeliz
A não ser a velha ideia
De sermos cor, não matiz
No universo melopeia

Onde os sons eternidade
Desmentem nosso existir
Somos mais que vaidade?
Poderemos resistir?

sábado, 4 de setembro de 2010

Eu sou, Tu não és

Eu sou e estou à parte
Do mundano mundo meu
Extraterrestre de Marte
Onde esconde-se meu Deus

Cosmogonia agonia
Ver-me um bípede inconstante
Quando passam-se os dias
Nas volúpias flutuantes

Passam-se e não voltam mais
Meus momentos empurrados
A foto tirada ao cais
Num belo dia apagado

Em que consiste o passado?
Tenras memórias já trêmulas
Nossos carros rebocados
Sacrificadas azêmolas

Cada bicho compreende
O destino ao qual se prende
Sua vida e seu pulsar
E à terra o retornar

Já o ser humano, não.
Prefere pôr-se apartado
E em si ensimesmado
Rumo à só dissolução.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Sujar-se amar-se

Nós surgimos da sujeira
Nos sujamos com asneiras
E na nossa insurgência
Assopramos brincadeiras

Como as velas sobre o bolo
O sorriso de apagá-las
Tudo é riso, nada é choro
Prontas todas nossas malas

Crianças, onças criadas
Subindo alegres escadas
Um tropeço uma risada
Não foi nada - nada não

Um nadinha de arranhão
Beija, sopra, casa, sara
A menina de tiara
Em seu baita sorrisão

Nossas festas de infância
Nossas festas de criança
Corre, brinca, enche a pança
Sem vergonha de engordar

Sem vexame de babar
E completo se sujar
Respirar de novo o ar
Deste infinito mar.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Eu amo

Eu amo o humano
Odeio o oposto
Odeio o cano
Da arma no rosto

Eu amo estar vivo
Odeio o contrário
O ser que, cativo,
Recorre ao rosário

Das rezas terrenas
Dos rogos mundanos
As súplicas plenas
Do teor insano

Adoro este olhar
Volvido a mim
Sem nada esperar
Seu cheiro alecrim

Que sobe às narinas
E toma meu pulso
O ar de mia sina
Repuxo e expulso.