quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Encounter

All of a sudden
You die - and you can't remember
Why
All of a sudden
You cry - and you don't know
Why
All of a sudden
You doubt - it ever really
Happened

[Perhaps just a lie
But is sounds so true... -
Who are You?]

Why are you hidden?
Why can't I see your eyes?
Why am I smitten
By your woeful, midnight cries?

When will I find
You?
Oh, it really doesn't matter
There're still many a glass
To break and
Crash and
Shatter.

sábado, 17 de outubro de 2009

As Simples Coisas

Benjamim, meu amigo. Quando nós não temos força para levantar, nos levantamos mesmo assim, não é mesmo? E quando falta força para gritar, soltamos o grito dentro d'alma, não é assim? Pois é esse meu presente estado. Conto as horas dormidas à noite, preocupado em reter algum ritmo à minha vida. Qualquer que seja, este já é o primeiro passo. De uma longa caminhada? Quem sabe.

Lembro-me que foi mais fácil compreender a depressão em você, que a exprimiu, que em mim. Pois como proferira um sábio já morto, é uma característica comum aos homens ver mais facilmente as falhas nos outros que em si próprio. Perdemos o apetite, ficamos como que pasmos, incapazes de usufruir os devidos momentos de alegria que nos vêm no dia a dia. De súbito, notamos que rimos e sorrimos pouco, e quando o fazemos, é com certo pesar.

Cortei meu dedo sem querer ontem à noite, no fio do canivete. Sabe que eu nem senti a dor? O sangue fluía vermelho, e eu nem sequer me assustei. Segui com o que estava fazendo, até meu irmão exclamar incrédulo com o absurdo da situação, e meu organismo puxar as rédeas. Sim, além do meu irmão, meu organismo ordenou-me, imperativamente, pôr fim àquilo - não fosse pelos dois, eu continuaria, como alguém desprovido de vontade própria. Um autônomo, um robô com funcionamento pré-ordenado, mecânico, insensível.

E apesar de toda essa insensatez conosco mesmos, volta e meia damos conta da estranheza da situação, não concorda? Creio que você também, em certos instantes, pergunta-se o porquê do dia passar tão rápido e por que mesmo os momentos mais únicos, singulares, irrepetitíveis do dia simplesmente passam e vão, sem que dispensemos maior atenção a eles. Deixamos de perceber que algumas circunstâncias, providas de maior carga emotiva, nos animaram aqui e acolá no decorrer das horas. É como se o cérebro entrasse sem prévio aviso num estado catatônico passivo, em que põe igual peso às mais variadas vivências, e assim nada mais pudesse nos abalar. Sugiro que seja um mecanismo de defesa, mas extremamente falho no que tange à assegurar uma vida plena. No máximo, garante nossa sobrevivência. No máximo, porque, nos nossos casos, o suicídio não é uma alternativa incomum. Reitero: longe de nós entrever tal possibilidade!

É agora que escrevo a você (esta carta aberta) que me recordo de alguns desses instantes que fizeram meus olhos luzirem e minhas bochechas corarem, num sopro de vida que veio e se foi. Mas, pondo-os no papel deste caderno, à tinta azul de uma caneta Molin, e com as páginas devidamente numeradas e datadas, tenho a esperança de que no futuro tais momentos possam me trazer de volta à tona. Já não aguento mais essa submersão, esta falta de voz. E o pior é reconhecer que o algoz somos nós. Quero subir à superfície mais uma vez, ver o Sol enquanto ele ainda existir. Sonho que isso aconteça num futuro próximo.

Vamos aos fatos. Na faculdade, mais especificamente no ponto de ônibus, eu aguardava minha linha, Jaçanã. Ele parou, eu entrei, não sem hesitar na porta, já que eu vira vir correndo uma garota, na óbvia intenção de alcançá-lo, e eu era o último do ponto a subir. Puxa, pensei. Mas foi eu subir que o motorista fechou a porta. Fiquei estupefato - aliás, o ônibus não estava lotado! Todos os passageiros estavam sentados, sobrando lugares, e não havia explicação para ele deixar um passageiro pagante para trás. Vamos lá, meu amigo, o que são meros 5 segundos de espera, no máximo (se ela tropeçasse) 10?! Daí veio minha voz embargada ao motorista: "Tem mais um passageiro". Ao que ele retorquiu, verbalmente, acompanhado do típico (e expressivo!) levantar dos ombros: "Ah, fazer o quê." Eu, Benjamim, sei muito bem o que farei da próxima vez, caso haja outra semelhante: colocarei meu pé no primeiro degrau, e acenarei para a pessoa, dizendo: "Ô, amiga, vem logo!". Que ele feche a porta em mim! Eu não gostaria nem um pouco de ser deixado para trás. Ainda mais no caso de uma linha que demora cerca de 40 minutos para passar. Até onde eu entendo, é nesse sentido que cada um de nós pode fazer a diferença neste chamado mundo fominha, mundo-cão. Eu fiquei bastante irritado com a minha inação. Que os outros sejam ignorantes, eu não gosto de sê-lo. Mas é assim que a gente muda, né? Quem tem sangue de barata não sente a necessidade premente e pulsante de mudança.

A outra circunstância da qual fui testemunha, esta já de teor feliz, foi quando eu me encontrava dentro do ônibus Butantã-USP, a caminho da faculdade. Não relato em ordem linear, mas isto é porque os eventos que me causam maior impacto vêm naturalmente à frente, é inevitável. Pegamos um congestionamento caótico no centro da cidade, e eu já estava por aqui incomodado e impaciente, após já duas horas dentro do veículo e nenhum sinal substancial de progresso. Bom, uma hora deu-se um jeito no engarrafamento, e mais à frente nós passávamos pelos cemitérios ali nas redondezas das Clínicas. Havia muita gente na calçada, visivelmente aguardando outras linhas de ônibus, visto que poucas entraram no meu. Mesmo depressivo, eu sigo curioso. E uma pessoa curiosa, sem nada de particular importante para fazer, tira os olhos do umbigo e vê o exterior da janela. O trânsito ainda estava no molha não chove, de forma que eu podia me dar ao luxo de fitar sem pressa os transeuntes em seus afazeres. Qual não foi meu sorriso quando eu vi uma mulher - talvez a mãe - e uma menininha de uns 5 ou 6 anos numa brincadeira bem bobinha, e aí meu regozijo. A cunhantã cheia da graça dava pequenos passinhos até a mulher e fazia um touché! na coxa dela, emitindo gritinhos de júbilo na ação. Ao que a mulher se divertia e retribuía um touché! de leve na barriga saliente da garotinha. Eia, alegria! As duas não se continham de contentamento.

Eu sorri de aprovação, mesmo que ninguém me visse. Puxa, há momentos na vida que julgamos tão enfadonhos, justamente por olvidarmos os prazeres mais simples - os mais leais no correr do tempo. A vida pode ser divertida, pensei. Basta olhá-la com a vista menos cansada. Uma criança feliz quer com tamanha vontade descobrir o mundo, que de início pouco se importa do que os outros pensarão, de bom ou ruim, do que fazem ou do que dizem. Depois todos são moldados mais intensamente e perde-se um pouco dessa curiosidade insaciável. O fato é que ela deveria se aguçar. Os grandes gênios souberam direcionar sua curiosidade e cá estamos nós, com muitos deles a servirem de exemplo. Amar é tão pleno nessa idade, que basta um momento de felicidade para se dizer: "Aproveitei o dia!". E isso, sem uma sombra de dúvida, pois um dia de brincadeiras nunca é em vão.

É senão por isso que pego na caneta a essas horas, meu amigo. São os momentos mais simples - e inesperados - de alegria, justamente os mais gratificantes. É só eles passarem despercebidos que a vida se faz menos luminosa, e perde-se o intuito de viver (ainda mais quando ele anda já fraco das pernas). Fiquemos, pois, atentos. E, ah, quanto ao incidente do ônibus, foi uma lição de solidariedade. Parece-me, posso estar errado, que as lições mais simples são as mais caras. Não se pode viver bem e dignamente sem elas.

Por isso me toca a seguinte canção, mais bela ainda na voz vibrante da recentemente falecida Mercedes Sosa. Chama-se Canción de las simples cosas. Ei-la:



Do seu amigo,
Fernando.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Amanhã de manhã

A Parábola dos Cegos (1564) - Peter Bruegel,
o Velho
(Óleo s/ tela, 86 x 154 cm)



Nas manhãs que desperto deitado na cama, descerrando meus olhos com dificuldade, noto, não sem me amargurar um tanto, que já trago uma perspectiva de mundo cansada, talvez atoleimada, e é duro levantar-me do leito sáxeo. Não por dores, que felizmente não vieram ainda, mas por perceber que já foi diferente, e não faz muito tempo.

Lembro-me, não sem sentir certo pesar, que antes sorri como as orquídeas lilases de meu jardim: abrem com fulgor suas pétalas na aurora, para fenecer orgulhosas tão logo é chegado o fim do dia. Recordo-me ter certa vez aberto os braços em cruz, o peito estirado e palpitante, entregue a uma paixão que desabrochava, completamente nova, repleto de alegria e desejo. Todavia, quando menos esperava, cortaram minha esperança, como se poda uma árvore. Não obstante, por erro ou infortúnio, arrancaram dessa árvore, que então nada podia suspeitar, não seus ramos putrefatos, mas justamente seus galhos viçosos recém-nascidos, que despontavam para abraçar o mundo, numa expectativa edênica de ingenuidade e sabedoria.

Tão logo os cortaram, senti a dor da punhalada no peito, perdi de arremate os sentidos, retraí-me contorcido, ostracizado. Por um longo período antes desse inglório acontecimento, eu me sentira como um náufrago sem companhia, ao qual cada rumorejar dum novo dia soava como um recomeço repetido e invariável. No entanto, fora-me dada a oportunidade de sonhar de olhos abertos novamente, e, entretido nessa experiência extática, mística e há tanto apagada, distraí-me a ponto de não considerar um bem possível fim abrupto. E abrupto foi. Toda minha seiva borbulhante foi sugada por escarificações cutâneas profundas, e a venda hipnagógica retirada dos meus olhos ainda em deleite, par'eu ser testemunha do espetáculo mais horrorizante. Meu sangue, branco, leitoso e purificado, mesmo denso, escorria impiedoso das chagas recém-abertas - gotejava na relva, ecoava na selva. Ecoava na selva delimitada do meu ser, que quedava imóvil ante à violência jamais vista. Nada estancava a profusão sanguínea. Barbárie.

Meus braços desde então não mais abriram em 180°, na pujança varonil de enlaçar o ser amado. Meu amplexo perdeu a força, e o ósculo, a virilidade. A entrega ao outro deixou de vez de ser incondicional, tornou-se racional, mesquinha, frívola, parcial. Tão longos aqueles breves momentos de gozo inquestionável, total. Há maior tristeza no mundo, que acaso supere a dum pássaro recém-liberto, que de chofre se vê novamente engaiolado? Ele adejava e silvava livre e melífluo pelos campos virginais, sem ousar suspeitar a temerosa mão invisível vir-lhe roubar a vida reconquistada.

Pois sim. A vida propriamente dita é a vida que se sente em curso, em fluxo - a corrente do rio que renova em desova. Germina incólume a vida subaquática, uma multitude de peixes embrionários eclodindo a extensão do organismo materno, gerador. A tênue película se rompe, eis a vida - periclitante. Eis o risco, a gana de peitar a morte, os colhões: tentar a sorte, independente do resultado. Eis a única razão de ser, para ser, só assim crescer.

O pássaro quer voar, e é feliz enquanto o pode. O ser humano quer amar, mas eis uma tragédia que o sacode. De súbito, as grades da jaula retinem no escuro, e já se vê que os olhos estavam firmemente cerrados, em êxtase, no júbilo primordial. Ao medo, sobrevém a dor: as asas feridas no baque da portinhola recusam-se a alçar voo. Os olhos lacrimejantes miram o vazio, o pipilar perdeu o brio, e com eles se vai a última memória de um largo e infinito rio, corredio. Anil e transluzente. Tudo isso a alma capturada sente.

A solidão dói tamanha, que se perde a vontade de comer. Vai-se o brilho, a sanha de viver. Viver? O que é a vida no interior de uma jaula, àquele que até pouco sorvera da liberdade ilimitada, tão-sonhada, realizada?! Aquilo era vida - isto, não mais. Há um parâmetro muito forte em jogo, que não pode ser descartado. O homem livre ou morre ou se adapta à servidão das galés. Mas, uma vez acorrentado, pouco a pouco o remo suado a sangue oblitera a noção integral da liberdade doutrora. O calor, a cãibra e a dor pungente obnubilam-lhe os sonhos que tivera quando de seu veio não-subjugado. Solte-o, e ele nadará até o inferno, ou morrerá tentando, se preciso, isto é, se restarem-lhe forças, ou ao menos parcas lembranças. Sem estas, nada é possível. E, antes disso, procurará desagrilhoar seus mais queridos, seus colegas, seus amigos, semblantes sofridos.

O quinhão restante de vida ao escravo é tão-só o anseio irrevocável pela libertação. Quebrar em pedaços as grilhetas malditas e berrar e gritar e se esgoelar como só pode o feliz homem que se redescobre vivo! Cuspindo o torrão de terra acre que lhe meteram boca adentro, tirando do pelo e cabelo o pó nefasto do chão piolhento da cela da morte. Esse homem, que até então viveu a vida e o correr desenfreado dos dias como uma instância fatal, submetida ao banal, ao pão imundo concocto com cal - este homem, caso preso nova vez, escolherá a morte. Psicossomática, e mesmo assim: morte.

Ninguém é tão forte. Mas, quem sabe, ele possa livrar-se das cadeias sem ser recapturado - e, quem sabe, esperançosamente, ele possa estranhamente novamente sentir-se amado. E, quem sabe, ele possa de novo amar. De olhos abertos entregar-se a quem o ama, reabrir lentamente os braços e expor o peito - desta vez c'os olhos bem abertos, perspicazes. Olhos fechados somente quando lhe couber o fato mortuário. Chega de vendas! De um mundo adulterado por lentes destoantes, que o põem ora em cores senis, ora em tons berrantes. O mundo é, já sem ajuda de instrumentos inacurados, multicor. Se ali houver amor, melhor. Contanto, mergulhar em águas desconhecidas requer cautela.

Nosso homem terá de reaprender a voar. Suas asas, fora de uso, já não podem alar. Seu piar é agora um chiado cacofônico - terá também de reaprender seu canto. Voar de novo dói. Os olhos mareados lembrar-se-ão dos cavos e ermos momentos nos confins da prisão. Mas as mãos malévolas e agourentas serão avistadas à distância, e não mais colocarão em cheque o voo libertário do ex-prisioneiro.

sábado, 10 de outubro de 2009

Terminologia

Não que eu não soubesse que o fim estava próximo. Eu sabia. Não que eu não soubesse o que eu havia de fazer - isso, também, eu sabia. Mas, abatido. Eu estava abatido, e mesmo vendo a porta, não podia alcançá-la. Uma espécie de paralisia, talvez. Mas eu precisava tanto tocá-la, tangê-la, rangê-la, levantar-me de onde me encontrava sentado e tentar dalgum modo chegar àquilo. À maçaneta, ao ferrolho, àlguma reentrância daquela porta sombreada, escura. Ela estava logo à frente, mas eu não podia fazer nada.

Eu estava recostado na cadeira escutando jazz. Minha música preferida, após Piazzola. Eu deveria fazer aquilo, mas a força me impedia, repelia. Eu preciso chegar lá! Mas não adiantava - se eu acreditasse no fado, no destino ou na Sentença, até que vai. Mas eu não tinha tais credos, e não podia explicar doutra maneira essa falta de vontade, mesmo ante ao dever. O dever não vinha, minha cabeça espiralava, a morte me sondava. A morte de entes queridos, os meus olhos fechados, feridos. Desnorteado, eu já havia esquecido da porta. Poderia fingir que ela continuava ali, mas era como se eu tivesse sido transportado a outro tempo, a outra era.

Abri meus olhos e me vi numa praia desértica. A água batia na rocha, e o firmamento plenamente azul brincava com a minha imaginação. Os cirros plúmbeos planavam em algum outro recanto do mundo naquele momento, pois ali era o azul mais azul, e nem sequer era azul. Que cor era aquilo? Não sei. Era a cor e a luz da vida. Alguma plaga esquecida. Eu estava ali. Atrás de mim havia uma mata, e na frente era o mar, a rorejar, a tocar os penedos indeléveis. Entre a natureza e a dimensão inexpugnável de uma existência rediviva. Um ser. Um ser humano num ermo arcano, mirando o céu o sol e as nuvens. A água transluzente, a vida piscosa transparente, tudo aquilo era minha vida. E não havia nada naquele mundo que eu não pudesse almejar.

Reabri os olhos, ressentindo ter perdido um mundo tão belo e singelo e distante. Apoiei-me nos braços da poltrona, firmei meus músculos e me ergui. Vi então a porta, entreaberta, luminosa. Cambaleei, fustiguei meu rosto com um tapa e disse: É lá que eu quero chegar. Cada passo me doía o corpo inteiro, como se carregasse o mundo nas costas, mas eu não desistia. Não importa que carga se põe sobre o dromedário, ele mantém a cabeça altiva, pois conhece mais que a cáfila em derredor, conhece Deus - e sabe seu centésimo nome, o ignoto e incognoscível a meros humanos. Eu era o dromedário naquele instante. Meu corpo retesado era meu único meio de alcançar o clarão que me anuviava a vista.

Quase cego, em genuflexão, eu roguei aos céus por força. Não por piedade, nem misericórdia, não por isso. Eu necessitava força espiritual. Minha oração era o meu ponto de encontro comigo mesmo. Com o único elemento em mim impermeável à opinião dos outros. Poderiam opinar à vontade equanto eu me encontrasse em contato com minha essência. Ela reinava coroada naqueles passos escorregadios mas firmes, titubeantes mas alegres. Eu sabia minha direção, eu cheirava meu caminho, eu chegava até a lâmina de vidro que era a porta. Entreabri-a resvalando-me no vão e caí morto.

Acordei. Sentado na "poltrona". Minha cadeira de rodas, da qual jamais levantaria.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Balanguê

Jean-Honoré Fragonard, "O balanço" (1767)

Apesar dos pesares,
A vida vai bem,
Vai vem.

(Meu)



O constante balanço, entre o ir e o voltar, o constar. O ser definido por estar, aqui e acolá, um meio definido pela passagem, a inércia do movimento que transmuda o rápido em lento, um auspício agourento, um eterno "vivo e tento". Tento ser o que não sou, estar onde não estou, voltar de onde eu vou. Meu voo, minha reflexão, estar planando parado em movimento, até parece miragem, mas é a vida.

Destituída de limites, infinita. O poeta fita o horizonte dalém da ponte, multicor, destoando no ódio, corando no amor, neutralizar-se é rancor é morrer é toda a dor o fim do ardor. O poeta colore e percorre milhas e milhas de sendas e lendas e vendas e vê. Povos e lugares, o vinho dos lagares, os velhos e os novos - os que jamais morreram. Pois viveram como vive a luz do sol enquanto é dia, sem se preocupar jamais com o despertar do sonho - a poesia.

O poeta retesa o arco, atira a seta. O querubim do fim da festa, o rememorar após a sesta - o poeta testa e atesta um viver diferente, um "viver com a gente", entre nós, dentre nós. Um ouvir, um dizer, um nascer fenecer, e o vivo manter da canção. Redivivo revivendo a tradição do toma lá e dá cá, um pega-pega inexaurível. Brincadeiras, jovialidade, o amor, o doce ninar da criança no berço na rede, que volta e avança, cantiga antiga... adormece.

E renasce todo santo dia pululando de alegria, recheando o biscoito da vida com uma bonança quase esquecida. E monta o cavalo alazão de um salto do chão, sem sela nem trela, e galga. Montanhas e vales, pega ela. Pega nada. Foi a vida. Estando na tua frente, te pegou por trás. Abracadabra, taí a surpresa. O bafo que aquece a tua mesa no café da manhã, no sacro arrebenta-diabos duma vida sã.

Ai, cunhã! Vem cá, dá um abraço no pai.

Para alguém como ninguém

Que é a minha esperança
E inspiração
A minha dança
De renovação

O mar que roreja
Bravio
A vela acesa
No fim do pavio

A mão que enseja
E deseja
Tocar o rocio

O mar qu'esbraveja
Contra o navio
Singrando auroras e trevas
Almejando encontrar
O Porto:

O Ponto Morto

Do outro lado do globo
Que seja!
Ele busca a luz que lampeja
E essa luz é você:

Já a encontrou.

Mas para isso, rodou o mundo
Cortando mares
Tocando o leito profundo
Respirando novos ares

Peitou o frio
Feriu-se no fio
Da faca afiada
E ficou atilado.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Sai, bichão!

Taturana não me queime -
Eu sou curioso
Por mais qu'eu teime
Em subir este pé.

Este pé de abacate,
O meu acicate,
O meu chevrolé

Já estou arranhado
Suado,
Mordido
Não queira você tomar partido

Eu sou pé
Pé de moleque
Sobe em pé-de-amora
De manga e abacate

Subir é uma luta
Minha luta é a vida
Quem vive sou eu

Prometeu...
Não cumpriu
Um deslize...
Caiu.

Dos céus ao chão
De volta à terra

...

E que guerra.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Meu canto de amor

Que mundo bonito
Eu fito
Deitado
No topo da mangueira
Suado

Entoo
O fado
E rogo à minha maneira

Perambula o vento
Deambula o mundo
Tudo treme
E eu deitado
Mudo
Teso e manso

Nas alturas
Encontro, enfim
O meu descanso
E danço, danço

Com a ponta dos pés
E das mãos
Agarrado à árvore
Olhos cerrados
Este símbolo eterno da vida

Minha... vida
Meu olhar
Sobre o mundo
Vivendo no mundo
Eu irei te encontrar