Sonhei que estava deitado, observando o que aparentava ser um cachorro sobre o sofá. Não estávamos distantes. De repente, ele faz menção de se sobreerguer e então percebo que não era um cão, mas um camelo! Ou melhor, nem mesmo um camelo, porém um dromedário!! E ele salta grácil do divã ao chão, quase que dotado de um orgulho aristocrático no pular gracioso. E assim some de cena.
Portanto, permaneço jazendo observante sobre minhas costas, estirado, como que para dormir. Não penso em nada, apenas estando ali. De súbito, meus pulmões se inflam de maneira visível e assombrosa, e eu passo a urrar como um camelo em dor. Agonizante. Os urros são altíssonos, num crescendo de dor e morte até que... de todo cessam, e me vem à cabeça, como o mais simples e ingênuo dos pensamentos: "Agora note como respira com naturalidade. Durma."
Na verdade, eu acordei logo após supostamente ter dormitado no sonho. Havia pernilongos também em uma cena onírica não muito diferente daquela do camelo, ou melhor, dromedário. Mas, mesmo havendo essas criaturas hematófagas sobrevoando meu leito, eu me encontrava num ambiente no mínimo relaxante.
O fato é que, ao acordar, o quarto encontrava-se repleto deles - seu zumbido quiçá em grande parte sufocado pelo barulho operacional do computador. No entanto, com ou sem zunido, seguiam eles em sua rotina de picadas e sobremesa, sem maiores sobressaltos. O que me fez, decerto, levantar-me e mendigar, sonâmbulo, até a sala, com colcha e almofada em mãos.
Tendo acabado de me acomodar no inconforto mole e estreito do sofá dali, uma muriçoca tenaz me desperta furioso com seu vôo sônico e rasante aos sensíveis órgãos auditivos meus uma vez na penumbra. Acendo a luz, tapando os olhos ainda sonolentos e levemente fotofóbicos, até que estes se acostumam à luminosidade reinante, e eu tomo conta que não era um mero perna longa quem me fizera levantar num ímpeto furibundo, mas bem um kamikaze sob os auspícios de Sr. Mosquito! Oras!
Agora ele já deve ter encontrado algum recôndito alheio à minha atual perspectiva. Quando eu me decidir por deitar uma vez outra, aposto contigo do retorno imediato do Deus do Vento, destinado e obstinado a cantarolar-me serenatas - à la 9ª sinfonia - no curto decorrer restante das madrugas.
Às vezes, o bom-humor é o melhor descanso sobre a face desta Terra... ha!
Nada como um dia dissimilar, uia uia.
***
Então, lembra aquele rosto, aquele gosto? Aquele mosto de uva, aquela singular sensaboria de mais um ido dia?
Recorda? Aquela manhã e a linda cunhã, servindo xerelete* na travessa? Toda digna e portentosa, sem a mínima pressa? Hmm... que peixe, e que travessa! Com vista pro mar, ainda! Aquele dia, sim, fomos todos o poeta que melindra, a dizer: "Não ainda! Não ainda! Fica, manhã linda, fica conosco até o ocaso!" Será que foi um sonho, ou somente mais um caso? Ah, mas eis a graça da vida! Por que estragá-la tão logo cedo, mancebo!
Memora? Nós, no caiaque, o mar com neblina, a tímida chuva sobre nós, lubrina fina? Como um véu hidratante, a mostrar-nos que o mar tambem se ergue, e se deita sobre nós - e nisso nada há de vil, ou de atroz. É puramente o mar, alojando-se em nós. Agonia é o nosso dia-a-dia. Pois nem quando o caiaque virou, seu truculento! O cenotáfio está mais pra iguaria. Hum.
E aquela vez, chuvosa, que pulamos no mar, e pensamos alcançar o grande monolito submerso pelas águas? Nossa ida, com todo seu empenho e esforço, foi fácil façanha ante a volta envolta em fadiga e fado - pessimista cantiga a nado. O cruzeiro! Ah, o cruzeiro! Mirava-nos ao longe, e nós retribuíamos o gesto, em pé sobre a pedra, em pé sobre o mar. Quão fantástico é sequer cogitar estarmos sós no mundo! Tal ilusão não afeta o ermitão, ah, certamente que não! Nadar e mar rimam, porque compreendem um mesmo orgânico pulsar. Nadar no mar. Nadar-ram no mar. Sim, pois, nadamos! (e nos minutos de descanso, treslemos um bocado acerca de Raul Seixas. Ou melhor, tu monologaste!)
E cá estamos - em retorno à civilização! Os dias de jaca e os dias de festa! A jaca partida na rocha da floresta! Ha! Sei que tu também te lembras, do ato selvagem. Pois como não o seria? Estávamos imersos na selva, e faca não havia. Desafogamos nossa fome em meia jaca. O resto virou alimento do solo, e dos bichos, que apenas escutamos. Hoje, sim, temos impressa, a maturidade da juventude na testa!
Não há do que reclamar, pois cada história é uma conta a fiar - o fruto, é o colar. Ornamento do que vivemos. Memento do que aprendemos!
Singremos, enquanto há leme - enquanto há vida!
*Bem, na verdade não era manhã, mas início de tarde. Enfim, mas não importa. Ah! E era cavala naquele dia, xerelete, aliás, havia sido no outro. A cavala foi comida na aldeola de Palmas. O xerelete, na cidadela remanescente de Dois Rios. Ambas localizam-se em Ilha Grande.
Recorda? Aquela manhã e a linda cunhã, servindo xerelete* na travessa? Toda digna e portentosa, sem a mínima pressa? Hmm... que peixe, e que travessa! Com vista pro mar, ainda! Aquele dia, sim, fomos todos o poeta que melindra, a dizer: "Não ainda! Não ainda! Fica, manhã linda, fica conosco até o ocaso!" Será que foi um sonho, ou somente mais um caso? Ah, mas eis a graça da vida! Por que estragá-la tão logo cedo, mancebo!
Memora? Nós, no caiaque, o mar com neblina, a tímida chuva sobre nós, lubrina fina? Como um véu hidratante, a mostrar-nos que o mar tambem se ergue, e se deita sobre nós - e nisso nada há de vil, ou de atroz. É puramente o mar, alojando-se em nós. Agonia é o nosso dia-a-dia. Pois nem quando o caiaque virou, seu truculento! O cenotáfio está mais pra iguaria. Hum.
E aquela vez, chuvosa, que pulamos no mar, e pensamos alcançar o grande monolito submerso pelas águas? Nossa ida, com todo seu empenho e esforço, foi fácil façanha ante a volta envolta em fadiga e fado - pessimista cantiga a nado. O cruzeiro! Ah, o cruzeiro! Mirava-nos ao longe, e nós retribuíamos o gesto, em pé sobre a pedra, em pé sobre o mar. Quão fantástico é sequer cogitar estarmos sós no mundo! Tal ilusão não afeta o ermitão, ah, certamente que não! Nadar e mar rimam, porque compreendem um mesmo orgânico pulsar. Nadar no mar. Nadar-ram no mar. Sim, pois, nadamos! (e nos minutos de descanso, treslemos um bocado acerca de Raul Seixas. Ou melhor, tu monologaste!)
E cá estamos - em retorno à civilização! Os dias de jaca e os dias de festa! A jaca partida na rocha da floresta! Ha! Sei que tu também te lembras, do ato selvagem. Pois como não o seria? Estávamos imersos na selva, e faca não havia. Desafogamos nossa fome em meia jaca. O resto virou alimento do solo, e dos bichos, que apenas escutamos. Hoje, sim, temos impressa, a maturidade da juventude na testa!
Não há do que reclamar, pois cada história é uma conta a fiar - o fruto, é o colar. Ornamento do que vivemos. Memento do que aprendemos!
Singremos, enquanto há leme - enquanto há vida!
*Bem, na verdade não era manhã, mas início de tarde. Enfim, mas não importa. Ah! E era cavala naquele dia, xerelete, aliás, havia sido no outro. A cavala foi comida na aldeola de Palmas. O xerelete, na cidadela remanescente de Dois Rios. Ambas localizam-se em Ilha Grande.