Cada leitura me faz viver mais, reveste-me do anseio por viver, por aprender mais, e, com um pouco de esperança e idealismo, quiçá descobrir um pouco sobre mim. E só por isso eu vivo - sem minhas leituras, nem meus próprios pais me salvariam, nem o curso e a faculdade que eu amo, amigos. Lendo, eu tenho esperança. E por isso eu escrevo.
Em 2006, por exemplo, li Macunaíma. Tinha quinze anos. Quinze anos e deprimido. Segunda à sexta, de manhã, ía à escola, não sei por que, mas a odiava. Na verdade, eu sei muito bem o porquê - porque a imaturidade dos outros me enojava. Podiam sobressair-se em nota, mas eram piores que pirralhos - eram pirralhos arrogantes. Um termo nada agradável, facilmente ricocheteável, sei muito bem disso. Eu mal comia, meu intestino vivia mal-regulado (talvez a razão anterior justifique), fumava escondido, na calada da noite, jamais fora de casa - a circunspecção dá-se melhor na própria residência, é sob o nariz que se esconde melhor, e sob à guisa de santinho que se arquiteta o inferno - mas, no meu caso, já não era para tanto.
À tarde, terça e quinta, era o japonês, que tanto me ajudou a viver, ou pelo menos nisso eu creio. Pode ser no fundo falso, mas algo ali me inspirava o amor pelo conhecimento e pela dedicação ferrenha ao estudo, algo ali me borrifava, ruborizando-me de vitalidade, vontade irrefreável de aprender, instaurando em mim uma crença profunda em minhas possibilidades... "que se ferrem os professores que mal me conhecem e se arrogam o poder de me julgar mal", cheguei a pensar.
De sábado o inglês. Lembro muitíssimo bem da professora Martha, tão querida, pois teve toda a paciência do mundo para escutar minhas angústias após as aulas, para me apoiar, me inflar de um amor materno qu'eu carecia enormemente naquele ano. Como pode uma pessoa tão boa vir à Terra e firmar-se bem em nossa vida, eu não sei. De súbito ela nos aconselha como se tivesse uma escuta telefônica com o Deus onisciente das religiões monoteístas, infundindo-nos dum amor e dum carinho eminentemente verbal, mas que findam por nos envolver integralmente. Martha, você pode orgulhar-se de uma coisa, caso isto chegue a ti um dia: foste tu que me devolveste a esperança, a confiança, erguendo-me a cabeça pesarosa e apontando à porta, logo à frente. The way out. A caminhada descalça sobre os seixos foi minha, mas graças a ti eu pisei com firmeza - tu me indicaste a direção e a porta, ninguém poderia sequer pedir mais.
Dedico esta escrita mal-escrita acerca da esperança a todos aqueles que me ajudaram, direta ou indiretamente, naquele ano de procelas (auto-)destrutivas. Kobayashi sensei, profª Dorothy, teacher Martha, profª Marly, prof. Salmaso, meu irmão - o santo de casa que fez verdadeiros milagres para me (re)animar a estudar Matemática e Física, mostrando-me que a verdadeira inteligência está no espírito, no poder de decisão, no aqui e no agora.
Que para poder é preciso antes saber, é universalmente aceito. E só quem passou da miséria à bonança (no meu caso, em termos de aproveitamento escolar), sabe a significância intrínseca a isso. O professor que te olha com respeito e te reconhece com orgulho por todas as horas de estudo a que te afincas em casa. Poderia estar inerte frente ao tubo de raios catódicos, ou deixando opacos os azulejos do banheiro, com aquela Playboy na mão...
Mas não - você deixou de ser o "aluno com dificuldades" para tornar-se o aluno vencedor. Nem coitadinho, nem reverenciado - você aprendeu mesmo foi a amar a si mesmo, respeitar-se, deixando de lado a odiosa autopiedade, auto-comiseração, que tanto nos rebaixa e nos avilta e nos estanca. Foi esta a maior lição extraída do árduo processo de aprendizagem, naquele ano, 2007. Aquele ano.
Por mais que você (eu) se (me) esqueça frequentemente de tudo isso, o fato é que a esperança tornou-se companheira de estrada - com ela se vai pra cama e dela se acorda junto nos arrebóis matutinos. A esperança deixa de ser simplesmente a última que morre. Um é a unha, a carne é ela.
Garra.
Ganbatte ikimashoi!
Há 20 horas
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