segunda-feira, 9 de março de 2009

A História de Adèle H. (François Truffaut, 1975)


Mais do que uma historieta de amor, François Truffaut põe na tela os desencantos e desilusões que vivencia uma jovem apaixonada, Adèle H. Sua verdadeira identidade só nos é revelada posteriormente, com ótimos resultados, cabe dizer. A tênue, e não raro escorregadia, margem que delimita amor e obsessão é escancarada frente aos olhos impressionados do espectador.

Poderia tão facilmente discorrer sobre mais uma jovem burguesa, branca, casta e ingênua que vive maritalmente todos os prazeres e amores, sempiternos como somente a ficção pode assegurar... mas não! esta linda e inteligente jovem, com um germe literário e musical imbuído em si, vê-se face a face um álgido muro: um homem que a despoja e a despreza, inventando toda sorte de percalços para ver-se livre e longe dela.

Não sendo particularmente vistoso de corpo, e absolutamente desprezível de alma, indagamo-nos: Por quê? Por que obstinar-se correr atrás daquele que a afasta e a vilifica, e que deliberadamente a subordina e ignora? Não seria mero fruto da imaginação viver anos ao lado de quem menos a faria feliz, visto sua arrogância e vileza de caráter? Algo está errado, sim; todavia, esse algo só o vemos como espectadores, gratificados com o dom da imparcialidade, justamente porque não é conosco...

É bem capaz - e, para mim, unicamente plausível - que Adèle de fato ame a imagem que tem daquele homem. Mas é uma imagem desgastada, imperfeita, e que não corrobora um aspecto sequer da realidade daquele bruto. É o espectro fantasma de um homem por quem Adèle se amasiara em sua mocidade, o qual, passados anos, já não é mais o mesmo. Não é mais o mesmo porque mudou, mutou, transfigurou? Não. Porque a máscara caiu, e co'a máscara, toda a encenação circense.

Panis et circensis: é o mundo em que vivemos. Encurralados na caverna, tomamos sombras e cavas impressões por realidade. Mas que realidade esta, se até mesmo o Poeta é, primordialmente, um intérprete?

Não queremos ver o que nos abala, pois o que nos abala nos chama à luta. E a luta é o único meio que conduz à vitória. Algo em nós nos deseja dormentes e complacentes, para que conformemos à derrota.

Porque, uma vez desacorrentados, só Deus sabe o que iremos descobrir... Os pontos fracos da Matriz. O olho do dragão.

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