terça-feira, 21 de abril de 2009

Arca Russa (2002)



Senhor...
Senhor...
Que pena que não está aqui comigo.
Você entenderia tudo!
Olhe...
O mar cerca tudo.
Estamos destinados a navegar para sempre...
A viver para sempre.

(
monólogo final)

Um filme sem cortes, já imaginou? Pois Arca Russa, outra criação genial de Alexander Sokúrov (vide A Voz Solitária do Homem), teve a magnanimidade de registrar cena após cena, num desdobrar natural, sem percalços, fluido. Com cerca de 2000 extras (pessoas que não figuram como protagonistas), 3 orquestras e 33 salas percorridas, aliados a um trabalho inimitável dos atores principais, figura como um filme que desvenda os meandros não só do Hermitage, o colossal museu russo retratado, mas de trezentos anos de história eslava: dos czares, da corte e das danças, à irresistível ambiância, tudo reunido numa tomada de 97 min. - que não se faz sentir, deve-se dizer, em ponto algum do filme.

Sergei Dreiden, o marquês de Custine, parece dialogar diretamente conosco, isto é, ao referir-se a um homem postado detrás da câmera, que não se mostra em momento algum e muitas vezes responde coisas compatíveis com nossos próprios pensamentos, na posição de espectadores. Desvelar os bastidores de um museu é instigante, fico pensando, após assistir com maravilhamento e estupefação a essa obra única de Sokúrov.

Também em
A Voz Solitária do Homem (1987), o diretor russo nos apresenta um modo bastante similar de registrar suas personagens, às vezes dando-nos a impressão de nos encontrarmos em um sonho, um sonho tangível, porém inalienável da dura realidade retratada. Digo 'retratada', porque ambos os filmes se distinguem e destacam exatamente pelo caráter fotográfico da filmagem, com certos diálogos e takes preservando-se de maneira quase autônoma na memória de quem vê com atenção.

É mágico quando me deparo com filmes russos tais
A Voz Solitária do Homem, Arca Russa e O Sol Enganador (dir.: Nikita Mikhalkov) e me apercebo da correlação poética que eles mantém com a produção literária desse povo. Trazem ressabores de Dostoiévski, Gógol, Górki, Tolstói, Tchekhóv e Pasternák - sem nada dizer de Púchkin, Turguêniev, Bábel e Marina Tsvetáieva, dos quais ainda não li nada. (...Anna Akhmatova, Blok, Iessenine, Maiakóvski... a lista é imensa!)

A vida
Tal a brisa
Breve
Leve

...

Arroubo poético

Furor, transbordo,
Amor, desacordo

Ciclo hermético.

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