quinta-feira, 30 de abril de 2009

Takva - O Temor de um homem por Deus (2006)


Produção turca dirigida por Özer Kiziltan, Takva surpreende pela temática: Muharrem, o protagonista, homem de hábitos humildes e gestos modestos, temente a Alá, recebe uma promoção que fará com que ele lide com cobranças monetárias diariamente, e para essa função recebe um carro luxuoso, vestuário de ponta, e, por último, uma esposa.

Mas tudo gira em torno do protagonista timorato, com uma crença exacerbada em Alá, e talvez um celibato pouco voluntário. Tudo é feito sob os augúrios de um credo fechado, concêntrico, constritor. O filme vai mostrando como Muharrem vai se perdendo no meio do caminho, como as tentações o assombram, como os outros veem esse modo "monástico" do protagonista de viver em sociedade - quer dizer, o espectador verá que um monge não faz bom usufruto de tamanho luxo e disponibilidade - algo deve ser sacrificado para se manter a harmonia hermenêutica.

Para olhos atentos, o filme apresenta uma incisiva reflexão sobre o dinheiro e o poder nele incutido - basta assenhorear-se de uma quantia para assenhorear-se de algo mais significativo do que um mero papel imbuído de valor monetário. Dinheiro é poder, é coerção, é a mão que gira a engrenagem. E quando as engrenagens são outros seres humanos, não diferentes de nós, e somos nós quem retém o poder de girá-las?

O que fazer?

Este filme é ótimo em explorar o aspecto psicológico pelo qual passa uma pessoa nestas condições. Não é à toa que Erkan Can, ator que interpreta Muharrem, tenha recebido o prêmio de melhor ator no Festival de Filmes de Instambul. É realmente fantástico como ele representa com convicção um papel particularmente difícil.

Será, como foi

Foi uma tal mistura de línguas
Quando sonhei contigo

A luz eclodia, nalguma fissura
Sei disso, mais nada

Choraste tão bela, dona da vida
Singela, impávida, sincera, amiga

Amaste-me e eu te amei
Deste-me a mão qu'eu dei

Amaste-me como a um rei
Sentada, nem lúbrica nem
Mortal

Eras o signo de Eva, livre do mal
Tamanha liberdade, não vi igual

Livre e leve foi o amor
Aliviaste teu pranto
Nos ombros dum desconhecido
Pleno transporte público

Leva como presente o agasalho!

Ó, amor liberto!
Jamais podarei tuas asas!

***

Sonho qu'eu tive em 30/04, uma quinta-feira. Fora dormir pouco depois de meu retorno ao lar da faculdade, deitei-me e logo adormeci pouco após as 3h da manhã. O sonho levou um tempo incomensurável - sempre esta, aliás, a magia do sonho. Imerso em seus detalhes e envolto pela totalidade, não pude deixar de amar. Eram 6h e pouco da manhã quando descerrei meus olhos, já com os 4 primeiros versos brancos determinados. Recordar de cada minúcia amorosa, unicamente gestual, que transcorreu - meus olhos procurando os teus, mareados de lágrimas, depois os teus, retendo o meu olhar de forma bela que jamais igualada noutra circunstância "real", "vivida". Refuto tal tese. Eu vivi contigo - sim, breves momentos, mas intensos olhares, correspondência de toques de mão, os afagos reconfortantes no teu braço esquerdo. Rememorar precisamente ofuscaria o brilho da multiplicidade de valores que eu interpretei naqueles momentos mágicos, estendidos, naquele trajeto do ônibus, que alcançou tua destinação no instante exato em que tu recobraste tua consciência e força como mulher. Não, nós homens somos fracos, mas o ato de reconfortar-te valeu-me a força. Tão completo foi o sonho - simples e uno tal qual postulado por Horácio, em sua Arte Poética - que me vi (no próprio sonho) escrevendo em inglês, em memória a ti, num papel envelhecido, amarelado, doutrora: She loved me. Não havia nada de pretensioso nessa exposição concisa - sei que me amaste, sei que te amei (isto não basta? A mim, sim). Daí a veracidade da citação do Ars Poetica. Antes de desfechar meus olhos, escutei um pedido etéreo de desculpas, audível por ninguém mais: Perdão por fazer-te abrir os olhos, estando a luz da cozinha acesa. Perdoei-te ainda antes de abri-los. Verdade: meus pais estavam na cozinha, fazendo sua refeição matutina antes de seguirem para o trabalho. Vazava luz no quarto. Eu acordei. Transcrevi. Te amei.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Saiba, pois

Qual é minha jaça...
Ser humano
Qual é minha raça...
Ser humano

Quem sou eu?



Sim, você pediu sinceridade da minha parte, e eu fui terrivelmente sincero. Mas o fato é que eu não pedi em hora alguma semelhante sinceridade de volta, me compreende? Se eu fui fraco o suficiente para corresponder à sua sádica vontade, eu não esperava de maneira alguma que você me fustigasse com palavras, arrancando-me o pêlo e a razão.

Fosse uma obra romanesca, eu estaria, deveras, infinitamente agradecido. Ma é, no entanto, a álgida realidade que me vem bater à porta. Não, não se espera de um mortal humano levar açoitadas em lugares públicos, ou que fossem privados. Pois ser tratado como um cão não me apetece - nem a Diógenes! -, como não apeteceria - disto estou certo - a nenhum confrade meu humano.

Uma vez que com seu chicote você vergastou minha humanidade, seria muito de você exigir um tratamento que lhe coubesse. Largo de lado, e passo muitíssimo bem, sem qualquer empreendimento vingativo. Saiba que Gandhi, com quem jamais falei, ensinou-me a não-violência. E é agora que me volvo às escritas desse mestre para reencontrar minha alma. Você me destruiu - e só me resta reedificar o espírito.

Hei de procurar no Novo Testamento e no Corão, em Gandhi e Paramahansa Yogananda, toda a auto-dignidade que tuas palavras venenosas e coleantes me surripiaram. Hei de invocar a homérica Odisseia e a mítica Ilíada em busca de mim mesmo e nada mais. É demais querer saber o mundo sem compreender minimamente, de modo sadio, a minha própria solidão.

Não posso te julgar. Jesus, seja ele quem tenha sido, legou-me as sábias palavras: "Não julgueis e não sereis julgados" (Jo 11,45-56). Que atire a primeira pedra quem nunca julgou o próximo, pois eu não serei virtuoso a ponto de arremessar pedregulho algum. Só não quero mais julgar. Só. E é o bastante para uma vida inteira de auto-observação rigorosa e imparcial. Eu peço imparcialidade de mim mesmo, e sei o quão anátema eu me torno dentro duma sociedade mesquinha, auto-gratificante, auto-compassiva, vil.

Os meus valores são diversos dos seus. Eu li A História do Olho, de Georges Bataille, com 16 anos, e senti-me profundamente enojado. Você redarguiu que eu era imaturo. Forço-me a discordar: eu era, pelo contrário, maturo o suficiente para compreender a torpeza dum mundo orquestrado pelo orgasmo do sexo como forma ulterior de auto-gratificação. Me dá ânsia saber que o ser humano lê jornais para poder fornicar de consciência limpa e imperturbada - não houvesse o pré-requisito à guisa de intelectualidade, seria até pecaminoso morder a maçã de Eva.

Você me diz que amor e sexo para você são coisas distintas. Pois são - e eu escolho sem um piscar de olhos o amor. O amor é a luz, que é o conhecimento. O conhecimento é a luz, que dá vazão ao amor. O mundo não pede sexo, minha alma não pede sexo. Minha alma pede antes amizade e aventura, e eu prefiro morrer um gladiador celibatário. Perceval. Não me torno mais útil a ninguém com sexo - menos ainda a mim mesmo.

Uma vida regrada pelo prazer é uma vida inescapavelmente fatal. Jesus só é símbolo do divino e do esotérico porque se absteve de determinados hábitos tão demasiadamente agradáveis a seus conterrâneos. E só ascendeu aos céus, que quer que sejam os céus, mas estes nunca deixarão de significar algo mais etéreo, em virtude de sua auto-abnegação, castidade e pureza de alma. Ele pôde, ele quis, ele soube, e sentiu em si o dever. Madre Teresa e Mohandas Gandhi depreenderam muito de seus ensinamentos, possivelmente mais do que 94% da população atual deste mundo. A cifra não é exacerbada - nos 6% eu já excluí toda a população estimada de psicopatas, porque é preciso ter ao menos alma para sacrificar os prazeres do corpo.

Esqueço-me que você nada sabe do sufismo. Pois é, só então você compreenderia que eu não estou falando de valores exclusivamente cristãos, católicos, evangélicos, como lhe soer denominar. Estou a falar de uma tradição de celibato e procura da alma que delineia todas as religiões em sua origem. O celibato como coroamento da virtude e da busca pelo Graal. Sim, todos os nobres cavaleiros do Graal são castos e não abrem mão de atitude sacra perante tudo e todos. É a cabeça de cima que sempre me aconselhou em tempos de tormentas. A de baixo só me trouxe problemas. Lancelot não pôde alcançar o Graal, Guinevere era sua deusa, e sua perdição.

Eu sou homem - meramente homem - mas antes ser humano. E, nesta condição, resta-me desembainhar o gládio, em prol de minha ulterior liberdade - gerir o meu corpo e renegar o que é torpe em mim, pois eu quebro o liame terreno, para fortalecer o elo sagrado. Não vou ignorar os iôgues, faquires, monges e monjas que precederam esta minha breve reincidência à Terra.

A verdade há de doer, e nossos laços hão de quebrantar. Se o corpo é o receptáculo da alma, hei de transformá-lo em veículo e veiculação, minha vida, sobriedade e solidão. A busca é infinita, o corpo não. Eu honro o eterno, e vivo em júbilo.

Não haveria de ser diferente
Eis a trilha que me cabe
Sigo eu peito valente
Só age, pois, quem sabe

Ágil, só a alma
Fora ela, tudo é morto.

Catar-se

Cordial pardal
Adeja assim
Tuas asas pra mim
Est'última ilusão

Pr'eu não partir em vão
...
Larguei o fardo amargo
Comigo, amigo
Eclode a esperança

Voo leve
Vida breve
E o vento a ruflar

Ar

ar

Etéreo AreAr...

Usura

Envidarei esforço suficiente
Para permanecer penitente
Não era mera miragem
Vi minha vida e minh'imagem

Esconsa senda sinuosa
Torto espectro a gritar
A vida morta e a Rosa
Pelejando em meu lugar

Néscio nasço e morro
Fluo, inflo - vou
Não há socorro
Nem derradeiro gol

USURA

domingo, 26 de abril de 2009

Lauren Bacall, por favor

Tendo em vista as medidas draconianas ora em prática, este artigo de João Pereira Coutinho merece veiculação. Originalmente em: [clique aqui]

***

(10.01.2005)

Lauren Bacall, por favor


Conheço pessoas que não fumam. E conheço pessoas que não fumam e não querem que os outros fumem. As primeiras são infelizes. As segundas são miseráveis. Miseráveis mas realizadas: no mundo moderno, não fumar é marca de saúde física, mental --e, atenção, gente, moral também. Basta ver as medidas sanitárias que a Europa pretende aplicar. A curto prazo, os pacotes de cigarros dos europeus terão imagens-choque para afastar fumantes ativos ou passivos, presentes ou futuros. Como no Brasil. Mas pior, muito pior que o Brasil: corpos mutilados pelo câncer, cadáveres putrefatos. E, claro, a imagem triste de um pênis triste, precocemente arruinado. A idéia não é prevenir. Os fanáticos querem mais: querem humilhar o fumante, enfiar o fumante numa jaula de circo e dizer: "Olhem só como é decadente! Olhem só como é impotente!" Hitler não faria melhor.

Exagero? Longe disso. Robert Proctor, que as patrulhas higiênicas deviam ler, explicou tudo em The Nazi War on Cancer (Princeton University Press, 379 pp.). A leitura de Proctor é arrepiante mas a tese é magistral: as campanhas antitabagistas do mundo moderno nasceram na Alemanha das décadas de 1930 e 1940. Nasceram com a preocupação nazi em combater o vício e, óbvio, humilhar publicamente os viciosos. Humilhar consumidores de morfina. Cocaína. Coca-Cola. E enfiar os fumantes no gueto da vergonha social. Quando Hitler chegou ao poder em 1933, o tabaco era reconhecido como semente do mal. Causa de tudo.

Infertilidade. Impotência. Câncer. Enfarte. Comunismo. Uma ameaça direta à pureza da raça ariana e sua excelência física e mental. O próprio Adolfo se empenhou pessoalmente no caso. Ele não fumava. Ele gostava de dizer que não fumava. Nem ele, nem Mussolini, nem Franco --tudo boa gente. Pelo contrário: Churchill e Roosevelt eram conhecidos fumantes, exemplos de ruína pessoal e moral. A evitar.

Falou e disse: a partir de 1933, as campanhas estavam nas ruas. Gigantescas imagens onde o fumante típico era tratado como débil sem dignidade ou vergonha (tradução: um judeu manipulador que introduzira o cigarro na Alemanha para exterminar o povo nativo). Ninguém escapou. As donzelas viciosas eram pintadas em pose masculina, a versão clássica da 'mulher com barba', fenômeno de circo para horrorizar a burguesia. E homens fumantes eram seres sexualmente arruinados, com traços femininos, lânguidos, tristemente adocicados. O tabaco surgia em sagrada aliança com tudo que era condenável. Jazz. Swing. Álcool. Jogo. Cupidez. Devassidão. Orgia.

Azar: seis anos depois, os alemães estavam fumando a dobrar. Em 1933, o alemão médio fumava 570 cigarros por ano. Em 1939, antes da Segunda Guerra, fumava 900. Proctor avança razões. Todas elas sublinham o essencial: fruto proibido é mais apetecido. Histórica clássica. Bíblica. Razão de nossos prazeres e nossas desgraças. Ninguém deixa de fumar por causa do fanatismo de terceiros. Pior: o fanatismo de terceiros acaba por ser inútil --e até contraproducente. Conheço gente que não fumava -- e começou só por rebeldia. O velho spleen de que falava Baudelaire. Existe nos seres humanos um mecanismo de destruição que é preciso compreender, aceitar e tolerar. Se o mundo fosse feito de anjos, etc e tal.

Fumar faz mal. Mas também faz bem: as pessoas que fumam são mais tolerantes, mais calmas, mais interessantes. E invulgarmente mais pecaminosas. Uma mulher é uma mulher. Uma mulher que fuma é uma mulher que arrasa. Por isso proponho: todos os pacotes de cigarros deviam ter duas imagens. De um lado, o pênis caído. Do outro, Lauren Bacall chupando um Marlboro clássico. De um lado, pulmões enfiados em sujeira. Do outro, o rosto de Bacall enfiado em fumaça.

Fazemos assim: vocês ficam com o pênis, eu fico com Lauren.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Jihad Now

Eu sou tudo
Tudo - Menos
Mim mesmo
Eu rio a esmo

Sou ora isto
Ora Aquilo
Edifico (e)
Aniquilo

Eu rio
Eu ruo
E roo
As entranhas do mundo
Um ser visceral
Água batizando
A secura do cal.

A mãe que ama
O pai que adora
O ontem, o agora
As flores do mal

Um Baudelaire
Qual ninguém mais
Quer ler

A louca que à noite
Zurra
Berra
E não dorme

A sede de vida
O sexo da fome

Intelectual
Sem pince-nez
Dependurado no nariz
Sem chibuque na boca
Como matiz

Sou a folha e o ar
Um constante pesar
Pesar

Pesar

Pesar

E o que hei de mudar
Se eu sou o mundo
E o mundo sou eu
Eu quem roubou
O fogo dos céus
Orgulhoso
Mítico
Prometeu

Juro não-arrependimento!
Trouxe a luz do firmamento
Simbolizo o Homem:
Frágil, débil, flébil

Mas punhos em riste
Ante ciclópicos tiranos
Ó, formidáveis inimigos de antanho...!

Prometeu Acorrentado - Jacob Jordaens [1593 - 1678] - 1640, Colônia

Inane

In dolore, sinto il cuore.

Incuriosa maldade
Corria em meu ser
Quedava-me quieto,
Quase a morrer.

Pensava sozinho
No longo caminho
No pão e no vinho
Talvez em Jesus

Quiçá na Aurora
No ir-me embora
Na fauna, na flora
Resíduo da essência,
Essência de mim.

"Não penses assim"

Teimoso eu era
Segui, pois, pensando:
- Era da Ilusão!
Eu sonho acordado,
Odeio amando.

Sou ser humano
E vivo em bando
Meu Deus é insano
Hei-o pilhando

Hei-o ali

Espectador

No ermo
Seus olhos
São alvos
E frios

Mudo eu sigo
Em vãos calafrios
Mias mãos um castigo
Nada posso

Por estes rios...

Vês a chama à frente?
É o futuro que passa tão rente
É a alma que sabe descrente
São pessoas assim como nós

Buscam e logram a sós
Na alma e na mente
Seu rumo avante
Parecem paradas,
Mas seguem adiante.

São a luz da estrada
A flor radiante
Guardai o momento -
Guardai o levante!

Mandala Rábica

Amaldiçoo meio mundo
Fria face rabicunda
Fúria dentro, fúria a fundo
Lá vem a louca-emotiva

Jogando todos homens
Fora dos teus trilhos
Mancebos imberbes
Com carro ou sem -
Não queres nada,
Nem ninguém.

Louca emotiva

Grita
(vai)
Grita
(vai)
Esfumaça

Esperneia tua chegada,
Diga-se mal amada,
Mal-entendida,
Experiente de vida
Acentua de novo a
Diferença etária -
Como eu gosto tanto disso...

Refuto novamente
Pôr meus pés
Na ferrugem
Condoída
Da tua linha
Férrea

loucaemotiva!

agora que a mandala
está pronta, eis meu
círculo rábico
intrespassável,
e,
comigo,
minha risada.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Asura, a Deusa das Intrigas (Yoshimitsu Morita, 2003)


Fui conferir a Mostra de filmes japoneses no Centro Cultural São Paulo, e o que era pra ser o primeiro de muitos, tornou-se o primeiro e último filme que consegui assistir. Sem remorsos - peguei um que me agradou suficientemente para dispensar dorzinhas de cabeça por uma ânsia - demasiada - humana de querer tudo.

Faz doze dias que vi Asura - A Deusa das Intrigas (Ashura no gotoku), algo bastante inusual para mim, que após assistir já corro e me debruço sobre o teclado ou sobre o caderno, em busca dos pensamentos que irromperam encadeados no decorrer do filme. Um detalhe que me surpreendeu bastante foi o suporte do filme, que exigiu duas trocas, isto é, não era digital, mas 16mm.. É interessante uma parada obrigatória para troca de rolo, porque Asura é um longo filme - 135 min. - e eu sou um bom apreciador de intermezzos, para esticar, relaxar, e poder refletir melhor sobre o que se passa defronte meus olhos e em derredor dos meus ouvidos. Enfim, dispenso produções que não vou nominar e que só visam a venda, ação desenfreada e estúpida sucessão de diálogos, estupidificante o resultado, estupidificada a platéia. Largo mão desses filmes brochantes para quem aprecia mais do que um coração batendo rápido e um cérebro vazio.

Asura é um relato candente sobre os efeitos da infidelidade numa família, esta, em particular, composta por quatro filhas, todas experientes no desamor. A mais nova é traída e fecha os olhos, pois ama sem barreiras e prefere olvidar o testemunho e expulsar a outra antes de maiores desavenças. A segunda mais nova é extremamente recatada, algo recendente à imagem nipônica tão depreciativamente generalizada, e apaixona-se por um tipo engraçado, amoroso, bastante singular. A terceira tem relações com um homem casado, o que é um ultraje para as demais irmãs, exatamente por elas terem estado no papel da esposa desprezada. A quarta é, para mim, o caso mais curioso: o espectador (que se julga) esperto, terá certeza de que ela é traída, mas nada, absolutamente nada, denotará tal precisão no julgamento, apesar de todos os dedos apontarem para aquilo.

E é claro, tais detalhes não interferirão em nada. Na verdade, as surpresas do filme são completamente outras, e as traições vão sendo relegadas ao plano de fundo, sendo substituídas, belamente, pela catarse. O expurgar do vil pensamento, do mal-querer, da maledicência que se forma cristalina no interior, e tão auto-destrutiva. Perdoar? É possível? Mas até que ponto abrange o perdão? O quanto podemos suportar, o que se pode, de fato, perdoar?

A um nível profundamente pessoal, tais perguntas são a chave para compreender o filme em sua eloquência, moldado pela cultura japonesa, tão distinta em diversos pontos. O que me emocionou foi a proximidade que as filhas mantêm com a mãe, reunindo-se periodicamente para o preparo de um prato gastronômico envolvendo a acelga (não me lembro o que era). E vendo-as todas unidas, ali, naquela comunhão, naquele trabalho em equipe, familiar, compassado, harmonioso, fiquei absorto pelo o que meus olhos, talvez algo além deles, capturaram: o amor, o conhecimento mútuo, conversas que são a pedra de toque para unificar indivíduos consanguíneos. Não basta o "mesmo sangue" correr nas veias, é preciso deveras mais! E foi uma cena no mínimo admirável, porque eu não poderia ter visto quatro irmãs mais diferentes em sua rotina, em seu modo de ver o mundo, em seu agir com o mundo.

Haha... é um filme que embasbaca! De verdade, o diretor reuniu um fortíssimo drama à comicidade, mas de uma forma tão viva, tão verossímil, que nem desconfiar eu pude. Está ali - a ambiguidade humana, as dissenções injustificadas, as rixas intrafamiliares, a aceitação dolorida de um fato amargoso, o desespero, o ódio, a perda do ente mais querido por nós. E de repente uma brincadeira naquele momento de derramar lágrimas faz-nos rir - apesar de tudo, apesar de todos.

É um filme dotado do que eu chamaria de singularidade dramática. Jamais poderei assistir a todos os filmes do mundo, nem ler todos os livros, nem ver todas as peças, nem ir a todas as mostras e exibições e exposições, nem conhecer todas as línguas, nem visitar todos os países (somente o último estritamente por questões financeiras). É melhor deixar isto de antemão muito claro e bem exposto.

Mas o que eu nomearia 'singularidade dramática'?

Bem, é um filme que foge aos padrões, por retratar uma determinada realidade dramática sem precisar recorrer às expectativas da platéia, da claque, daquela que tão avidamente aplaude como depreda. A tão temida turba. Foge também ao padrão americano ou europeu, o primeiro ainda mais dominante, nos aspectos de encadeamento de fatos e composição da tessitura da trama. Prescinde de encaixes firmes, imóveis, intransigentes, entre o bem e o mal - põe de lado essa visão mazdaísta do mundo - tão servilmente abraçada na "Guerra Contra o Terror", na política Bush-Obama, nos personagens fúteis de telenovelas, tão pobres e irreais, por serem ora o ideal da virtude, ora o epíteto da maldade.

Mundo nosso composto por meio-termos. Os pícaros são aberrações...

É um filme pitoresco, digno, uma pincelada pungente sobre a vida pós-crises, pós-depressões, pós-desilusões, colorido pela ótica japonesa, apreciadamente sábia em sua tradição meditativa - e em matérias de amor... haahaha...

Leia James Clavell, Xógum, e você verá porquê...

Conhece a mulher do tapa na pantera? "Fumo um, tomo um chá"?

Pois te direi minha política vivencial, extremamente enriquecedora: leio um livro, assisto a um filme, e vice-versa. Porque além de um bibliófilo, eu sou um cinéfilo. No que tange a bons filmes, a produção poética não se afasta, nem se sobrepõe. Algumas películas são poesia, pura poesia, anáforas, metáforas, cadência, ritmo, flashbacks, o círculo hermenêutico se perfazendo e fazendo-se perfeito. Vários pipocam na minha mente neste momento, porque é verdade - assim como tem livros que eu não leio nem lerei, tem filmes que se enquadram imediatamente nessa categoria, e há tanto por ser lido e por ser visto que verdadeiramente me interessa, que não há tempo para arrependimentos pueris.

Há a vida, e ela é bonita, sim.

Veja o que fiz com Spartacus (Stanley Kubrick, 1960), mais de um ano após tê-lo visto. É o inconsciente, fornecendo a lenha até que o consciente enxergue a necessidade de queimá-la e infundar-nos na abundância de seus vapores e de seu calor embrionário.

Haja. Fico por cá. E não deixe de bater o olho em Spartacus, filme que engendrou O Gladiador (Ridley Scott, 2000) - a temática é evidentemente a mesma. O povo reprimido, uma hora desperta - e os tiranos veem sua vez enfim chegada.

Eu sei que não reproduziria nada igual, caso perdesse o original... em particular a estrofe final.

Arca Russa (2002)



Senhor...
Senhor...
Que pena que não está aqui comigo.
Você entenderia tudo!
Olhe...
O mar cerca tudo.
Estamos destinados a navegar para sempre...
A viver para sempre.

(
monólogo final)

Um filme sem cortes, já imaginou? Pois Arca Russa, outra criação genial de Alexander Sokúrov (vide A Voz Solitária do Homem), teve a magnanimidade de registrar cena após cena, num desdobrar natural, sem percalços, fluido. Com cerca de 2000 extras (pessoas que não figuram como protagonistas), 3 orquestras e 33 salas percorridas, aliados a um trabalho inimitável dos atores principais, figura como um filme que desvenda os meandros não só do Hermitage, o colossal museu russo retratado, mas de trezentos anos de história eslava: dos czares, da corte e das danças, à irresistível ambiância, tudo reunido numa tomada de 97 min. - que não se faz sentir, deve-se dizer, em ponto algum do filme.

Sergei Dreiden, o marquês de Custine, parece dialogar diretamente conosco, isto é, ao referir-se a um homem postado detrás da câmera, que não se mostra em momento algum e muitas vezes responde coisas compatíveis com nossos próprios pensamentos, na posição de espectadores. Desvelar os bastidores de um museu é instigante, fico pensando, após assistir com maravilhamento e estupefação a essa obra única de Sokúrov.

Também em
A Voz Solitária do Homem (1987), o diretor russo nos apresenta um modo bastante similar de registrar suas personagens, às vezes dando-nos a impressão de nos encontrarmos em um sonho, um sonho tangível, porém inalienável da dura realidade retratada. Digo 'retratada', porque ambos os filmes se distinguem e destacam exatamente pelo caráter fotográfico da filmagem, com certos diálogos e takes preservando-se de maneira quase autônoma na memória de quem vê com atenção.

É mágico quando me deparo com filmes russos tais
A Voz Solitária do Homem, Arca Russa e O Sol Enganador (dir.: Nikita Mikhalkov) e me apercebo da correlação poética que eles mantém com a produção literária desse povo. Trazem ressabores de Dostoiévski, Gógol, Górki, Tolstói, Tchekhóv e Pasternák - sem nada dizer de Púchkin, Turguêniev, Bábel e Marina Tsvetáieva, dos quais ainda não li nada. (...Anna Akhmatova, Blok, Iessenine, Maiakóvski... a lista é imensa!)

A vida
Tal a brisa
Breve
Leve

...

Arroubo poético

Furor, transbordo,
Amor, desacordo

Ciclo hermético.

Eutanásia

Orvalho da lareira
Qual me olha sobranceira
Deixa-me em paz
E retorna à amoreira

Ave altaneira
Vem, descende repentina
Transforma-me em alma
E minh'alma em vida

Chama crepitante
Já não arde como dantes
Minha vida doravante
Terá perdido seus instantes

Restante:
A memória dos teus olhos
Eternos sobre a boca fugidia

Põe-te ainda a rir, a rir, a rir...

Já não tem mais jeito:
Hei de partir! -
Não sem antes ter

...

Perdão, eu nada fiz pelo Mundo!

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Vira Curupira

Vira curupira, vira
Tira e põe do céu
A língua freia
E o réu, pois fala:

Virei curupira, vira virou
Ali na fogueira, onde Macu topou
Quebrou o dedão, levantou em sorriso
Deitou a correr, no rio, com frio, assim...
Vazio.

Sou curupira, lá onde o mundo gira
Ando apalermado, assim diferente
Topo com todos e todos me olham
Sem sequer me ver de novo...
Não dão o trabalho de olhar para trás...

Zás, trás!
Nem bem morto está o abismo
Da memória
Fugaz e inglória
Memória
Falsificação da história

Sou o curupira, minha alma vira vira
Sou o curupira, lá na curva da floresta
Onde homem algum fez gesta
Onde homem algum pisou,
Falou, bradou
Onde homem algum
Pôde amaldiçoar

O sagrado.
Sou o curupira,
O do pé virado.
Sou o curupira

Toma, pois, cuidado.

Dantes, D'agora

Após passar uma magnífica tarde com belas musas e meu irmão, num suspiro de alegria, canto e libação. Quero mais é a vida, crua e despida. Quero mais são vocês, meus amigos, meus piguaras, minha vez.

Then Beauty came, undesguised...

Quem sabe eu não ame
Quem sabe me engane
Quem sabe se eu amo
Quão grande engano

Quem sabe eu esteja
Vivendo em sonho
Quem sabe em sonho
Mais vivo eu seja

Quem sabe de olhos
Fechados eu veja
A chuva molhada
A mão que almeja

Os olhos cerrados
O cor que enseja
O amor ser amado
Sem vã realeza

Tão breve é a vida
E imensa a beleza
Amar ser amado
Onde quer qu'eu esteja.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Being Bricks and Layers

There is pain and separation
Till our final destination

Couldn't possibly blame
A divine name
For the things I disdain'd

The choice is up
Fate is down
I call it Magic
But still am I a pawn.

You may look up
You make look down
But you're yourself
And you're a pawn.

I have the power to dream Awake
At stake what you [un]properly deem
Mean, to be Right or Wrong
For I traverse the Throng

I am endowed to dream my
Self
Thus create
A
New.

Lo ost?

Much I thought
Just as so I could forget
Living... am I?

Hoy!

Anchor'd to Heaven
Thus bound to Earth

I am a survivor
Thus I desert.

Precipice - As I fell, felled, wasted and wounded

I breathed
Inhaled and exhaled
The air, the balm
Your soul drew Inwards

I was fast and bound to your nudity
And ever more
You depicted
So precisely

Intimacy, I hope
Is not a crime
For which I've got
No excuse

To call you a Muse
As I endlessly peruse
The depths and debts
Of my Imagination

Procrastination

Your glare
And glance
Long I stare
Your single dance

Can't see no Aim...


But if You're there -
I'll attain.

Untitled, though Entitled... to You

The door kept ajar
Two bodies caressed and tugged in War
I know your heart was sore
Things you couldn't cure by lore
Nor... by a man... who Your
Figure does adore

Regardless,
Regardless...
Regardless of.

Oh, my dear
How far was I near?

. .


Oh

.

My

.

Dear


. .

Bare I stood As Bare Thou Remembrest

Naked eyes Unveiled dreams
I ask myself what that means
But then again those invisible dreams
I ask myself Is Reality as it seems
But once again my Naked eyes
Utterly fail in Un-Masking
My Unconscious unveiled dreams

You told me
I heard not
Do you love me
... geez! call that a shot!

The door kept open
Both our eyes boldly closed
And our unique embrace
Revealed and Disclosed
Those very things
Our vivid Vision
Is not supposed to see

Joy, that was glee!


Thus I was nigh to Thee.

Just Amazing

Yep, Cohen, everybody knows

Time heals everything
didn't you know?
The only exceptions known
Are: Famine, War,
Violence, Tyranny
In Power, Rape,
Mass kilings,
Psycopathy, Ignorance,
Bloodshed, Endless
Childhood Beatings
And Trauma

Apart from those, yeah,
Time doesn't heal itself.

Quite few exceptions, disregarding
All the unmentioned.

Oh, there's no possible way
You couldn't agree with me:
Time is a wonderful contruct,
And physicality a Bless...
as we wallow and... whew! ... wallow
in rightful Sex and Mess

GOD WHAT A BLESS

(never mind the darkness)

terça-feira, 7 de abril de 2009

...

Da fama à lama
Do espaço ao traço
Do amor à dor
Não são tênues passos
E singelas distinções?

Quem sabe um poeta do futuro
Una som e sentido
Significante e significado
Sem ser ele mal-amante
Sem ser ele mal-amado

Quem sabe o poeta do futuro
Elucubre a vida e o pensar
Sem sofrer ele mesmo mal-estar

Quem sabe ao poeta do futuro
Não lhe caiba apenas o monturo

Quem sabe o futuro?
Que sabem os poetas...?
Foi perpassando o muro
Que alcançaram suas metas...

Pandora trouxe
Pandora levou
Pandora, Pandora...



O que nos restou ?

Ei, cunhã!

Minha criança dança
Ensimesmada lança
O objeto em derredor
Isto é amor
Isto é infância
O indomável se amansa
Cresce adulto nutre ânsia
Nunca encurta a distância
Dos idos tempos de criança...

Ingênua, ali, ela balança
Pode cair, ela não cansa
Cutuca e traz nova lembrança
Um'alegria costumeira
Levanta então e dança
Faz e faz festança
Perfaz a vida inteira

Pula corda, salta o chão
Rayuela, dá-me a mão
Pula pula, corre corre
Salta numa perna só
Cabra cega, sei que escondes
No armário da vovó

Mundo vivo, roda viva
Meu intuito é brincar
Bamboleio, bamboleio
Giro, giro sem parar
Tudo é fácil ser criança
Tudo é fácil ser amar
Homo Ludens, Homo ludens
A infância irá voltar

Sancha, Sancha
É você quem dança
A mostrar que
A vida jamais cansa
Quem se cansa somos nós

Nós górgios entrelaçam
Uma vida dada em nós
Tal paulada, tal porrete
Pois já cá estamos sós

O glauco sorriso
Já rugoso e não liso
A pálida face
Outrora rubra
Ó, desenlace!
Cubra o tempo
A masmorra
E a modorra

Quero já minha meninice!
Quero o resedá e o jasmim
Quero ser de novo curumim
Traga-mo de volta, traga-o, sim!
Me traga um copo d'água...
E mais um pouco de mim...

Perdi o fôlego!

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A musa muda - o poeta, não

(originalmente um comentário meu neste post curto e forte, portanto apreciado)
**

Não me importa o papel
Não me importa a borracha
Não me importa o lápis
Ou a caneta, ou aquela musa bonita

Não.

Eu ouço a minha voz e a transcrevo onde tiver espaço, ao escrever eu crio um laço. Um rabisco, uma letra, um traço. É melhor escrever logo, antes que sobrevenha o embaraço.

Poderia escrever com sangue, com lantejoulas multicores, com um toco de carvão.

A mensagem que passo adiante, não se torna mais importante por ter passado por minha mão.

É somente mais uma estrela num multiverso além de qualquer possível imaginação.

Ao escrever, eu [sonho que] crio. Ao [sonhar o ato de] criar, transcendo.

Ancestralidade

Ao amanhã infranqueável
Trabalhas triste todo dia
Absorto em anciã anacronia:
Tu percorrestes o passado
Estagnando no presente.

E o teu futuro ali à frente?
Esta incerta cercania...

"Conhece-te a ti mesmo"
Tal a máxima ancestral
Escruta a alma a fundo
E a ave a teu umbral.

O ser humano segue insano
Mal-vislumbrado ermo arcano
O ser humano leve e lhano
Sonha o céu e soca o chão
Sonha ao léu e sonha em vão.

sábado, 4 de abril de 2009

The Inner Torture of Secrecy

I know I was
I was, I know
You know I was
And I know I was

But what was I?

Is it a secret between the both of us?

Ok, we'll keep it.

Will you not keep it?
Oh, no, do you pretend to tell the whole world about it?
Well, at any rate, it is past - a past event afterall.

But why do you intend to mumble it aloud?
Whispering to the ravenous crowd?
Perhaps you should cover it with a shroud.

It is dead. And it is mad to go off like a bomb
Splattering little personal truths contained in secret lodgings.

It wasn't secret, dude. No secret is a secret, unless you yourself disregard personal secrets.
If you don't have one, then that is your utmost secret. Any other possibly hidden case brings an ending failure.

Step in 'n step out. Secrets keep flowing out our mouths. If we could help it, we certainly would. But we, humans, we're cosy tyrants sneaked in suits - naked, we are powerless. Newly born blind men. That's what we stand up for when stripped off of our routinary imaginary role.

A role of fools we play in life. No surcease of sorrow will mitigate our loneliness. To be born, we are separated. To die, the string is halved again. Our real life, outside the womb, if you call it, passes unnoticed and without much a-do. We live unmerciful disaster and can't but woo.

Our biological necessities outgrowing our natural inteligence, and penning us in slave-stys. It is so durty and muddied, buddy.

You can tell it any time now. You know, my secret was never a secret - it is actually tasteless, when you see the world we live in. Beauty walking hand in hand with the Beast. Not a sweet sight, for all that it means. Your psychological manoeuver of manipulation assumed that I would be hurt whenever you threatened me to spread some facts of my life. Having escaped your wishfulthinking on purpose, now I see how impotent you've become. You are petrified, frigid, unresponsive. I definitely know why. You can't drench me any further - you've spoilt the soup by your own turbid thinking process. You are incapable of seeing whichever doesn't fit your perspective, huh? Now you face the abysm. The chaos of your shrunken being. Not much to see, nor an enchanting sight I guess. A recoiled snake following its unreachable tail, Ouroboros fated destination.

Ultimately, you destroyed yourself.

And I, who faced myself, who dared to break the mirror of unreality and lies I once wallowed in - I, I have outlived, and my soul has grown. I have reap'd the seeds I sowed.

The wind bloweth...

And I'm a victor. You've finally gone back to the dark forest where your hut is fixed.

And I stand alone here no more - 'cause never in this universe there was somehing akin to loneliness.

Being short-sighted doesn't imply being alone. To feel alone is an entirely different matter. 'Cause even your feelings are distorted - your vision is blurred, your movement is stiff - you overlook your true being on the cliff's edge.

Only to realise your essence is stark naked, an amorfous figure, a glowing worm.

Stop hoping. You must climb the straight rock wall first. You have infinite pebbles as your allies - and gods and goddeses watching your never ending toil behind the scenes.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Eu Vi o Véu e Você a Ver a Mim

Homem!
Sombra dos deuses
Os escombros te engolem!

Torna-te ao mundo
Abra os olhos e veja
És a luz que lampeja

Tu és sombra dos deuses
Onde quer que esteja.


Livrai-me de ilusões mundanas
Quero ressignificar o mundo
Percrutar mia vida fundo

A gana de viver
Qual já não sinto.
Doa o que doer:
Eu vivo e minto.

Mais fácil era morrer
E ser sucinto
Mais fácil perecer -
A peitar o labirinto

Pois qu'eu vivo -
E viverei.

...Vi Veri Veniversum Vivus Vici

Só(u) ela neste instante"

O nascer do dia é um'alegria
Alegra a alma e contagia
Imerso a fundo uma magia
Suspira, eleva, irradia

Santa calma, sacro dia
Micro, macro, vida mia!
O ciclo, o canto, a cotovia

Abre a rosa, sibila o sabiá
Um enlevo, encantamento
Igual a este não há

Dançam povos d'outrora
Em menagem a Lenora
Estende Palas nobre mão
Em erudita imantação

E eu, Eugênio,
Que sou eu?

Que sou eu ante o paredão rochoso?
Acre gosto amargoso
Invadindo minha boca
Vendados meus olhos
Meu eu agrilhoado
Aos sons cavos
Tudo escuro -
Mundo-Muro?

Sou o antes, o depois,
Ou o Agora?
E minha Morte,
Já demora?

Se não há tempo,
E não há hora,
O karma é isto,
Mia senhora?

Despeço-me, ditosa Terra
Embebida em sangue,
Lágrimas e guerra.

Mas, ainda assim,
Ela - só ela -
Vivificante.

Eu sou
Eu fui
E morro - neste instante.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Fanny e Alexander (Fanny och Alexander, 1982)


É um filme complexo. Eu sei que é difícil para o leitor quando o escritor inicia de tal forma, mas, meu caro, é impossível começar doutro jeito. Imagine um filme cuja versão do diretor (director's cut) tem 312 minutos de duração, e, sua versão reduzida, para os cinemas, "apenas" 188 min.. Além do mais, e além-mar, é um filme de Ingmar Bergman. Bergman tem esse dom, herdado por Almodóvar de modo bastante diverso, de expor suas personagens femininas com uma peculiaridade só delas, como se aquelas personas fictícias tomassem de súbito vida e transpussem as telas e o palco que as encerram, e passassem a habitar o mundo dos espectadores silentes. Não são, tampouco, as mulheres de Hitchcock - as loiras sensuais de suas obras-primas de suspense, simplesmente inconfundíveis.

São mulheres que cometem erros, que têm suas questões pessoais mostradas, que não se adaptam fácil, que, em vários filmes, já rejeitam o machismo e invocam com segurança seu poder feminino de transformação. Transformar seus entornos, transgredir as normas, se preciso. E fazem-no determinadas, por vezes em prol de seus filhos, ou, em outras, visando seu próprio futuro. Ingmar Bergman traz às telas belas atrizes do leste europeu que encarnam seus papéis com uma tal pujança que espanta. Espanta mesmo. Veem-se as lágrimas, a raiva, a compaixão, nada passa desapaercebido nas expressões faciais desses atores perfeitamente convincentes.

Fanny e Alexander é uma produção arriscada: fala sobre o amor, sobre a perda dum ente querido e amado, sobre uma escolha completamente errada, sobre a fronteira da sanidade e da loucura, sobre o sobrenatural, sobre a vida, sobre a morte, sobre o medo e sobre a alegria, sobr'a liberdade individual feminina e a tirania marital doméstica. É um filme que não pode ser perfeito mentalmente por meio de palavras, porque é um misto de diálogos eloquentes (e, como não, poéticos) e atuações brilhantes. Lendo-se o roteiro, perder-se-ia a experiência cinematográfica.

É um filme que se sobrepõe aos demais que assisti (perdoe-me Volver, perdão Almodóvar. perdão O Encouraçado Potemkin, perdão Um Sonho de Liberdade!) - porque ele é ao mesmo tempo hermético e multiverso. Não que os demais excelentes filmes que eu tenha visto não carreguem consigo tal carácter, mas que Fanny e Alexander provavelmente seja o que mais perto chega da perfeição da temática multivalente. Cada cena encaixa-se plenamente dentro do todo, e o todo destruir-se-ia, caso um trecho sequer (de diálogo ou de cena) fosse retirado.

Sabe, é uma daquelas produções que nos deixam focando o abismo, sem palavras, sem termos, sem descrições possíveis. Ficamos à beira daquela imensidão negra, fitando o negro, o preto, e todas as nuâncias que somente olhos adaptados podem captar. Ao retomarmos o curso natural de nossas vidas, volvendo-nos daquela visão única, não nos é possível dissertar sobre o infinito lá presente. Todas as impressões e saliências e cavidades que nos perpassaram naqueles eternos instantes. Todas as cores que entrevimos no preto, mesmo sendo o preto somente o preto e nada mais.

Por isso eu digo:

Ou melhor, não digo.

Jules e Jim (François Truffaut, 1962)


Fui ao Cine Olido esperando ver o tão aclamado Cinema Paradiso (Giuseppe Tornatore, 1988) e levei um merecido susto ao chegar lá: Cinema Paradiso havia passado na sessão do sábado, ou seja, o dia anterior. Naquele dia, domingo, passaria Jules e Jim, obra do renomado cineasta francês François Truffaut. Bem, pensei, já que saí de casa para assistir a um filme, não vou deixar de cumprir meu objetivo.

A sala estava mais cheia do que das outras vezes. Pela minha contagem, de oitenta a cem pessoas pagaram de R$0,50 (a meia) a R$1,00 para verem Truffaut numa sala de cinema - que tem, aliás, suas próprias particularidades. Já tendo visto também em março outros dois filmes, A História de Adèle H. (François Truffaut, 1975) e A Marca da Maldade (Orson Welles, 1958), tinha, portanto, prévio conhecimento da grotesca mancha amarelo-mostarda que ocupa o centro da tela receptora da projeção. Ou seja, num filme preto-e-branco, o espectador tem a incomum oportunidade de enxergar cenas coloridas. Quase psicodélico. Quase.

Mas vamos ao que interessa: Jules e Jim. O filme é caracterizado pela rapidez com que se dão as cenas, as sucessões de diálogos, as mudanças (de moradia) dos protagonistas, as paixões - ou seja, uma película permeada pelo caráter transitório das impressões: o amor, a perda, as ilusões - todos dividem espaço para mostrar os (des)enlaces de uma amizade a três interessantíssima. A - até então desconhecida - mulher que virá se interpor à amizade de Jules e Jim obtém êxito em cativar os corações de ambos. Impulsiva, excêntrica, independente - Catherine é a presença feminina elusiva. Ora ao lado do amante, sussurando-lhe palavras ternas de amor, ora com outro, desafogando suas angústias.

É a figura indecifrável, repleta de cantos obscuros em sua personalidade, com um sorriso - e um riso - fulgurante, porém de pouca duração. Nada dura para sempre, parece querer nos dizer. Frui, dessarte, como os homens o fazem - troca de amantes, trocas realizadas às vezes num mesmo dia, como se para provar do doce e do amargo, do "gosto" e do "não-gosto". E se gostar de ambos, bem, está feita a colméia!

A lealdade entre os dois amigos não sucumbe ante à volatilidade dos desejos e caprichos daquela por quem ambos são apaixonados. Ela trai ora um ora outro, isso quando não foge de casa - mas que importa? A amizade não se arruína tão fácil. É chiclete duro de mascar, relação fadada a durar. Há os imprevistos, é claro - há as incertezas também. Mas isso acomete a todos nós mortais, mesmo ao convivermos num relacionamento unha-e-carne, temos lá nossas dúvidas e nossos momentos de desassossego e inquietação. Nada mais natural - pois a vida, sem um ou outro repentino turbilhão, é algo intragável, monocórdico - isto é, algo pouco desejado.

Jules e Jim surpreende - e faz-nos discordar.

Que bom, não...

***

Constato que hoje (escrevo este post scriptum em 06/04/2010), a sala já se encontra reformada, com a tela límpida como deveria ser, e mantendo o módico preço de admissão. Voilá!