Era um dia brando, sem aquele frio de enregelar os dedos do pé, nem com o calor do nordeste, que aferventa nosso sangue. E estava eu voltando da biblioteca, trazendo dois livros novinhos em folha para me divertir. A ladeira íngreme me impelia à frente à medida que eu descia.
O ato de descê-la, até aquele notável dia, tornara-se rotineiro a ponto de eu nada notar, senão meus próprios pensamentos. No entanto, malgrado o tom monocórdico das constantes da vida, deparei-me com uma casa. Era insossa, localizada na intersecção de duas ruas, na calçada à direita de quem sobe. Ah, ela me presenteou com uma memória - e das mais singulares!
Imagine uma simples casa, com poucos cômodos, sem nada que a destaque das demais, como as outras em tamanho, ou quiçá menor. Tinha um aspecto decadente, marcado por fissuras que sulcavam delgadamente suas paredes externas, visíveis ao olho da rua. A incidência dos raios solares naquela ocasião faziam-na brilhar, luzidia e ígnea, deleite visual. Sua muretinha circundante nada escondia de um olhar suficientemente curioso e astuto - como o meu...
Afinal, o ápice de minha andada chegara - sem eu, entretanto, ter-me dado conta disso! Pois sim, a surpresa do dia estava bem reservada àquele momento. Ah, aquele momento em que voltei, como um autômato, meu pescoço em direção ao forte e autoritário odor, que de repente assaltou meu olfato de forma única. Hmm, um cheiro que fez minhas narinas inflarem como um balão. Lembrava-me de algo, não?
Uá, e como não! Rememorava-me do meu tio, decerto. Residente da roça, ele tivera, por um longo tempo de sua - ainda contínua - vida, provavelmente a maior parte dela, o hábito de plantar e colher o "perfume". O destino dessa planta que ele soube caracterizar de forma tão singular era a palhinha. A palhinha que, enrolada e recheada das folhas daquele pé, ardia e reduzia-se rapidamente com cada inalada.
No jardim da exígua casa, pois, abeirava-se das plantas um longevo senhor, cascavilhando a terra com os dedos grossos e já duros pela idade. Estava alheio a mim, que passava de sobrecenho rijo, intrigado. Seria ele um Jung, Freud, ou mesmo um Bertrand Russel, fadado ao anonimato nesta terra brasileira? Todos eles, ilustres em sua ciência, posavam para fotos que posteriormente ilustrariam livros e páginas da web com suas respectivas corvetas* na boca... Infelizmente, ele não estava tão majestoso quanto eles. Era somente um senhor, a segurar sua pipa. Eh! Essa história de que "pipa do vovô não sobe mais"...
*corveta e pipa são sinônimos de cachimbo.
Há 22 horas
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