sábado, 16 de maio de 2009

Safrana, ou o Direito à Palavra (Sidney Sokhona, 1978)

Safrana, ou le Droi à la Parole concentra-se na vida estável de quatro imigrantes africanos negros, politicamente ativos na França. Sendo operários, decidem-se então tornar-se camponeses, numa espécie de estágio em agricultura. O fato deles todos terem lavrado o solo em sua terra natal - antes de imigrarem à França - explica essa iniciativa, cuja intenção é lembrar os imigrantes africanos dos problemas que grassam no continente que deixaram para trás: a seca, as pestes, o solo exaurido.

Dessarte, esses idealizadores moldam uma forma de serem mais uma vez solícitos com a terra que os gerou. Talvez a grande questão que se faz ao assistir ao filme, no entanto, seja a do vínculo com a realidade: conseguiram eles, os imigrantes reais, fazer algo por suas pátrias? A verdade fica que a miserabilidade da África não apresenta sinais de mudança, esta África subsaariana, esta África pobre que é a primeira a suscitar imagens à minha cabeça ocidental.

Uma cena provoca sobressaltos, devido ao alto teor de discriminação étnica: Mamadou trabalhava como gari nas ruas parisienses, antes de partir para o interior com seus companheiros. Estava ele, pois, em seu serviço diário, com seus colegas de trabalho, retirando o lixo das latas metálicas, quando, à sua esquerda, viu sair dum carro conduzido por chofer uma típica madame - branca of course. Seu cãozito, um poodle alvacento como a dona, meteu-se numa lata derribada. No que Mamadou de pronto se prostrou para pegar a nívea e mimada alimária de colo, soa imponente a voz feminina, no auge dum vitupério racista: "Não toque nele! Ele já está sujo o suficiente."

P.(ost) S.(criptum): para extrair da lata o bicho, a (tão) agradável e endinheirada senhorita não iria se dar ao luxo (ou melhor, à pobreza...) de se curvar ou (infâmia!) abaixar-se, não é? Ao que logo chamou no mesmo timbre irritante o motorista, na visão da afortunada moça de sociedade um reles faz-tudo, factotum - possivelmente um bibelô. Imagina as mãos do crioulo-lixeiro tocando a cândida lanugem de seu incólume poodle! Oh [mão na boca em sinal de indecoro à vista] Im - pen - sá - vel!

É. Xenofobia é crime, mas fala baixo por favor. E venho pensando que as pessoas xenófobas não são meramente xenófobas (ou seja, tais pessoas não se restringem à mesquinha aversão a estrangeiros de qualquer naipe), mas são verdadeiras alter(ó)-fobas, isto é, elas tem medo do outro. De qualquer um que não se assemelhe a elas... em termos humanos, é aterrorizante ter pessoas assim pegando o mesmo ônibus, o mesmo vagão de metrô, sentando-se nas mesmas salas da faculdade que eu, quiçá se infiltrando no meu círculo de amigos, quiçá já lá dentro... quiçá seja eu?

E então?

Que fazer?

Hã?

Heu, eu! Traga os sinos da mudança. Já são horas de retinir!

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