quarta-feira, 31 de março de 2010

Sou o Voo do Enjoo (II)

"Vertigem", mosaico de Dimitryi Polyakov

Sou o voo do enjoo
Minhas lágrimas entoo
Nestas idas canções

Com voz rouca eu troo
E com ela abençoo
O meu Solimões

Negra a mão que ara o solo
Negra é a mãe, negro o colo
Negros todos aldeões

A madeira e o cinzel
A paleta e o pincel
Sob chuva de trovões

É azul o limpo céu
De cor bege o doce mel
São tão tênues... as estações

Ela vem envolta em véu
E eu vou com meu chapéu
Na fusão dos corações

Confusão sob os trovões
No Rio Negro e Solimões
Toca o sino lá no céu

Oh pequenino menino
É você quem toca o sino...
Cuja corda traz em mãos

Ouça o som do violino
Ouça o som tão cristalino
O bambino tem irmãos

Todos andam de mãos dadas
Ladeados pela estrada
Crentes na ressurreição

Uma alma estagnada
Pode ser sempre a morada
Do divino e a criação.

terça-feira, 30 de março de 2010

Sou o Voo do Enjoo (I)


No vazio eu me vejo
Um breve lampejo
Daquele que sou

E assim me protejo
O nada eu almejo
Sendo eu quem sou

Minh'alma a varejo
Eu nem pestanejo
Sou quem eu sou

Pães rotos e queijos
Abraços e beijos
Eu nada mais sou

Mentiras ensejo
Cartas, desejos
Este sou eu

Sertão sertanejo
Em teu vilarejo
Distante de Deus

Teus pés benfazejos
Teus olhos, revejo
E cá estou eu

Em teu lugarejo
Teus olhos alvejo
O que me restou

Sinto um enjoo
Alço meu voo
Eu me ecoo

Ecoo o Vácuo
Cacos que sou
O Caos me sobrou

domingo, 28 de março de 2010

Vida versus obra


Vida é uma coisa, obra é outra. O intelecto é incapaz de guiar igualmente duas substâncias tão distintas entre si. Valho-me de palavras na arte, e delas erijo um mundo próprio a si, conquanto na vida valho-me de ações - e não há outro modo.

As palavras visam o mundo numênico kantiano: a impalpável realidade pressentida, cogitada, mas ainda assim alheia. Essa realidade de caráter etéreo e tangível ao espírito é o eremitério do artista. O artista como um estranho ao mundo que habita, pois a ele sente não pertencer.

Sobretudo a essa sordidez e a à frígida, leviana concupiscência predominante, mascarante, massacrante. Conquanto viva na efemeridade mundana, o poeta desde cedo entrevê uma essência tênue e atemporariamente eterna, mantenedora da ordem do universo. Um universo que misteriosamente rompe com as barreiras de seu mundo e de sua frívola, diminuta consciência. O poeta é pequeno - o universo, infindo.

sábado, 27 de março de 2010

Life's Quest


Life is a miracle
Oh can't you see
It is so beautiful
And full of glee

Life lingers amid my fingers
It hangs above a tree
I am a thousand singers
And still I've not found me

Nor thee, in my daily quests
Things and facts long forgotten

All them were one day my requests
The path I've trodden
With feet so fast

Is now a way which is my past
My worst moments suddenly the best

Life as a struggle
The feelings I smuggle

My challenge
My never ending battle
My ultimate test

sexta-feira, 26 de março de 2010

Não mude o mudo alaúde

"Bufão com alaúde", Frans Hals, ca. 1625

O tanger do alaúde
Alude à magia ancestral
Por mais que eu me mude
Permanecerei cabal

O dedilhar das cordas
Tesas e tortas, comporta
Um saber incomum

Sou menos que dois
Porém mais que um
Sou num mesmo tempo todos
E sou tão bem o nem um

O tanger do alaúde
Alude ao mágico natal
Nasci com minhas virtudes
Morrerei um tanto igual

Poderá ser o oposto...
Eu ter nascido ruim
A me impedir de ver o rosto
Escondido atrás dum "sim"?

Mi'a nua face disforme
Poliforme atrás de mim

O alaúde polifônico
É a crônica do tempo
Meu universo ultrassônico
Lento, imensuravelmente

Macio retesar das notas
Suaves como aves
Graves em seu voo

O revoar das gaivotas
Ao tilintar das claves
Pássaros surdos sonoros
Sobrevoam canoros

E ecoam as sete chaves
Do paraíso perdido
Abrem ala as asas
No alarido das aves

Vivências, cadências
Um viver virginal
Atenua a existência
Pousa leve em meu umbral

quinta-feira, 25 de março de 2010

Saudades da Multidão

Pessoas se adensam e condensam
Na multidão
Estar



É uma bênção
Ou não

O que é que pensam
Afinal
Em meio ao turbilhão
Homens bons de rosto mau

Há ali um homem são?

A turbamulta traz a culpa
Dos arquétipos de Jung
Nasce já pagando a multa
De ações vis de Mao Tse Tung

A histeria da história
Repete-se pictórica
A massa grossa e vesga
Bestialidades grotescas

Linchamentos, revoluções
Pogroms, inquisições
Alheios ao Firmamento

Homens sem colhões
E sem corações

Fixam num deus seu unguento
E se vão -
Como em vão se vai o vento

quarta-feira, 24 de março de 2010

Seixos Cheios como Seios

Edward John Poynter: Andromeda (1869)

Seus seios são como seixos
Deixam-me em devaneio
Seus seixos são como seios
Deixam-me cindido ao meio

Eu creio somente
Na crueza do seu corpo

Troto em meu corcel
Para te alcançar
Teu corpo cruel
Velado no céu
Banhado no mar

Esfarelo-te inteira
Queiras tu ou não
Como grãos de areia
Prendo-te na mão

Para em vão possuí-la
Em mais uma ilusão
Os teus lábios de baunilha
Sempre doces serão

Se não fossem sempre doces
Não me fariam cativo
E o que mais você trouxe
Para me manter tão vivo

E me reter teu escravo
Sob tuas rédeas carmins
Na batalha qu'eu travo
Para afastar-te de mim

terça-feira, 23 de março de 2010

Cosmogonia

Ilha de Páscoa

Um berro irrompe da terra
Um berro primevo
Um berro de guerra

Um grito de atrito
Saído das trevas
Conflito longevo
O mito primeiro

A voz rompe a noz
Eis o universo
Desfaz-se em nós
Ei-lo emerso

Bón. Ecoa um grande som
Seu imesurável tom
Ribomba em frisson

Cavo cavernoso som
Tóm. Tóm. Tóm.
Cantam as aves
A fala se faz
Em ruídos incontidos
Puramente musicais

sábado, 20 de março de 2010

Um Bordel Chamado Céu

Me falaram sobr'um tal
Poder redentor do amor
Amor branco de avental
Simples, feliz, indolor

Amor branco como cal
Pouco preto, meu senhor
O romance ideal
Sob o manso cobertor

Amor pouco pantanal
Leve demais no tempero
Um amor assim sem sal
Muito obrigado, não quero

Pouco esmero e muito azar
Flor do bem, buquê do mal
Um amor de ensimesmar
Um amor sem meu aval

Um calor já glacial
Feito em hall de hotel
Na cidade de Dachau
Ou na torre de Babel

Linhas túrgidas e tortas
Nem uma o define bem
Fecharam-lhe todas as portas
O rádio quebrou no réquiem

Quem quer um teco de amor
Barato como banana...
Erga os braços por favor
Beija de brinde a cigana

Quem quer um teco de amor...
Chupo cana assobiando
Pão com manteiga e bolor
Meu amor tão leve e lhano

sexta-feira, 19 de março de 2010

Iludir-me Ainda

Minha vida ideal: cinemática
A mulher cabal: pneumática

Eu vivo no crivo
Das coisas mundanas
Nem sei se estou vivo
Se tenho 'inda gana

Minha vida banal...
Não quero dar tchau
Não quero dar tchau
À mi'a vida irreal...

Quero iludir-me de novo
No meu útero materno
Dentro da casca do ovo
Pensamentos sempre ternos

Não é belo e singelo
Viver me iludindo...
Meu rosto amarelo
Em desprezo infindo.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Pilantrinha

Ele queria uma única mulher no mundo
Tão-só você
Ele podia obter qualquer mulher no mundo
Menos você
A mentira é tamanha que o deixa rubicundo
Não posso crer...
Ele queria uma única mulher no mundo
Menos você.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Amor Armênio

Ashy Macbean

Ararei meu Ararat
Exilado em mi'a diáspora
Meu cor duro e rijo bate
Ao ver o tênue Bósforo

Triste acendo a vela
Com meu palito de fósforo
A criança magricela
Esfomeada, de cócoras

Ela, a mãe dela, ambas na cela
A sórdida história
Pútrida, inglória
Ela... não é mais ela
Ela é mazela

A política querela
Latrocinou seus corpos
Vazados olhos de gazela
Vazados... e já mortos

A flauta duduk nos toca
Dos pés à cabeça nos choca
Sua limpidez virginal
Fúnebre memorial

Haysatan, Haysatan
Genocídio Satã
A esperança é tudo
Toda vingança é vã

Meu povo não fica mudo
Nenhuma mentira
Servirá de escudo
Aplacamos nossa ira
Com o fato já desnudo

Flores à tocha eterna
Em pranto, em riso as lançamos
Lírios à pátria materna
Cá desd'os tempos arcanos

O sol bate no Ararat
A visão ainda é nossa
Ilumina a neve em cima
Disto ninguém nos despossa

Territórios não podem
Jamais demarcar almas
Ou ruir sáxeas montanhas

Grãos de poeira sacodem
Em sua paciência calma
Tamanhas montanhas
Ninguém apanha

***

Notas:

Monte Ararat, símbolo nacional da Armênia e para todos os armênios, fica hoje na Turquia.

(Rio) Bósforo, principal rio da Turquia

Diáspora, o Genocídio turco-otomano de cerca de 1,5 milhão de armênios (1894 - 1918) levou-os à diáspora, tanto para países ocidentais, na Europa como nas Américas, enquanto outra parte migrou para os países ao Oriente, como Rússia, Casaquistão, e mesmo países árabes.

Flauta duduk, instrumento ancestral de som magnífico, clique aqui para ver a cantora Isabel Bayrakdarian acompanhada por um quarteto de duduks, na Armênia.

Hay, como os armênios se autodesignam em sua língua

Haysatan, como os armênios designam seu país, que chamamos de Armênia

terça-feira, 16 de março de 2010

Cazuza Alienado

A vida imita a arte
A arte imita a vida
Se a vida imita a arte
É vida empedernida

Eu sou cool
Eu sou smart
Jogo pool
Corro de kart

A arte que se farte
Em sua lírica impura
Corro a mil no meu carte
Na mais veloz loucura

Quem cura a loucura
É a Arte?
A arte que se farte
Em sua lírica impura.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Açúcar Azedo

Sou uma pessoa real
Real enquanto poética
Ficcional e patética
Distância abissal

Sou uma pessoa real
Minha vida esquelética
Lida em voz caquética
Indigesto catatau

Rouca e mouca e louca
Troco de vida, de roupa
Mantenho-me o mesmo
Real irreal e cabal.

domingo, 14 de março de 2010

A Ti, Glauco


Ao querido cartunista Glauco
Villas Boas e seu filho Raoni.
Mais tupiniquins, impossível.


O verde mar azul,
Glauco, é teu arauto
O cenotáfio de Raoni
O alto e guerreiro tupi
Teu mais fiel companheiro

Desenhos teus eu vi, Glauco
E tão alto eu gargalhei
Me tomaram por doido, incauto
Eu não liguei

Glauco, tu moras lá no alto
Santo Daime l'ém cimão
Com São Cosme e Damião

sábado, 13 de março de 2010

Poema Adolescente

Antes meu rosto coberto de espinhas
Que minh'alma repleta de espinhos.

Antes palavras, que azedas, são minhas
Que termos, tão ermos, mesquinhos.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Passos Ambíguos

Duas reiunas pezunham
O amplo campo silente
No passo cru compassado
Do ruim sombrio soldado

Sua bota arrasta bem rente
A lama da relva esparrama
E espirra ainda quente
Gotas da poça na grama

Fadiga andar tantas léguas
Como quem, nu, se esfrega
No ritmo lírico puro
Da vida mais viva vivida.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Lunático-Louco

Já fui louco de tudo
Louco de amor
Louco de dor
Louco, louco mesmo

E agora
Sou só um pouco louco
A esmo

quarta-feira, 10 de março de 2010

Mentiras Verdadeiras


Palavras que
Sem sequer serem ditas
Já saíssem malditas

Palavras que
Calçadas como britas
Rasgassem nossos pés

Os palavrões intercalados
Melífluo mel da mentira
Que ninguém põe
E ninguém tira

Mentiras descem redondo
Cores tênues-pastel
As verdades como estrondo
Em seu belo tom incréu

Verdades somente
Aos poucos que aguentem
Ver sem paixão
O mundo do cão

Tarefa difícil
Extirpar o vício
De ver coisas belas
Em telenovelas

Acostumar a velha vista
A ver o novo mundo
I-mundo tal qual é

Por sob a venda grossa
Eu quero olhar a terra
Sem ornatos nem glosa
Mi'a pátria me desterra
Me ataca e me despossa

terça-feira, 9 de março de 2010

Carcará

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Que tal o amanhã
Da consciência vã
Que tal o amanhã
Da febre terçã
Que tal o amanhã
Da guerra nada sã
Que tal o amanhã
Da humanidade anã

Que tal o dia posterior
Residência e morada da dor
Que tal o dia posterior
Gemidos e uivos d'estertor
Que tal o dia posterior
As lágrimas sob o cobertor

Que tal o dia depois
Sem luas, sem sóis
Que tal o dia depois
Sem preces, sem voz
Que tal o dia depois
Sem eles, sem nós

Que tal o dia depois desse
O suicídio de Pavese
Que tal o dia depois desse
Melhor se esquecesse
Que tal o dia depois deste...
Pois haverá?

***

Pavese: Cesare Pavese (1908 - 1950), eminente escritor italiano do século XX, autor de Trabalhar Cansa (poemas), Diálogos com Leucó (sua visão da mitologia greco-romana na forma de curtos relatos - uma obra-prima sua), e tradutor dos autores anglófonos Daniel Defoe (Moll Flanders), Charles Dickens, Herman Melville (Moby Dick e Benito Cereno), James Joyce (Dedalus), Sinclair Lewis, John dos Passos, e Gertrude Stein.

Suicidou-se em um quarto de hotel, e tinha consigo a cópia de seu livro Diálogos com Leucó - a meu ver, um dos escritos literários mais tocantes de todos os tempos.

segunda-feira, 8 de março de 2010

O Amanhã São as Cinzas

Imagem

Tiros certeiros erram o alvo
E quando o acertam
Erram também

A bomba ribomba
A metralhadora metralha
Prapara-se a tumba
E a branca mortalha

Caindo céu acima
Caindo em Hiroshima
A guerra malsã
Ruiu o Vietnã
Mais um pouco o Irã...

Forja-se o ataque
Destrói-se o Iraque
As cartas na mão
Contr'o Afeganistão

O mundo muçulmano é mau
O mundo ocidental é bom
Coca-cola McDonald's
E pistolas, James Bonds

Rambo é o herói
E Rocky Balboa
Ser burro não dói
Ser Mao abençoa

O nazismo cresceu
O ovo da serpente
Morte aos judeus
O mundo doente

O sionismo cresceu
O ovo da serpente
Assassínio aos palestinos
Nosso mundo doente

Quanta balela aguentamos
Pelamor de Deus
Somos todos nós insanos
Malditos e ateus...?

Tiros certeiros erram o alvo
E quando o acertam
Erram também

Tiros certeiros erram o alvo
E quando o acertam
Dizemos amém.

domingo, 7 de março de 2010

Versus

Amor é maturidade
Paixão, prisão
Paixão é vaidade
Amor, libertação.

sábado, 6 de março de 2010

Elas & Aquelas (O Mundo é Delas)

Em Arco-Íris Reloaded (de Ana Lúcia Martins)

Mulheres aos milhares
Não me fariam ter
O prazer qu'eu sinto
Ao lado de você

E "você" são todas elas
De coração belo, jovem
Tão diferente daquelas
Cujos prantos mal comovem

Pois seria injustiça
Igualá-las todas
Sem qualquer premissa
Chamá-las de tolas

Algumas o são
E nós, por que não
Aqui não há fé
Nem superstição

Separá-las por cores
Seu bobo, não dá
Pardas e negras
Carmim, resedá

O cor é qu'escolhe
O quando de amar.

==

Como realçou o caro Wlamir, o Dia Internacional da Mulher está chegando... e por que não homenagear a que se encontra teimosamente ao nosso lado, que tudo (ou quase tudo) suportou? Ela merece. Disso não há sombra de dúvida. A você, mulher mundial. A você, fenômeno fe-no-me-nal.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Nova Terra Tupiniquim

Não fosse
Minha parva ignorância
E insuportável ânsia
De sempre saber mais

De arpão em mãos
Ou longa lança
Zarparia ao oceano

De aventuras viveria
Ereto sobr'a proa
Meu maná minha magia
Ver o mar bravio qu'escoa

Mal abre o corpo imenso
E fecha-se sem rastro
O céu de nuvens denso
Abala forte o mastro

Castro Alves poetava
Sobr'o navio negreiro
A insuperável saga
Do poeta condoreiro

Mi'a jangada não faz jus
À nau colossal
Que os cativos aduz
O bem sob o mal

Tantos negros deportados
Das suas pátrias natais
Em um tal vil estado
Um não poder sofrer mais

Uma cifra de milhões
Pouco ou nada diz
É preciso ter colhões
Pr'ainda assim ser feliz

Rebaixados como feras
Rudemente engaiolados
A infernal quimera
Gania o seu rosnado

Plaga branca, pele negra
Aferidos como posse
Uma vida tão acerba
Que de câimbras se contorce

A palavra da dor
Lavrava o bruto solo
Tão difícil até compor
Um mero e ralo consolo

Subjugados à faina
Do diário labor
O suor escravizado
Em nada tentador

A dor não amaina
Tão-só molesta
As vaias da História
Timbradas na testa.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Ao monge imolado, Thich Quang Duc


O vivo poder
De indignar-se
Autoimolar-se
Na praça central

Flama
Fogo
Luz

O corpo que inflama
Veloz se reduz

Cinza, carvão
Cinzas no chão

Roto produto
Da combustão

A paz d'alma instaurada
Na nua cabeça
Seu corpo inerte
Por mais que aqueça

Quietude
Plenitude

Cultivadas desd'infância
No mosteiro abobadado
Pôr a alma na balança
O divino alcançado

Na aguda seta da lança

Abdicar-se da vida
Passo a passo consumida
Somente a um espírito
Feito rocha empedernida

Feito a dedo pela vida
Nobremente ofertada
Para o Uno e a Mãe querida
Fez na alma a sua morada

Oh! Alma iluminada
Não se perca jamais
Nos meandros da estrada
Onde o porto e o cais
São a Pátria amada
Dos seres celestiais.

***

Em 11 de junho de 1963, numa intersecção movimentada da então capital do país, Saigon, o monge budista vietnamita Thich Quang Duc desceu de um carro, junto com dois amigos; um deles pôs uma almofada no asfalto, sobre a qual Quang Duc sentou-se calmamente na posição de prática meditativa budista de lótus, ao passo que o outro amigo foi ao porta-malas e pegou um galão de 5 litros de gasolina, que esvaziou sobre a cabeça do mártir. Quang Duc por último recitou uma prece budista, após o que acendeu o fósforo e deixou caí-lo sobre si.

Thich Quang Duc deixou uma carta, na qual dizia:

Antes de fechar os meus olhos e me dirigir à visão de Buda, eu peço respeitosamente ao presidente Ngo Dinh Diem para que tenha compaixão às pessoas de nossa nação, e que implemente igualdade religiosa, para assim manter a força de nossa terra natal eternamente. Eu conclamo os veneráveis, reverendos, membros do sangha (ordem monástica, composta por monges e monjas budistas) e os budistas laicos para que se organizem em solidariedade e façam sacrifícios a fim de proteger o budismo.

O repórter estadounidense que testemunhou a cena, David Halberstam, disse:

Aquela não seria a primeira vez que eu veria aquilo, mas uma vez já teria sido suficiente. Chamas saindo de um ser humano; seu corpo vagarosamente se encolhendo e perdendo as forças, sua cabeça ficando preta e carbonizada. No ar sentia-se o cheiro de carne humana queimada; seres humanos queimam surpreendentemente rápido. Atrás de mim eu podia escutar o choro dos vietnamitas que agora se aglomeravam. Eu estava chocado demais para chorar, confuso demais para tomar notas ou fazer questões, tão desnorteado que não podia pensar... Ao passo que queimava ele jamais moveu um músculo, jamais emitiu um som sequer, sua compostura externa em ríspido contraste com os prantos das pessoas acumuladas em volta dele.

Policiais que tentaram alcançá-lo não conseguiram passar pelo círculo formado pelo clero budista. Um dos policiais jogou-se ao chão e prostrou-se diante de Thich Quang Dunc em reverência. Os espectadores estavam quase todos paralisados em silêncio, mas alguns choravam e vários começaram a rezar. Muitos dos monges e monjas, assim como alguns transeuntes chocados, prostraram-se diante do monge em chamas. Em inglês e vietnamita um monge declarava repetidamente ao microfone: "Um monge budista queima-se à morte. Um monge budista torna-se um mártir."

Após aproximadamente dez minutos o corpo de Thich Quang Duc tombou para frente na rua e o fogo se debelou. Um grupo de monges cobriu o corpo chamuscado com roupões amarelos, levantaram-no e tentaram fazê-lo caber dentro de um caixão, mas seus membros não se dobravam, e um dos braços projetou-se para cima enquanto ele era transportado ao pagode (templo) de Xa Loi, na Saigon central.

Seu corpo foi cremado durante o funeral, mas o coração de Thich Quang Duc permaneceu intacto e simplesmente não queimou. Consideraram-no sagrado e o colocaram num cálice de vidro, no pagode de Xa Loi. Essa relíquia é tida como um símbolo da compaixão, e Thich Quang Duc tem sido subsequentemente reverenciado por budistas vietnamitas, como sendo um bodisatva ('ser de existência iluminada').

Fonte: Wikipedia.

Bom, agora creio que você pode reler o poema e entendê-lo da primeira à última letra, tão bem quanto eu o entendo e o sei de cor.

terça-feira, 2 de março de 2010

Simples Assim


Minha cara Karen
Ver as pessoas se amarem
Toca o mundo todo
Num segundo

Limpa o lodo imundo
Um engodo para amar
Este amor fecundo
O tão bom gostar

Esta viva alquimia
Transformar o chumbo em ouro
E do poço mais profundo
Rebuscar nossa alegria

Escuta-se o estouro
Começa a folia
Ponho a coroa de louro
Neste sol de meio-dia

O cachecol de frio
Eu jogo mesmo fora
Eu rio, e rio e rio!
Da paz que jaz em mim

É agora, é agora
É assim, é assim
Eu caso nesta hora
E brindo com tim-tim

segunda-feira, 1 de março de 2010

A Johnny Cash

Tenho andado assim doente
Empurrado na corrente
Deste rio anil sem fim
Já sem lágrimas pra mim

Minha alma penitente
Traz em si o grão-presente
O meu bravo Robin Hood
Meus idos amores
Separados por cores
Mi'as caras bolinhas de gude

Tantas coisas eu não pude
Dizer ou definir
Coisas tais mi'a mente alude
E só meu cor pode sentir

Quand'eu sento e choro mudo
De alegrias estou surdo
Olhos cimentados, nublados
Mau-humor é meu escudo

Meu arnês de ferro e cobre
Já tão gasto se faz nobre
Recobre-se de pó, só
Sisudo e teso sofre

O forte odor de enxofre sobe
De tantas velharias
No tempo amealhadas
Sem qualquer categoria

Meus souvenirs de estrada
Duma morta idolatria.