terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Catedral

Adentrou a Catedral e sentou-se no banco de madeira marrom. Antes de sentar-se, entretanto, guiou seus olhos para o alto, onde viu quão imensa era a cúpula, e quão imensa a própria vida que poderia levar dali adiante. Sentiu os poros dilatarem, os pés se confortarem no chão marmóreo.

E, naquele instante, tudo fez sentido em sua vida. E, naquele momento, deixou para outros tempos o choro plangente da nostalgia de uma vida que já não carregava; fardo inerte sobre os musculosos ombros. Apercebeu-se de muito, mas o rosto permanecia relaxado, e assim todos os músculos de seu corpo.

Sentia, sobretudo, o sangue refluir numa nova corrente, dos pés à cabeça, e dela aos pés. O corpo jazia como que pétreo ante tantas palavras sibiladas mudas. Os cicios da rua podiam até atingir seus ouvidos, mas nunca novamente seu imo.

Envolto por paz. Assim definiu sua breve estadia naquele lugar de orações ao pisar de novo os paralelepípedos. Assim ele pôde enfim retornar ao lar, sem mais ilusões.

E tão breve, e tão longo. E tão... imesurável. Porque ele conseguiu reunir em si mais força do que o corpo necessitava, e o excesso converteu-se em trabalho da mente.

De outra forma, ter-lhe-ia sido arroubado o vigor pelos devaneios do corpo. Todavia, foi este o presente que o esforço de adentrar a Catedral lhe ofereceu: o apanágio de comungar com o espírito, sem uma religião maior do que a que a própria vida naquele instante lhe indicava.

Uma religião que se convertia em sangue e vida, e uma vida que se convertia inteiramente em religião. Uma devoção que se demonstrava em cada ato, e cada ato a intuir sua substância formadora.

Construiu em si a capela, assim como o silêncio interior que transubstanciava cada lágrima em ação. Dali em frente, lhe disseram, poderá ser diferente. Dali, pôde, enfim, sentir o coração pulsando.

O que faria com tamanho privilégio são ditos de seu coração, os quais não revelaria nem mesmo sob tortura. Uma vontade etérea cristalizava-se onde antes havia fragmentos. De pedaços dispersos e mal-dispostos entre si de seu ser, irrompeu um uno, ainda não permanente, mas temporário o suficiente para ele concluir sua firme substancialidade.

Refez sua cabeça: edificaria seu novo e verdadeiro lar sobre os mesmos tijolos esquecidos; tijolos que remanesciam, apesar de tudo, naquela obra, por toda a vida abandonada aos vagabundos e errantes, que entravam segundo seus próprios desejos lascivos e libertinos. Expulsou-os, e angariou deste ato férreo uma liberdade e amplitude de ação nunca outrora vistas.

E que bela visão o conteve.

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