quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Ao Ano que Segue


Não vejo problema nenhum em você me dizer isto. Muito pelo contrário - tenho a convicção de que os verdadeiros problemas surgem do indivíduo não dizer nada, ser omisso com os fatos e assim dificultar o caminho à verdade. Pode-se dizer uma verdade parcial - aliás, quem sabe tudo? - mas já será um passo em direção à luz do dia, para fora da escuridão cavernosa que nos abraça.

Só persevero neste assunto pois conheço pouquíssimos símiles de Sherlock Holmes atuando na vida Real. E eu seria um péssimo candidato ao cargo. Nas ditaduras do mundo todo já tivemos - outra crença minha - indivíduos omissos em número suficiente para elas se prolongarem anos a fio em sua violência e crueldade, um tanto escancaradas por natureza. É característica do homem sapiente - ó, hipocrisia! - empurrar para o porão do Inconsciente tudo o que lhe é demasiado desagradável para expor ao clarão da consciência.

De tal forma que vivemos - reconheçamos! - praticamente nossas vidas inteiras num estado de hipocrisia velada. Vaca amarela cagou na panela, quem falar primeiro come toda a bosta dela. Aprendemos isto enquanto infantes, e automaticamente que quem por ventura acabar por abrir a boca estraga toda a brincadeira. Brincadeira um tanto desenxabida essa, eu diria. Porque até que quebremos a fantasia da redoma de vidro e o encanto do silêncio, nos encontramos fadados a regozijar com as parcas e bidimensionais sombras projetadas na parede estreita e mal-iluminada da caverna.

Embelezar e falsificar a realidade estabeleceram-se como práticas corriqueiras e diabolicamente aperfeiçoadas. Daí a pergunta inesquivável: Que tipo de mundo é este que criamos para nós mesmos, onde aceitar a certeza da morte é uma atitude tida como pessimista? Como, pergunto, poderemos desfrutar dos maravilhosos frutos mundanos, se negarmos que o futuro que nos aguarda é o mesmo que aguardou todas as criaturas viventes que nos antecederam? Ora, é viver em irrealidade querer mudar a condição humana apenas para aprazer a mente e iludir as massas. Eu faço parte da massa, e não quero ser iludido - me recuso! E morrerei brandindo minha espada por tudo o que tiver defendido.

E estes são os valores que defendo: sobretudo a verdade, da qual depende toda e qualquer possível virtude do homem. Todos os imorredouros princípios éticos derivam da verdade consigo mesmo e da verdade para com o mundo em que moramos, talvez não para sempre. O que se sucede nas masmorras e nos calabouços do imperialismo estadounidense vigente precisa ser exposto e desvendado. Meus pêsames a todos os soldados que pereceram nas invasões ilícitas ao Afeganistão, ao Iraque e ao tão distante Vietnã - pois vocês morreram, meus irmãos, por patranhas, criadas por detrás das cortinas, sob os auspícios da eminência parda, e propagadas pelos totipotentes canais midiáticos, sobretudo a TV, que nestes tempos de sanguinolência e intolerância, traduzem valores bélicos de vida que não são os nossos. Ou que não deveriam ser os nossos.

Nenhum pai, mãe, nenhuma família quer ver seu ente querido e amado morrer numa guerra - quanto mais numa invasão ilegal, ceifadoras de vidas inocentes, pessoas que desejavam tempos de paz e prosperidade tão veementemente quanto nós. A vilificação do mundo se dá pela vilificação dos indivíduos integrantes de uma vasta cultura, cuja extraordinária beleza, devido à nossa ignorância, não podemos apreender. Ou ao menos não poderemos apreendê-la em suas finas riquezas até que nos livremos dos anseios primevos e animalescos de dominação, usurpação, destituição do outro.

Malgrado seja o dia em que os sinos da carnificina tiniram em uníssono por sangue, pois a face e a alma dos gendarmes tornam-se tão exangues quanto às dos desafortunados. Abaixo a mentira descarada! Elevemos a Verdade ao seu merecido pedestal! Eu, como cidadão deste mundo, irrelevante a minha nacionalidade, clamo as virtudes humanas para destronarmos, unidos, a patologia da guerra. Uma vez que a guerra tem por essencial característica germinar em falsas verdades e proclamações falaciosas. Lembremos os extáticos discursos de Adolf Hitler, que levavam suas multidões aos mais exacerbados delírios maquiavélicos, maniqueístas! Lembremos que a população alemã, polonesa e ucraniana daquela época assentiu e consentiu com os pogroms, a parte majoritária denunciando seus vizinhos judeus, ciganos e homossexuais, encurralando-os em guetos, encaminhando-os aos seus abatedouros. Lembremo-nos - desta vez e para sempre! - de que se quisermos a paz, teremos de bradar em unívoco contra os massacres!

Hitler pronunciou, decerto com um sorriso torto e derrisório, que ninguém das gerações futuras se recordaria dos armênios e sua hecatombe nas mãos de criminosos turcos. E de fato, essa besta humana estava certa, pois nem na escola se põe em perspectiva as torpezas infligidas aos armênios em pleno século XX. O primeiro genocídio do século passado se oculta hoje sob um olvido temeroso - pois das chagas passadas, lição nenhuma poderemos tirar se elas sequer são lembradas. Não se pode aprender com o que falta à memória.

Os Bálcãs também foram esquecidos. Os maiores ditadores falecem de velhice, abençoados pela placidez do povo que eles conseguiram domar - lobos na pele de ovelhas - pela violência verbal, pela verborragia belicista, pelos discursos populistas, e pela violência estampada nos atos mais repudiáveis da História. O mais convincente terrorismo, criado e desenvolvido pelos mais poderosos governos, cujos reais objetivos atordoariam as massas, uma vez deslindados. É esse o monstro frankensteiniano plantado no solo fértil da nossa conivência; engendrado como fruto podre direto da nossa estarrecedora ignorância. O Mal se fortifica na calada da noite, quando o silêncio dos bons homens torna tudo plausível.

Primar pela verdade, desembrulhar os fatos de seus invólucros falseadores, e divulgá-los pela palavra, falada e escrita: eis o nobre papel que se estende à consciência - a nossa consciência! - ainda latejante no coração da Humanidade. Que nós possamos ser parte integrante dela - e já!

Um próspero ano novo só pode ser um ano guiado pela consciência e pelo conhecimento - dois amigos inseparáveis. E esse é o próspero ano de 2010 que eu desejo a cada um de vocês.

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crédito à imagem: Malcom X em discurso. Tal qual Martin Luther King Jr., um ícone negro estadounidense que lutava incessavelmente, corajosamente - e também assassinado na década de 1960.

2 comentários:

Karen De'la Rocha disse...

UFA... se a verdade fosse aceita, se a verdade fosse praticada, verbo ela seria...
E nem isso ela é, ela ñ conseguiu nem na literatura a força de indicar ação, veja lá na sua praticidade.. Mentira sim, é verbo, constantemente usado e somente julgado na 3° pessoa... fico triste...
Mas meus presságios são os mesmos que os seus: Um 2010 verdadeiramente novo, principalmente de atitudes, menos hipócritas, menos oportunistas, e menos medíocres como as de hoje!

Fernando disse...

Faço das suas palavras as minhas. Um ano verdadeiramente novo, em que a Verdade torne-se verbo.