Quem dera,
Em minha terra, houvesse,
Tudo o que dizem
Lá existir!
Pois inexiste,
E andam tristes,
Os que falam
Sobr'o falso existir.
Pungente sobre o peito,
A mentira.
O despeito;
A ira do devir.
Pode(m)* rosnar, cachorrada,
Pois não é cá que há,
Nem lá quer irá haver!
Chega de inverdades.
Pois já aconteceu:
O que não era,
O que não foi.
E o que não será.
Sim, na minha terra,
Bem-te-vi nu'é sabiá.
Matraca é morta à estilingada,
E ronca-se bem após feijoada...
Caçoa-se à beça,
Nesta terra de bacharéis!
Ri-se às desbandeiradas;
Bebe-se garapa após mis pastéis...
E a saúde anda,
Lado a lado,
À saúva safadona.
Ela pica, a gente grita!
E logo tudo vira zona...
Estuda-se mal para virar o quê?
Talvez mais um estúpido em seriado de tevê...
Chora-se e magoa-se pelo passado,
Que, ilustre, segue desconhecido.
Rouba-se, faz-se lavagem monetária,
Embaixo do nariz, da plebe ordinária...
E cá estamos, eu e você,
Assistindo às olimpíadas na telinha,
Enquanto o gerúndio, analfabeto,
Mata a língua e espezinha.
O que outrora foi bonito,
Hoje não mais é:
Camões, estrangeiro, está morto!
Coelho ganhou renome!
É tão famoso! igual Pelé...
Literatura na escola:
Salvam-se poucos professores,
Letrados e sabidos,
Que sabem ensinar.
Tenho a sorte de ter aulas
Interessantes, neste Brasil,
Onde o vestibulando
Desvia-se, no Rio, de tiros de fuzil...
E em São Paulo, não me diga,
É assaltado saindo do metrô,
Isto quando não é espancada a aluna,
Por nazis que a confundiram, coitados, com prostituta,
Numa Laranja Mecânica viva e retrô!
Viva! às medalhas,
Que eu não conquistei!
Todas as alegrias
Por que, mesquinhas,
Minh'alma derramei...
São de ouro as medalhinhas,
De manteiga o coração,
Felicitamos os atletas:
Cujas verdadeiras metas,
Jamais se saberão...
Porque ignorância, cá nesta pátria,
Já virou sinônimo de erudição...
“Nós”, já não falamos.
É "A gente" a primeira pessoa do plural!
O “Vós”, esquartejamos, em praça pública...
"Tu" se conjuga errado lá pro Corcovado.
A Revolução dos Bichos chega, já, povoado!
O português será, logo, logo, ensinado no curral:
E a feijoada, que alegria! virá salina, salgada,
Bem feitinha pra suarmos,
Pelos poros,
O excedente sal...
Eis minha terra,
Como podes constatar!
Vive-se e morre,
Cedo ou tarde,
E a maioria das crianças desconhece:
O que é, de fato, estudar...
Tal é meu país,
Não veja o tronco, sem ver a raiz,
O Pau-Brasil dá que cor, mesmo?
Me disseram ser anis...
Um viva - a todos os Brasis!
Terras, onde o infeliz
Auto-afirma-se feliz;
Onde Pinóquios
Abundam!
Viva o nariz!
Mentirada danada,
Êe... Saúva safada!
Ah, que terra estudada,
Venha cá me visitar!
Cuidado! na esquina,
Que a exclusão social vai te pegar!
Gripe, aqui, é fichinha,
Febre amarela é para os fracos...
Contagiosa mesmo é a malandragem inata!
Pega ele, Macunaíma!
Que esse daí é gringo!
[gargalhadas histriônicas no fim da declamação]
* plural optativo
P.S.: Segundo minha - hoje - ex-professora e também escritora, Carla Souto, autora do recente livro Nelson Rodrigues - O Inferno de Todos Nós (1ª edição: 2007), não é de seu costume escrever "ótimo" em trabalhos. Bem, talvez ela ainda não saiba quão feliz voltei para casa após aquela aula em que recebi o trabalho. Da qual, aliás, lembro-me nitidamente bem, em seus detalhes. Às vezes um comentário inesperado de outrem pode dar uma guinada radical no seu dia. Carla, já sinto enorme falta de suas inspiradoras aulas. E sobretudo meus parabéns: são muito poucos os professores que conseguem fazer um aluno feliz por um dia sequer. Sua última aula sobre o Nelson Rodrigues foi de arrepiar. Inesquecível. E, claro, só li Amar, Verbo Intransitivo, do Mário de Andrade, porque você fez questão de passar o lindo filme para nós, em sala de aula. Provou-se uma esplêndida leitura, e foi também um ótimo filme, bastante fiel à obra que o engendrou. Você merece, professora, os agradecimentos deste seu aluno que conquistou o 1º lugar em Prosa no Concurso de Literatura do CEFET-SP deste ano, com Werther, A Epopéia do Amar. Lembro-me de ter saído de uma de suas aulas e comentado com um amigo: aprendi mais de geografia com a Carla, do que com os próprios professores que deveriam nos ensinar essa matéria... Golpe de 64. O ditador que adorava cavalos, e exterminava humanos. Made in Brazil. É, me lembro. Como se tivesse sido ontem. Você merece, ao menos esta pequena e modesta referência, sob esta memorável foto. É só. E é tudo. Simultaneamente.
8 comentários:
voce escreve muito bem :]
Que isso, não sou mais do que a sombra de árvores alheias.
Eis que se viu a verdade ,em minha terra onde cantam a sabia , as aves que aqui gorgeiam relamente não mais gorgeiam como lá. As coisas mudam e no imaginario popular ainda se tem a ideia de que se tem o que sempre disse que um dia se terá. Esquecem de se ver a realidade, de constatar os fatos e ainda acham que pelo imaginario popular pode-se recuperar, um país, mas não há mais identidade, não se faz, quando não se vê a verdadeira realidade.
Macunaíma virou herói nacional....
O heroi sem carater! Mas igual a todos os brasileiros, com o seu jeitinho (brasileiro), seu racismo (brasileiro), sua vida brasileira.
Então deixa eu te contar uma historia:
Um cara veio aqui para o Brasil,quando ele chegou disse o seguinte:
Este País não é serio.
Seu acompanhante brasileiro lhe respondeu a seguinte coisa:
Qualquer brasileiro Serio já sabia disso.
Parece até piada não?!
Mas não é, esse cara é um dos maiores literatos do mundo e em uma visita teve essa impressão de nosso país, e o outro intelectual que estava com ele, o brasileiro, lhe respondeu isso. Estou é fato, infelizmente não é piada
eu poderia escrever um comentário gigante sobre o quanto a Carla foi especial pra mim também, mas eu juro que vou me segurar pra não fazer isso. XD
e owwww Mario de Andrade é mó legal! (y)
Tenho a impressão que a Carla foi especial pra mim, pra você, pro Eraldo... e isso mostra melhor ainda a qualidade de suas aulas.
Mário de Andrade é bom, mesmo! Macunaíma é livro de cabeceira, hahaa...
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