quinta-feira, 28 de maio de 2009

Garibaldi e a lebre

José Garibaldi vivia em luxuoso chatô à beira do rio Sena. Pleno século XVII, passava o tempo livre (e todo tempo era livre a esse aristocrata) a ler romances de cavalaria, já tendo lido Chretien de Troyes e uma porção dos renomados escritores da época.

Ele era instruído na espada, na poesia e na arte heráldica. Seu castelo ricamente mobiliado era um excelente local para se descansar e repousar. Foi assim que certo dia ele acordou esfaimado e desejoso da carne de lebre. Sendo extremamente seletivo no paladar (era essa a maior de suas habilidades), jamais comeria carne de coelho à guisa de carne de lebre. Chamou seu criado, Bertrand, e este acolheu com deferência as exigências aperitivas de seu senhor. Canalha, pensou.

Na caçada, mais malogrado não poderia ter sido. Os ladridos dos cachorros, roucos pelo frio, só serviam a espantar os já acuados habitantes da temperada floresta. Bertrand, que até aquele dia nunca voltara de mãos abanando, matou e pelou o gordo gato da cozinha gordurenta e pendurou-o no gancho destinado às carnes.

Seu amo, passando como de hábito pela cozinha, a fim de aspirar os cheiros saborosos que tanto agradavam o nariz, viu aquela opulenta peça de carne quase derribando o forte gancho do teto. Oh! Mas que lebre gorda, Bertrand! Assim tu vais tornar-te o maior caçador deste cantão, hein?! Mal pensara ele que uma lebre não chegaria a oitenta centímetros de comprimento, em circunstâncias normais.

O logro de Bertrand foi um sucesso no início. Regojizava-se do feito. No entanto, como sabe muito bem o ledor, tendo a mentira corpo longo, as pernas curtas já não lhe são de muita serventia na caminhada. E o jardineiro do castelo, se fosse um gato, já teria morrido de curiosidade.

Passava, pois, Louis pelos aposentos que abeiravam à cozinha, quando sentiu o olor magnífico de carne assada. Ergueu-se na ponta dos pés, deu um semi-pulo gracioso de 360º, e deu aquela inspirada de revirar os olhos. Sua barriga, que descrevia um semicírculo no colete de lã, principiou a roncar sonoramente. Lambuzou os beiços e sorrateiro entrou na cozinha. Tudo ali lhe agradava de inteiro: paredes de pedra ensebadas que o dedo chegava a escorregar; o aroma salobre da conservação primitiva de alimentos aguçava-lhe a voracidade já costumeira.

Qual não foi então o susto do empolgado Louis ao topar com o robusto felino da cozinha metido num espeto considerável, e com uma maçã vermelha como o arrebol da tarde escancarando-lhe a boca! Tonitruante foi a gargalhada que soltou! Não aguentava-se de rir, dobrava-se, ficou ruborizado, mais que a maçã, latejavam as veias da testa, as pernas já não o seguravam. Garibaldi veio averiguar o que era causa de tamanha histeria, e deparou-se com o criado no chão, já sem forças para trabalho de valor. Emitia ainda os últimos suspiros da loonga risada, bafejando um "ai, ai, ai" e o rosto ainda incandescido pela Comédia aristotélica que presenciara.

- Que foi Lou?

Louis fez sobremaneira um esforço para arribar os olhos e soltou a pérola do dia.

- Nada não, mestre. Cuida que não come gato por lebre, hã...

O gato estava realmente delicioso. Bertrand foi inevitavelmente condecorado com a primeira garfada. Salutar, salutar.

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