Dizem (aliás, sempre dizem) que tudo tem seu tempo certo. Ah, e alguém também disse que a vida por si só já é um milagre. Discordar de máximas é um tanto complicado, sem argumentações bem boladas.
Por exemplo, jamais havia subido numa escada para pendurar quadros de madeira, ou para qualquer outro fim que não fosse por lazer e curiosidade. Mas aprendi num piscar de olhos a tolerar vertigens e inclusive a saborear a "altura". Fazer tiras de pipas ligando-as com fio de náilon é outra coisa que nunca havia feito anteriormente. Bom, mas como tudo que relato é novidade, então é passível colocar essa observação para tudo que aprendi.
Correr contra o tempo sem prejudicar a qualidade, dentro do possível. E o campo do possível tem a peculiaridade de sempre poder ser alargado, uma vez que se cogita sobre o que pode ser feito. Ora! Tanto pode ser feito, tanto quanto se imagina, e muito mais. Pude apreender essa objetividade com as mãos na massa.
Dobrar, recortar, dar nós, ajeitar, pregar, rearrumar, refazer... serviço da criança que ainda não firmou o hábito de reclamar do mal-feito. Serviço para quem consegue lançar um novo olhar nos mesmos lugares, naquilo que já foi uma, duas, três vezes manuseado, mas ainda não está bom.
Humildade. Bela palavra, enquanto não se prova seu significado na própria vida de quem tantas vezes a repete, dia a dia, mês a mês, numa religiosidade insensata, porque apenas teórica. Saber a auto-crítica para poder superar a si mesmo. Competidores não há, pois todos se empenham para um mesmo fim - o objetivo é o aprimoramento do visual, do tátil, e, portanto, do real.
Aperfeiçoamento do que nunca será perfeito. Processo inacabável, mas com metas em mente, o resultado torna-se no mínimo satisfatório. Para todos os gostos? Não. Para todas as idiossincrasias e pusilanimidades? Certamente que não. Mas, no bem-feito, quem põe defeito é juiz imperfeito.
É verdade comprovada que o autor terá sempre uma vírgula a pôr ou tirar, e será o crítico eterno de suas obras, excetuando-se casos narcísicos, e, por conseqüência, meras reflexões de personalidades supérfluas e esgotadas num egocentrismo sugador de criatividade.
Não farei uma ode aos escritores mais vendidos do mundo, que se utilizam de diferentes fórmulas para agradar um público duvidável. Do qual já fiz parte, cabe ressaltar. Não realizarei um panegírico acerca de minhas pessoalidades, irrelevantes para os demais habitantes deste planeta.
Há de se dizer, no entanto, que meus avós estavam certos: Diga-me com quem andas, e direi quem tu és. Meus queridos avós, se vós conhecêsseis meus próximos, julgariam por si próprios quem eu sou. Gabar-se de êxitos é a maior facilidade existente. Reerguer-se de um tombo talvez exija algo que muitos morrem sem obter: introspecção.
Falta-se, pois, com determinadas responsabilidades impostas pela conjuntura social, para poder se realizar no âmbito pessoal. Vergonha, pudor, vexame são palavras desconhecidas até certa idade. São diferentes conceitos e diferentes circunstâncias que os causam para os diversos povos, nações e culturas. Cada contexto cultural traz imbuído seu sistema oral de valores e morais. De parábolas ensinantes e lições paternais. Mas nenhum deles é o epicentro de nenhum outro. Cada contexto é real por si próprio e é correto e incorreto simultaneamente. Nada é irrevogável, 'tudo' é deveras amplo e abstrato. Generalidades não definem, somente traçam contornos aproximados e inexatos.
Pois, acabemos com a dissertação. Falta muito para eu me tornar alguém útil a mim mesmo, e, por conseguinte, co-autor de uma obra universal em seus parâmetros. Mas tendo sido o primeiro passo dado - o do sofrimento escolhido por livre-arbítrio -, que me impede de dirigir-me aos restantes?
Quiçá o mundo seria outro se não fôssemos condicionados a pensá-lo como um local habitável e agradável para uma população de mais de 6,5 bilhões de pessoas, afora os animais e plantas e todos os outros seres devidamente taxionomizados pelo tão poetado saber científico do Homem com agá maiúsculo.
Quiçá eu não fosse o que sou e não seria o que fui se o mundo estivesse em ruínas como a literatura soçobrada de Franz Kafka*. Suposições ontológicas - como esta - parecem tomar a forma coleante e serpentina da traição. Não há porque chorar, então é quando as lágrimas abundam em sua pureza auto-limpadora. Não há porque rir, e é aí que irrompem as mais histriônicas gargalhadas de bel-prazer interior, sem necessidade de conveniências - ah, as odiáveis conveniências!.
E por aqui entrou e saiu um tal de Fernando - que vive acordado e dorme esperando. Pelo quê? Pelo insondável - o único conforto imaterial possível em um mundo de fúria e boca espumante.
Ah, brejeiro.
*'literatura soçobrada de Franz Kafka' não é de forma alguma algo bradado com tom de perjúria ou de forma mordaz e lasciva. Leio Franz Kafka, e este fato já é auto-demonstrativo em sua significação.
Há 10 horas
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