The times are changing
The leaves are clinging
The boughs are hanging
Em minha humilde opinião, a não-cooperação com o mal é um dever tão importante como o é a cooperação com o bem - Gandhi
(foto: capa da edição lançada pela Círculo do Livro, s/ ano)
Dom Quixote de La Mancha, escrito por Miguel de Cervantes Saavedra, encontra-se, hoje, traduzido em todos os idiomas escritos. Ao longo dos seus quatro séculos de história, foi o livro mais publicado, perdendo apenas para a Bíblia.
Os livros mais publicados, cem anos após a invenção da máquina impressora, por Gutenberg, eram os de cavalaria. Esse ramo literário era difundido, principalmente, por meio da leitura em voz alta, que se fazia aos que não sabiam ler. Sua qualidade, no entanto, decaiu rapidamente, atraindo, para si, crescentes críticas, já em sua época. Pode-se fazer uma analogia, no tempo presente, à condenação do conteúdo televisivo. Veiculado de forma massificada e muitas vezes desprovido de conteúdo, mostra-se, claramente, de nula finalidade artística. A mesma crítica que se fazia aos romances à la Távola Redonda, quatro séculos atrás.
Cervantes inovou na literatura de então, ao realizar uma paródia, escancarada e pungente, aos livros de cavalaria, no decorrer das façanhas, diálogos e fatos quixotescos. Em suma, este estro literário em grande parte explica o porquê de, mesmo após os livros de cavalaria terem caído em pleno olvido, no século XVII, Dom Quixote ter perseverado imbatível em suas reedições.
Quanto à sua vida, Cervantes nasceu no seio de uma família de classe média. Ainda muito jovem, feriu, para sua infelicidade, um membro da nobreza. Para fugir à sentença de ter um membro amputado, a pena então comumente imposta para este tipo de infração, Cervantes fugiu a Roma. As intrigas e a rotina hedonista da sua vida naquela cidade estavam, todavia, muito aquém das aventuras que idealzava.
Alistando-se na Marinha, combateu pela Santa Aliança à bordo da galera Marquesa, na batalha de Lepanto - travada contra os turcos. Cervantes escapou por um triz, gravemente ferido. Jamais recuperaria o movimento da mão esquerda.
Em 1575, decidiu voltar à Espanha, mas foi feito prisoneiro, por uma inacreditável ironia do destino, justamente por piratas turcos, sendo levado como escravo. Por razões de impossibilidade de pagamento de seu resgate, passou longo período em cativeiro, o que marcou definitivamete sua obra.
Volvendo, por uns instantes, à sucinta análise de sua obra: em primeiro lugar, o que é um fidalgo? Na sociedade da Idade Média, os fidalgos eram herdeiros da casta guerreira, pertencentes à baixa nobreza. Era um estamento social deslocado, desvalorizado.
Sancho Pança era seu escudeiro, o que então se denominava aio. Além de encorparem a corriqueira formação cavaleiresca – composta, essencialmente, pelo cavaleiro e seu escudeiro -, o desventurado fidalgo e seu companheiro não deixam de ser, também, uma autêntica dupla de sucesso, repetida inumeráveis vezes, tanto na literatura como no cinema. Sherlock Holmes e o Dr. Watson, Tom Sawyer e Hucleberry Finn. Um é o nobre cavaleiro folhetinesco, que primeiro se atraca aos embates para depois refletir. O outro, construído à sua contraposição, é o que pensa antes de entravar qualquer combate. Um é o amo, o outro, o criado. São unidos, sobretudo, pelo respeito mútuo, pela relação de amizade, pela mútua compreensão. Quixote preocupa-se com Sancho como se este fosse seu próprio filho. E Sancho, como se seu amo fosse um pai ou avô - isto é, algo ensandecido.
O mundo quixotesco é ambivalente. Contrapõe, fundamentalmente, o ideal ao real. Revelando a cisão entre ambos, acaba por desvendar, também, as próprias paixões humanas. Sancho e Quixote são personagens complementares, porque antagônicos.
Entre os pontos cruciais presentes na estória, figura, sem dúvida, o da comicidade: Episódios que salientam a composição cautelosa, por parte do escritor, das imagens reproduzidas nos diálogos. O leitor consegue ver diante dos olhos a tragicomicidade das cenas. São tão vivas que chegam a trazer reminescências dos filmes satíricos de Charles Chaplin. Ao invés de nos sentirmos compelidos à compaixão, somos movidos à gargalhada, ao riso. Cervantes chega ao ponto de satirizar, de forma mordaz, certa passagem de Orlando Furioso, do italiano Ludovico Ariosto, em que o protagonista encontra-se, desnudo, a clamar, chorando, por seu amor.
Retornando à prisão do autor: Cervantes estava trancafiado em Argel havia mais de 5 anos, quando sua família finalmente pôde amealhar a quantia requerida para libertá-lo.
Voltou para casa com o intento de dedicar-se à carreira de escritor, produzindo obras teatrais de boa qualidade. Sua ambição, em vida, manifestou-se de duas maneiras: em uma primeira fase, como militar combatente. Na segunda, pela produção literária.
Tornou-se, eventualmente, uma espécie de coletor, confiscando cereais e azeite. As paisagens por que viandou foram, considerando-se sua heterogeneidade, inestimáveis para a descrição dos lugares retratados em Dom Quixote.
Mal havia Cervantes se consolidado em seu trabalho, quando foi encarcerado, por razão de atraso nos pagamentos. Já constava com mais de cinqüenta anos, e o desencanto e a desilusão, prementes, por que passara, acabaram por firmar-se em sua obra toda.
O Iluminismo foi a derrocada de Dom Quixote: novos modelos esconjuravam o louco da alteridade aceitável. Foi, portanto, somente com o irromper do Romantismo que o louco transfigurou-se em herói admirável, abrindo espaço para uma releitura muito mais acurada de Dom Quixote.
O trágico e o cômico, magistralmente justapostos no livro, não eram, para sua época, de todo originais. O que confere originalidade à obra é o fato de Dom Quixote ser classificado, no âmbito acadêmico contemporâneo, como a primeira novela moderna. Cervantes não é, decerto, o primeiro narrador moderno, mas sua novela o é. O início da narrativa remonta ao contar que se faz diretamente à audiência, a uma narrativa oral.
No decurso da leitura, é possível dar-se conta que o jogo narrativo entrelaça ficção à realidade. Na segunda parte, Pança e seu amo comentam, metalingüisticamente, acerca da própria obra.
Outro aspecto que urde a obra é a ingenuidade: Quixote cria na palavra de honra. Ele encarna uma visão decente e generosa do ser humano, uma visão estável da condição humana. O problema, entretanto, é que o mundo muda, e os personagens, no fim, não são como deveriam ser.
Um tema que Cervantes soube tão bem ilustrar é o do louco lúcido: Mostra-nos uma maneira diversa de se enxergar o mundo. Quixote avança contra os moinhos, em uma evidente expressão de inconformidade e rebeldia. Seu ato pode ser relido como um grito à rotina, à condição blasé de ver sempre as mesmas coisas, sempre do mesmo modo. Por sua vez, os moinhos a que se lança podem ser vistos sob o escopo moderno das máquinas e da robotização que nos envolvem. O lixo industrial, gradualmente a nos enterrar vivos, é o que Dom Quixote combateria nos dias de hoje. Já no mérito da psicologia, Quixote é a personificação do superego, a parte de nossa psique que idealiza, que busca ideais a alcançar.
Outra mensagem transmitida pela obra é a de que a liberdade humana encontra-se um patamar acima da Justiça. É a soberania da liberdade sobre todos outros valores, a oposição ferrenha ao aprisionamento do ser humano, em um sentido integralmente metafórico. Crê, Quixote, na justiça universal, sendo, por isso, condenado ao degredo, à anátema social. É a utopia viva.
Quixote renuncia a própria vida de maneira estóica, para a sobrevida de seus princípios. Brada, pois, ao cavaleiro, que o mate, que ele não é capaz de desdizer o que crê sobre Dulcinéia. Finaliza, afirmando ser o homem mais desgraçado deste mundo. Ora, não é o mais desgraçado dos homens aquele que desiste de seus ideais, sob a invariável pressão do mundo?
Quixote cumpre sua palavra de cavaleiro. Embora seu ulterior sonho não se concretize, o brilhante autor de Ensaio Sobre a Cegueira, José Saramago, expostula que quem morre, de fato, é senão Alonso Quijano, o fidalgo. Dom Quixote persiste. Dom Quixote - o escorreito modelo do melhor lado do ser humano – tem a nos ensinar que: a nossa vida, conquanto seja, individualmente, uma mera fração da condição humana, reside no poder contar uma história dignamente nossa.
Fonte: Documentário legendado, de língua espanhola, “Cervantes e a Lenda de Dom Quixote”, que pode ser visto clicando-se no próprio nome, acima (está hiperlincado).
Hiroshima é uma cidade queimada, uma cidade de cinzas, uma cidade de morte, uma cidade de destruição, as pilhas de cadáveres são um protesto mudo contra a desumanidade da guerra.
[...]compreendi[...]que a guerra é um assassino sádico dos seres humanos, sejam jovens ou velhos, sejam homens ou mulheres.
...Sabe, dizem que o novo tipo de bomba que deixaram cair em Hiroshima pode conter a potência de vários milhares de bombas comuns de cinqüenta quilos no espaço de uma caixa de fósforos. Algum químico realmente repulsivo deve ter descoberto isso. Se eles vão sair por aí usando-a para matar pessoas, não sei como as coisas vão ficar.