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("Werther: A Epopéia do Amar")
Werther! Ah, mas que amigo, que doce criatura, sempre almejando o nenúfar dos deuses em sua mente que tudo procurava abarcar!
A primeira vez que me foi dada a feliz oportunidade de conhecer essa linda criatura enviada pelos deuses foi em um dia particularmente ensolarado, no qual me encontrava com diversas crianças, entre elas meus lindos irmãos e irmãs, infantes encantadores. Seu olhar sempre foi o de um apaixonado, de um ser superior, inalcançável e majestoso.
Estava eu, então, já compromissada com um homem sóbrio e de pés no chão, meu querido Alberto. Pensava, eu, que a presença de Werther era insubstituível, uma vez que com ele pude usufruir de belíssimos e memoráveis momentos, que estarão sempre gravados em minhas mais tenras memórias.
Ah! A noite em que dancei com ele mais se assemelha a um fabuloso sonho! Um sonho que sei não mais retornará, por sua pesarosa decisão de extirpar a própria vida... Embriagamo-nos ao som da música, e desfrutamos de um átimo que mais poderia ter sido minha vida toda. Nossos corpos pareceram se unir naqueles mágicos instantes quando a alma ameaça despregar-se do corpo, e nossos pés mal relam o chão, tamanha é a alegria, em sua mais pura totalidade e extensão.
Daquele evento para a frente, no entanto, tive a merencórica impressão de que Werther me amava de tal forma qual não poderia corresponder, e isto pesou-me deveras o coração. Sua paixão era avassaladora, transbordante, porém não superficial. Pelo contrário, ele amou-me profundamente, mas eu, tola, não quis sacrificar meu engajamento com Alberto.
Que amor tórrido, que paixão violenta! Quando tomei conhecimento de que ele se mudaria, por ser inagüentável estar ao meu lado sem poder preencher seus desejos e, sobretudo, devido ao vazio que ele vivenciava dentro de si, tive vontade de revelar as turbulências de meus sentimentos para Alberto. Todavia, meu intuito deparou-se com a gelidez glacial do pragmatismo do meu então noivo, e percebi que sua natureza era incompatível com a emoção que eu estava vivendo, por encontrar-me defronte a mais meiga e adorável criatura que, em toda minha vida, pudera encontrar: Werther.
Seu afastamento produziu toda sorte de nostalgia e melancolias dentro de mim, efeitos estes que me deixaram desolada, ansiosamente aguardando seu retorno. E ele, enfim, regressou. Todavia, voltara mais balouçado pela paixão do que dantes, pois não conseguira expurgar de suas lembranças a minha pessoa, que ele considerava divina. Pudera eu mostrar-lhe que se enganava, que eu nunca passei de uma criatura humana, e que nada de especial eu tinha. Mas seu coração apaixonado e sua mente inebriada pelo amor seriam simplesmente incapazes de encarar essa simples, porém crua e fria verdade: a realidade.
Eu nunca imaginara que alguém pudesse urdir tamanho afeto por mim, e cria ser aquela jovial paixão um fenômeno passageiro, efêmero por sua natureza impetuosa. Ledo engano meu, visto que ele já nem sequer podia viver sem minha presença envolvendo-lhe o olhar hiante, a alma suplicante.
O inesquecível dia em que ele apareceu cá em meu lar, contrariando ordens expressas para não me procurar enquanto estivesse só, considerando minha posição de casada, foi provavelmente o momento em que ele se apercebeu de sua miserável situação, e julgou humanamente insuportável continuar vivendo de tal modo. Poesias soberbas ele declamou, e choramos juntos, pelo impedimento de gozar um amor socialmente malvisto, impossível de se concretizar. A tonalidade que sua voz assumiu tornou-se um deleite para os meus ouvidos, e as emoções que irromperam confidenciaram a profundidade de sua paixão. Ah, Werther! Tu eras humano, demasiado humano, meu único e verdadeiro amor!
Beijamo-nos como nunca o fora com meu próprio marido... Seus quentes lábios aqueceram minh'alma, o que me faz arrepender amargamente ter seguido meu terrível papel de fiel esposa... Os tempos não voltam, agora sei, e largar-te foi uma besteira que expatriou qualquer amor que eu poderia ainda nutrir dentro de mim! Ai, se eu pudesse perscrutar o que tu sentias, jamais o teria afastado de meu corpo, que vazava amor por ti. Amei-te, homem, mas meu racionalismo não pôde decifrar os hieróglifos de meu coração a tempo!
Dizer que eu sabia que tu já não agüentarías dói-me demais, é-me torturante afirmá-lo. A ferida, que o amor não expressado abriu em meu âmago, cicatrizar-se-á somente no ocaso, no eclipsar da minha dorida vida. Amo-te postumamente, e quão inumano afirmá-lo é... Quão absurdo ter eu pegado nas armas que lhe tiraram a vida, meras horas depois. Oh, que tragédia ter me tornado cúmplice de sua morte, de seu martírio!
Julgava-me cristã, mas se o fosse, teria trilhado o caminho que meu coração bravamente deslindou. Parece-me, no entanto, que eu não era eu mesma ao acatar a ríspida ordem de meu marido, para apanhar os instrumentos letais de que tu... de que tu te servistes para partir deste horrendo e abominável mundo! Meu ser calculista e gélido premiu-se entre a cruz e a espada, entre o amor que tudo demanda e a (in)feliz vida estável de casada! “As aventuras que me negaram o destino”, quereria eu dizer, em avançada idade. Mas não seria, pois, apenas mais uma mentira para mitigar a aspereza da realidade? Não fui, senão eu mesma, quem se negou os regozijos de viver intensamente ao teu lado, à flor da paixão?
Encontro-me, meu amor, à deriva, e meu navio de esperanças vê-se soçobrado no racionalismo duro e materialista, que compõe este mar negro como a noite em que vogo a esmo, perdida na vida, debatendo-me o mínimo possível para, em vão, manter-me viva.
Termino a confessar: sua morte era pressaga: no imo de meu ser pude pressentir a lamentável escolha que tu, destroçado, estavas cogitando. Infelizmente, tu, teimoso, seguiste a tentação. Malgrada, pois, seja a razão, quando prova-se um óbice intransponível - exatamente quando mais ardemos internamente por realizar o bem. Juro-te, apesar de nada valer jurar a ti, agora que morreste: homem igual não haverá para mim nesta Terra! Minha existência sorumbática prolonga-se sem o viço d'outrora, sem o encanto d'olhar, sem o marulho do pensar. A vermelhidão nas maçãs do rosto há tempos me desertou. Vivo lânguida, pálida, a sofrer pelas escolhas que fiz, e com as conseqüências das quais terei de viver. Cada dia sinala o gradual contubescer de minh'alma, a paulatina desrazão de seguir adiante, que quer que isso signifique para os vivos, o que já não mais sou.
P.S.: Amei-te sem saber amar. Confessei-te meu amor sem sabê-lo confessar. Amancebei-me de ti, impossibilitada de me amancebar. Vivo hoje, sem poder saber O QUE É AMAR. Seu espírito e as flamas de seu amor incondicional aquecerão, ad infinitum , a sacra lareira de meu lar - aquela escondida de vil olhar, e que somente o tempo... somente o tempo irá... um dia... apagar...
Apêndice - Carta encontrada no baú de Charles Springfield, pai de Carlota (na carta, ele chama sua filha pelo nome de Lotte, abreviação de Charlotte, o nome com o qual ele a batizara)
No dia em que nasceu minha filha, recebi em casa a visita de uma velha encarquilhada pela avançada idade, de aparência decrépita, já centegenária, Disse-me ela: "Tua filha tem um destino. O nome dela não pode ser senão Lotte". Saiu, sem mais palavras, sem mesmo despedir-se. Fui à porta, em seguida, pedir-lhe explicações, e - Jesus Cristo seja testemunha - ela desaparecera! Hipnotizado pelas palavras daquela velha, eu pus o nome sugerido em minha filha. Ao tomar fato da trágica morte do viril rapaz que o era Werther, e rememorar, pormenorizadamente, sua íntima conexão com Lotte, caí inconsciente por intermináveis dias de desvarios oníricos, quase ficando ensandecido ao retomar consciência. Pois não é Lotte derivado de Lot, 'destino, fado', em sua acepção antiga na língua inglesa? Werther selou seu amor, sem sabê-lo, não com minha filha, mas com o próprio destino! Isso me foi revelado nos dias e noites de extáticas divagações e digressões, por negras florestas repletas de verdades indizíveis, firmemente arraigadas como o mais varonil sicômoro existente. Sem mais.
4 comentários:
Fantástico, Fabuloso... Meus PARABÉNS por este maravilhoso texto! Eu li este livro em 2004, se nao me engano, de fato uma das maiores historias de amor,(risos) ate as ultimas paginas, tornando-se uma das historias que mais me revoltou, seja pela inespressão de amor dela,(inespressão que voce dismistificou em mim atraves de seu texto), seja pelo gesto cruel de como ele deixou a propria vida, sobrecarregando nas maos dela a causa/consequencia de sua morte.
Por meses fiquei pensando como ela poderia seguir com a propria vida, apos tamanha mancha de sangue em seu coração e porque nao, em suas mãos?
um grande beijo!
êêê
parabéééns XDDD
Apesar de ter detestado o livro, seu texto tá muito bom...
:D
Fernando,
Pessoalmente, acredido que o amor ágape, liberta e não faz sofrer...mas também que o caminho para encontrar-se e/ou curar-se também possa ser dolorido, dependo da escolha de cada alma.
Parabenizo-te o belissímo texto e pelo reconhecimento, também por isso abri um link do seu posting no meu blog (autoria devidamente creditada), veja se gosta da apresentação, se te incomodar eu mudo, ou deleto.
Sobre a foto escolhida, sim pode parecer uma prisão, assim como o amor que eu sentia quando conversei sobre isso com a referida amiga.
cuide-se, você é especial
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