sábado, 18 de outubro de 2008

Porque o mundo não é um mar de rosas

O firmamento já escureceu
Os cirros plúmbeos o cobriram,
Travestiram.
E veio a noite
Açoite.

Todo o positivismo do dia
E junto a alegria
Largaram-me só

O que fiz
E o não-feito
O que diz?
Ah! Dor no peito

Sentir-se desfeito
Contrafeito
Malfeito
Cada ato e seu defeito
Envergonhado...

Por quê?
Por nada, não há explicar
Essa tristeza baixa à noite
Vem de súbito atormentar

Por mais que outros
Sintam-se assim neste momento
Por mais que haja consolação
Não ponho fé em palavras alheias
E o imo é partido em desfiguração

***

Magia, fantasia
Expressão do ser
Seria hiprocrisia
Não dizer...

Sentir-se só em companhia
Apesar de todos
Por que seguir vivendo?
O que impede de morrer
Neste instante?
Será que há mesmo
Algo importante,
Um caminho que seja por trilhar?

Quiçá o desatino ajude
Auxilie o despertar
O nascer d'uma força sáxea
Pétrea e inquebrantável...

Talvez seja somente
Uma desforra ilusória
Temporária.
Talvez não.

Se se procura viver cada átimo vivente
A ignorar a dor que sempre assola
O interior quebradiço, movediço
Passageiro, des-inteiriço
Mestiço...
Fica tudo nisso.

Um segundo a menos
A escrever uma verdade
Um clamor por liberdade
Por que chorar a seco,
Sem lágrimas?
Não há consolo.

***

Jà não vivo mais
Cadê meus pais?

Em vida não os agradeci
Mas hoje, pois, vos digo
Graças a vós eu nasci
Conheci um lar amigo

Passam-se anos, eu cresci
Que caminho hoje eu sigo?
Infância, puberdade, já revi
Trago cá dentro um inimigo...

Quando desejo o bem
Ele pratica o Mal.
Quando busco o além,
Nos meus olhos atira sal.

E dói, contorço-me todo
Me rejeito, me indigno
E tudo que eu respeitava
Com denodo
Fenece ao badalar do sino.

Treme, trepida, tirita
De frio
Fico duro, rijo, brita
Já não rio.

Sou nada.
Sei nada.
Que sou?

Que integridade, nada!
Sou cisma, cisão e divisão
Não enxergo mais a estrada
Caminho no breu da escuridão.

Alcanço o fundo do poço
Ermo, longínquo
Uma profundeza desalmada
Meu coração vira caroço
Minha esperança me é tirada

Dou voltas, reviro, escorrego
Procuro, incansável, suado
Afirmo a vida, não a nego
Mesmo exaurido, não creio em fado

Quero construir, reconstruir
Um castelo fortificante
Que o vento não possa ruir
Que me resguarde
Por um instante...

Quero firmeza, sobriedade
Um recanto seguro pra mim
Pode ser nesta cidade
Mas com jardim, flor
E capim
Um cantinho só
Pra mim.

Estenda-me a mão
Os braços; sim, abraço!
Venha, irmão!
Qual foi meu erro crasso?

Desejo aprender, assimilar
Apreender e estudar
Os aspectos da vida
Por que vivo?
Vou ainda desvendar.

Não se vá
Preciso de ti
Volte cá.

Há tantas lágrimas não derramadas...

***

Isto não é poesia.
Não é elegia
Não é romaria.
Não é.

É vida
É transtorno
É amálgama.
É.

É
Não é
É

Não desejo possuir
Não desejo ter nada só para mim
Não quero mais viver assim.

Que seja qualquer outro jeito que não esse
Que seja cada ato gravado em desinteresse.
Que seja meu único bem minha alma.

Sim, meu testamento virá vazio de materialidade
Veleidade
E repleto, recheado e rodeado de espiritualidade.
Eterealidade, intangibilidade.
Verdade.

3 comentários:

Camila disse...

Ultimamente estou com um sentimento concatenado ao do seu poema.

Fernando disse...

É um 'sentimento' que os budistas chamariam de desapego. E o que a ciência esotérica denomina não-identificação. É bastante complexo explicar algo tão abrangente. Porque é mais que um sentimento, é um modo de agir e de ver.

Camila da Mata disse...

O comentário vai no texto errado, mas enfim:
Adoro absurdamente o Rubem Braga, e não sabia que ele tinha traduzido obras russas. Agora serei obrigada a ler mais alguns livros russos, só para não perder isso! haha

Hahaha, eu também fiquei impressionada com os livros novos da Vergueiro (ah, você que me levou a deduzir que é essa biblioteca, pelo "cartão amarelo", então se não for, eu tenho minha margem de erro.). Eu peguei um livro de lá, "A dama de espadas", que tem um conto homônimo que lembra o Crime e Castigo numas coisas. Na época, pensei em te indicar, mas acabei esquecendo e só lembrei agora. Então fica o conselho atrasado.