segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A Arma Ainda Quente e Esfumaçando

Sob forte pressão internacional, Israel admitiu ter utilizado fósforo branco contra os palestinos. Uma arma proibida pela crueldade dos ferimentos que causa: produz feridas dificílimas de se cicatrizarem e queimam gradualmente a pele e a carne até restar somente o osso. Médicos não sabiam o que fazer - e, na verdade, pouco poderiam fazer contra uma arma designada para matar com dor, e que deixa apenas uma remota possibilidade de recuperação da vítima.

O Departamento Central Palestino de Estatísticas revelou as cifras do ataque: 4.100 casas destruídas e 17.000 outras danificadas pelo bombardeamento israelense por ar, terra e mar. Cerca de 1.500 fábricas e oficinas deitadas à terra, somadas a 25 mosteiros e 31 edifícios do governo. Isso sem contar a destruição da infraestrutura do saneamento do País, com 10 canos de esgoto ou água também danificados.

O Departamento palestino ainda estima o valor dos danos físicos e estruturais até agora detectados como em cerca de 1.9 bilhão de dólares (o que corresponderia a R$4.400.000.000, cerca de metade do PIB palestino estimado no ano de 2005). Tal valor inclui cerca de 200 milhões de dólares (mais de 460 milhões de reais) de danos à infraestrutura.

O Memorial do Holocausto Palestino busca relatar as atrocidades que ocorreram no território palestino. Vários médicos já estão juntando esforços com essa iniciativa para trazer ao mundo o que viram nesse período de ofensivas israelenses.

Em 22 dias de ofensiva israelense, cerca de 1.300 palestinos foram mortos, incluindo 400 crianças. 13 israelenses morreram. Como havia exposto num artigo precedente a este, foram assassinados 100 palestinos para cada 1 israelense morto. Tais estatísticas podem indicar um genocídio, um morticínio, uma hecatombe, mas nada em parecença com o tão chamado "conflito". Acreditar ou mesmo empregar o vocábulo "conflito" é negar a realidade do que se passou na Faixa da Gaza, em Rafah, na Cisjordânia e em todo território palestino massacrado belicamente por quase um mês.

A incurabilidade do fósforo branco torna essa arma ainda mais injustificada. O máximo que a Medicina atual permite é aplicar medicamentos receitados para queimaduras por fogo, aos pacientes feridos pela arma banida internacionalmente. Segundo a enfermeira Sharif Akhtar, que atuou na área durante o período, tendo presenciado diversos casos de vítimas de fósforo branco: "É a primeira vez que vemos algo desse tipo."

E, claro, há toda a problemática da reconstrução das casas de palestinos hoje literalmente sem-tetos. Não somente casas, mas toda a infra-estrutura em destroços. Pois Israel ainda insiste em suas restrições draconianas do que entra e sai de Gaza, o que somente aumenta o sentimento de humilhação de todo um povo. Não basta arcar com o ônus mortífero de um ataque bestial. Ainda se tem de habitar ruas em ruínas, após a retirada das tropas inimigas.

Bem, eu ainda não vi nos jornais impressos série alguma de fotos de palestinos morando nas ruas após as ofensivas, mas eis algumas para quem se interessa. Já vi carroceiros no Brasil em situação menos degradante. Não me parece humanizante o bloqueio da entrada de materiais de construção enquanto civis dormitam sobre placas de concreto semidestruídas. Não bastasse o epíteto de vítimas, têm ainda de portar a nada honorífica denominação de mártires. A martirização de um povo - ou seria a crucificação deste, repetida e retomada, ano após ano? É muito fácil se esquecer de um simples fato, mas faça o favor de memorá-lo, já que teve o trabalho de ler até aqui: quando falamos dos palestinos, estamos nos referindo a um povo com mais de 1,4 milhão de indivíduos - isto nos territórios ocupados, sem contabilizar os refugiados espraiados por diversas nações do mundo, inclusive o Brasil.

E quanto aos efeitos do genocídio produzidos nas crianças, a futura geração de uma nação sitiada? Devemos esquecê-los? Um estudo realizado com centenas de crianças de Gaza mostrou aumento na ocorrência de pesadelos, enurese noturna, e outros sinais de trauma, segundo relato do psicólogo Fadel Abu Hein. Não há dúvidas de que a próxima geração palestina pode estar perdida, se não houver amplo acompanhamento psicológico, dentro e fora da escola. Não é nada comum para uma criança de 5 anos ter visto seus primos de 13 e 14 anos mortos em sua própria casa. A persistência da memória é a persistência da história. Qual será a futura história desse povo, se a memória de suas crianças já têm impressos flagelos e recordações de sangue, violência e morte? Não é de forma alguma um futuro promissor. Viver no interior de um campo de concentração, um Estado de Sítio, já seria razão suficiente para desvirtuar a próxima geração rumo à militância armada, apenas para verem-se face a face com sua própria morte, porque estamos tratando aqui de um dos exércitos mais bem-equipamentados do planeta, se é que não ocupa o topo desse ranking militar.

É extremamente penoso ver que as mais potentes munições, e armamentos de ponta são voltados ao extermínio de um povo. Um povo anterior àquele que veio a ocupar seu território e tomá-lo sem civilidade, mas estuprando, aprisionando e rindo de escárnio. Ou será que já caiu no olvido o Massacre de Deir Yassin, ocorrido em 9 de abril de 1948? Isso porque ele não deixou de ser noticiado. No dia seguinte ao do massacre o New York Times já havia publicado uma reportagem na qual relatava que duzentos árabes haviam sido mortos e quarenta levados como prisioneiros. E não parou por aí: no dia 13 de abril o jornal estadounidense reportou que 254 homens, mulheres e crianças árabes haviam sido mortos em Deir Yassin: mas, desta vez, não havia uma menção sequer a prisioneiros.

Apesar de dissidências entre os historiadores quanto ao número total de mortos, um fato remanesce: o massacre de Deir Yassin assinalou o início da depopulação de mais de 400 vilarejos árabes e o exílio de um número excedente a 700 mil palestinos. A despeito dos protestos de Martin Buber e outros renomados acadêmicos, dentro de um ano o vilarejo foi repovoado com imigrantes judeus ortodoxos vindos da Polônia, Romênia e Eslováquia. O cemitério da aldeia foi soterrado e seu nome varrido do mapa.

Ainda, segundo as estimativas da ONU, que alguns apontam como conservadoras, 750 mil palestinos foram expulsos do presente estado isralense, em 1948. Esses refugiados e seus descendentes alcançam hoje a cifra de 4.5 milhões e constituem a maior população de refugiados do planeta.



Essa senhora nascida em Deir Yassin vivenciou de primeira mão os horrores de uma invasão sobretudo criminosa, pois compreendeu a tomada de um território autenticamente palestino, e que não estava destinado à formação do atual Estado Israelense. O que mais me surpreende é o fato de que Deir Yassin foi um vilarejo dentre 417 outros tomados e destruídos por Israel em seu processo de formação.

Deir Yassin vista de Yad Vashem: o vilarejo está situado nas árvores verdes à direita da torre de água.

A recente ofensiva israelense não alvejou apenas a população civil. Soldados israelenses fizeram questão de entrar no principal zoológico palestino e atirar de forma deliberada em leões, girafas, macacos e outros animais ali mantidos. Quão longe pode ir a crueldade, é difícil determinar. Mas para quem atira em seres humanos indefesos - mais da metade do total de mortos - não deve doer muito a alma ceifar a vida de animais. Aliás, os soldados que levaram a cabo essa matança injustificada talvez contem de forma psicopática anedotas de uma caça esportiva. O pior é que eu não vejo a menor graça em destruir um zoológico que recebia mais de 1.000 (mil) pessoas por dia e que servia para entreter as crianças e famílias palestinas. Veja o vídeo do que sobrou do local.

O encarregado do zoológico, Emad Jameel Qasim, expõe de forma devassaladora o que sucedeu: "Não havia uma única pessoa no zoológico, apenas os animais. Nós fugimos antes da chegada [dos soldados]. Qual é o propósito de sair atirando nos animais daqui e destruir o local?". Ao ser perguntado por que era tão importante para Gaza o fato de se ter um zoológico, Qasim responde: "Durante os últimos quatro anos, este era o lugar mais popular entre as crianças. Vinham crianças de toda a Faixa de Gaza aqui. Não havia qualquer outro lugar [como este] para as pessoas visitarem."

Este fato e o relato que o acompanha nos leva a depreender que, mais do que uma invasão e ocupação bélica, o Exército Israelense tenta impor sempre uma invasão de caráter moral. Infligir humilhação e penúria numa população sitiada parece ser mais uma marca da presença da força militar israelense. Para mais informações sobre o ocorrido no zoológico.

Se os feitos atrozes da ocupação israelense parassem por aí, já haveria muito o que condenar por seu caráter essencialmente ilícito no que tange à morte de civis e à uma invasão deplorada por vários presidentes e líderes mundiais, inclusive Luiz Inácio Lula da Silva. Mas fatos e mais fatos sanguinários vêm à tona, e não se pode negá-los de antemão, a não ser que se queira negar a realidade. Crianças palestinas relatam que seus pais foram mortos na sua frente, mesmo após se renderem, mantendo os braços para o alto. A execução sumária de civis é impensável no século que vivemos. Rendição é rendição - não há um porém ou um todavia para obstar um julgamento acurado e preciso. Matar pais que se renderam defronte a seus filhos é mais que uma provocação - é inumano. Como a criança que presencia uma cena de tamanho terror poderá se desenvolver saudavelmente no que se refere ao seu balanço emocional?

O assassínio de crianças já se estabeleceu como uma política sionista de conquistar territórios palestinos. É um expansionismo imperialista fundamentado na destruição da próxima geração. Ainda há quem levante a voz e perca o emprego em nome da verdade. E é essencial que haja pessoas corajosas a ponto de pagarem um preço alto pela liberdade de expressão. Não, não me refiro à liberdade de expressão da imprensa, que sempre foi volta e meia cerceada pelo status quo. Refiro-me, isto sim, às pessoas que lecionam em universidades e ousam falar mais alto que os meios midiáticos cujas rédeas jazem nas mãos dos poderosos. Pão e Circo é sua política. E como funcionam bem tais engrenagens do entretenimento. Pouco sabem os iludidos quão mais satisfatória é a busca pela verdade, que leva à consciência, que leva à libertação. Libertação do cabresto cultural e político que nos é imposto desde a mais tenra infância - muitas vezes pelos nossos pais influenciados pela televisão, e pela televisão sob as mãos daqueles que nos querem influenciados de forma nefasta e detrimentosa à formação de uma visão de mundo independente de clichês e velhos preconceitos.

Fiquei espantado com a propaganda pró-belicista de muitos rabinos, envolvidos supostamente em "apoio espiritual" aos soldados das Forças Israelenses. Na verdade, eles se imbuíram de amestrar os jovens israelenses para a hecatombe impiedosa de civis palestinos, com citações pseudo-religiosas - comparando os atuais palestinos com os bíblicos filisteus. Segundo eles, os filisteus ocupavam territórios que não eram seus, e um soldado israelense mostrar-se consternado por seus atos ou mesmo pensar em misericórdia para com seus alvos palestinos seria indigno e inapropriado para uma situação de guerra. Um dos panfletos produzidos por rabinos que circulou pelas mãos dos israelenses teve a audácia sanguinolenta de politizar o morticínio dos palestinos com as seguintes palavras: conclamou "soldados de Israel, protejam suas vidas e a de seus amigos, e não tenham compaixão para com a população que nos circunda e nos fere. Nós vos conclamamos ... para atuar segundo a lei 'mate quem intenta te matar'. Quanto à população, ela não é inocente ... Nós vos conclamamos para ignorar quaisquer doutrinas estrangeiras e ordens que confundam o modo lógico de se combater o inimigo.".

A organização israelense de direitos humanos Yesh Din contactou o Ministro da defesa Ehud Barak para remover imediatamente o rabino Avichai Rontzki de seu cargo, por este estar envolvido em uma das alegações polêmicas. Seria para menos? Tempos cavernosos estão no limiar da floresta, a aguardar o próximo trucidamento étnico neste planeta. A crescente militarização que se vê no mundo não pode ser um bom sinal. O reavivamento da 4ª Frota estadounidense, para a patrulha invasiva da costa sul-americana, acrescida ao último comentário estupidificante de Sílvio Berlusconi, segundo o qual (diante do aumento de estupros de mulheres na Itália) dever-se-ia colocar nas ruas um soldado para cada mulher italiana. Os sinais dos tempos estão evidenciando muitas coisas. Deve-se atentar às pistas, como de praxe.

É óbvio que, para um ataque covarde de tamanhas dimensões, nem todos os israelenses permanecem calados e coniventes. Uma ilustração disso pode ser feita com Gadi Baltiansky, diretor-geral da Iniciativa Gêneva, uma grande organização isralense para a paz, que advoca uma solução política para o conflito palestino-isralense. Uma citação sua de destaque sobre o estado de coisas no interior de Israel merece reprodução: "Uma sociedade que trata seus críticos domésticos como anátemas, traidores e seres malévolos é uma sociedade diferente daquela que costumávamos ter por cá, e diferente daquela que deveríamos de fato ter.". Baltiansky refere-se à ausência de debates - dentro de Israel - acerca dos efeitos da guerra.

Pode-se dizer também que o autor David Grossmann figura em conjunto com os críticos solitários. Como escreveu Grossmann no jornal de tendência esquerdista Haaretz, Israel pode ter apresentado ter uma força militar formidável, mas falhou mostrar que estava com a razão. Estatísticas podem muitas vezes revelar a apatia que assola o espírito de um povo, quando alimentado por uma mídia indigesta no que tange ao relato imparcial de crimes de guerra. Falo dos israelenses. Por exemplo, é assombroso constatar que 82% dos cidadãos israelenses dizem não acreditar que Israel agiu com violência desproporcional em Gaza. Isso pode explicar o porquê deles não entenderem como as imagens e reportagens vindas de Gaza acabaram criando uma onda de empatia para os palestinos - e raiva conntra os israelenses - em volta do mundo.

De acordo com Baltiansky, que foi porta-voz de Ehud Barak (atual Ministro da Defesa israelense), tal indiferença pelos palestinos é resultado de um longo processo. Segundo seu ponto de vista, as pessoas vêm tolerando fenômenos socias claramente repreensíveis - como o clamor racista "morte aos árabes", ouvido em estádios de futebol.

Por outro lado, Israel parece já estar se prevenindo contra possíveis condenações internacionais. O primeiro-ministor israelense, Ehud Olmert, asseverou que seu país fornecerá proteção legal aos soldados que lutaram, contra possíveis alegações de crimes de guerra. A meu ver, a justiça só ratifica perante a sociedade como um todo as injustiças cometidas, claramente vistas por qualquer um que pesquise o que de fato desencadeou o quê. Uma condenação judicial, no entanto, seria um passo firme rumo ao fim desse apartheid.

Sobre a formação do Hamas:

How Israel Helped to Spawn Hamas


Fontes adicionais:

Conversão Universal de Moedas (26.01.2009)

Números do Departamento Central Palestino de Estatísticas

Número de palestinos e israelenses mortos

Sobre a gravidade dos ferimentos de fósforo branco nos palestinos vitimados

Um comentário:

parvina disse...
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