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quarta-feira, 1 de abril de 2009
Fanny e Alexander (Fanny och Alexander, 1982)
É um filme complexo. Eu sei que é difícil para o leitor quando o escritor inicia de tal forma, mas, meu caro, é impossível começar doutro jeito. Imagine um filme cuja versão do diretor (director's cut) tem 312 minutos de duração, e, sua versão reduzida, para os cinemas, "apenas" 188 min.. Além do mais, e além-mar, é um filme de Ingmar Bergman. Bergman tem esse dom, herdado por Almodóvar de modo bastante diverso, de expor suas personagens femininas com uma peculiaridade só delas, como se aquelas personas fictícias tomassem de súbito vida e transpussem as telas e o palco que as encerram, e passassem a habitar o mundo dos espectadores silentes. Não são, tampouco, as mulheres de Hitchcock - as loiras sensuais de suas obras-primas de suspense, simplesmente inconfundíveis.
São mulheres que cometem erros, que têm suas questões pessoais mostradas, que não se adaptam fácil, que, em vários filmes, já rejeitam o machismo e invocam com segurança seu poder feminino de transformação. Transformar seus entornos, transgredir as normas, se preciso. E fazem-no determinadas, por vezes em prol de seus filhos, ou, em outras, visando seu próprio futuro. Ingmar Bergman traz às telas belas atrizes do leste europeu que encarnam seus papéis com uma tal pujança que espanta. Espanta mesmo. Veem-se as lágrimas, a raiva, a compaixão, nada passa desapaercebido nas expressões faciais desses atores perfeitamente convincentes.
Fanny e Alexander é uma produção arriscada: fala sobre o amor, sobre a perda dum ente querido e amado, sobre uma escolha completamente errada, sobre a fronteira da sanidade e da loucura, sobre o sobrenatural, sobre a vida, sobre a morte, sobre o medo e sobre a alegria, sobr'a liberdade individual feminina e a tirania marital doméstica. É um filme que não pode ser perfeito mentalmente por meio de palavras, porque é um misto de diálogos eloquentes (e, como não, poéticos) e atuações brilhantes. Lendo-se o roteiro, perder-se-ia a experiência cinematográfica.
É um filme que se sobrepõe aos demais que assisti (perdoe-me Volver, perdão Almodóvar. perdão O Encouraçado Potemkin, perdão Um Sonho de Liberdade!) - porque ele é ao mesmo tempo hermético e multiverso. Não que os demais excelentes filmes que eu tenha visto não carreguem consigo tal carácter, mas que Fanny e Alexander provavelmente seja o que mais perto chega da perfeição da temática multivalente. Cada cena encaixa-se plenamente dentro do todo, e o todo destruir-se-ia, caso um trecho sequer (de diálogo ou de cena) fosse retirado.
Sabe, é uma daquelas produções que nos deixam focando o abismo, sem palavras, sem termos, sem descrições possíveis. Ficamos à beira daquela imensidão negra, fitando o negro, o preto, e todas as nuâncias que somente olhos adaptados podem captar. Ao retomarmos o curso natural de nossas vidas, volvendo-nos daquela visão única, não nos é possível dissertar sobre o infinito lá presente. Todas as impressões e saliências e cavidades que nos perpassaram naqueles eternos instantes. Todas as cores que entrevimos no preto, mesmo sendo o preto somente o preto e nada mais.
Por isso eu digo:
Ou melhor, não digo.
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