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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Incógnitos da Metrópole
São Paulo. 01-02-2009. 2h da madrugada.
Encontro-me em frente ao MASP, Museu de Arte de São Paulo. Senti essa vontade inexplicável de visitar São Paulo à noite. Desci na Sé e caminhei até chegar à Brigadeiro Luís Antônio e então à Paulista. E foi assim que, andando a esmo, deparei comigo mesmo em frente ao MASP. Poderia ter sido qualquer outro lugar, mas eis aqui o que eu chamo de coincidências da vida.
Esse sentimento que nutro, algo como um respeito pela Arte e sua capacidade de expressar o estranho e o sobrenatural. Aliás, não sou diferente de muitos - apenas mais um brasileiro, nascido nesta terra auriverde. Ao deambular por estas ruas apócrifas, lanço um desafio a mim mesmo - peitar a frialdade noturna que se antepõe ao medo morno que me assalta durante o dia.
Pergunta-me o que é medo morno. Só o posso descrever como uma agulha recém-cauterizada perfurando a pele do meu braço esquerdo, e eu sem saber o que virá depois dessa violação de minha liberdade. A noite vazia e gélida incute-me um temor. Que temor é este não sei. Talvez porque tenha andado por estas bandas durante o dia, e tenha cruzado com turbas e ruas apinhadas. A multidão de certa forma afasta o medo. Uma vez sozinho, já não tenho a ilusão de ter alguém por perto em caso de perigo. Estou só no mundo.
Essa sensação me picando por dentro. Sou livre (sou mesmo?), mas o pavor me atormenta vivo. Uma liberdade... assustada. Tenho-a em mim, mas não sei o quê, exatamente, fazer com ela. A autopiedade desfere um golpe repentino e logo clamo: "Sofredores! Sou um deles!" Quero algum sentimento de pertença, de amparo, de companhia. Já se foi a luz do dia. Agora é noite, e cada ladrilho pisado, uma penedia.
Estou premido, quiçá infeliz. Tenho medo e me angustio por tantas coisas simultâneas. Agora mesmo, este receio gritando desloucado em meu imo: estou amedrontado com a maldade alheia e de ser mais uma vítima ignota dela. Vejo, com os olhos da alma, que poucos têm o coração aberto ao perdão. Tenho medo de ser um deles, também. De não poder me autoperdoar, e não conseguir perdoar meu próximo.
Minha cabeça gira confusa. Clichês percorrem-na em disparada, sem me dar tempo de analisá-los com maior criticidade. "O Povo é um só". Este fica teimando em se gravar em minha memória. Não o quero, não o quero. Não é verdade. É somente mais uma frase de efeito, mais uma âncora do nacionalismo. E não, não quero fazer de minha mente e minha vida um ancoradouro para tamanhos disparates. Ser igual a todos é o mesmo que ser ninguém entre ninguéns. E se não há, absolutamente, ninguéns, essa oração de cunho ditatorial já não faz sentido algum. "Uma imensa diferença e variedade de culturas aglutinou-se para formar uma só massa: o povo brasileiro."
Isso também é inverídico! Que absurdo proclamar dessa maneira a formação multivariegada do povo brasileiro. "Uma só massa". Mais um chavão determinista. Massa de quê? Manobra, certamente. Para onde vira o timão do autocrata, vira também o leme do povo. Povo que passa fome, que mal a mal come, que vive assim-assim. Em choupanas ribeirinhas toscamente erigidas, em paliçadas sobre-rio, em aglomerações superpovoadas denominadas favelas ou sei-lá-mais-quê... Diz-que-diz-ques... tenho que parar com esse zumbido crescente em minha cabeça. "Uma só gente" remete à aculturação, à homogeneidade, à ruína da alteridade, da diversidade, multiuniversalidade e multidimensionalidade. Do caráter multitudinário do Real. "Um só povo", "Uma só massa" - lavagem cerebral! Ao infernos com Colombo, aos infernos, Cabral! Vocês destruíram o bem, para germinar o mal! Trouxeram civilização e uma religião monoteísta a quem nada havia pedido. A incorporação do poder centralizador em culturas silvícolas que viviam muito bem sem seus dogmas e suas imagens de certo e errado. E todas as mentiras que vieram lhes contar, para trapacear, estuprar e roubar!
Esta cidade metropolitana, este monumento à Arte que ora observo - armado em concreto e ferro. Erigido sobre o sangue dos nativos. Enterraram meu coração... na curva do rio.
Inspirado no original de: Edson Porfírio de Araújo, natural de Surubi, Pernambuco. Um transeunte noturno que fez questão de me fiar uma folha um-quarto amarrotada, com muitas idéias em poucas linhas. Remeta ao título se te interessar saber quem é Edson. Você pode ter cruzado com ele algum dia - e tal passagem não ter tido qualquer valor em tua vida. Agora, diga-me, em que mundo vivemos, que já não conhecemos o próximo? Quiçá temamos o que o estrangeiro tem a nos dizer sobre a nossa própria terra. São Paulo, selva de pedra, pólo econômico e da depressão, das baladas loucas e vã fruição. Eis... o que chamamos... "civilização".
P.S. (11/08/2010): Destruí os originais de Edson, na última limpeza do meu armário de "papeladas". Mas já está transcrito neste meio virtual, de qualquer forma. E é "Edson" sem acento, mesmo, conforme sua assinatura. Apesar da gramática normativa da língua portuguesa.
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