Encontrei, certa vez, um homem no caminho. Baixo, esguio, já avançado na idade. Tinha um cavanhaque como àqueles vistos em mestres cinematográficos do kung-fu chinês. E, não por acaso, ele era chinês. Tinha o cabelo comprido, preso em rabo, completamente branco, encoberto por um curioso chapéu marrom. De resto, fedia. Quando entrei no ônibus e por ele passei, percebi o fedor. Mas deixemos este detalhe sem importância de lado.
O fato é que este ancião olhou-me nos olhos com uma profundidade que eu julgava ser possível somente entre os membros da minha própria família. Eu sei que ele me conhecia, e eu também. E dentro de mim ressoou esta nota, este insight, de forma tão avassaladora, ipactando-me tal qual o ribombar do trovão que Rip Van Winkle ouvira em sua bad trip mascarada de bebedeira entre anões.
Descendo em minha destinação, sentei-me e desenhei, estranhamente com a mão esquerda. Sim, sou destro, ou até então sempre o fora. Minha inabilidade sestrosa prejudicou os traços de forma tão insignificante que me assustou: eu acabara de esboçar o cabelo, o chapéu e, claro, o rosto do velho sino-brasileiro, denotando sua peculiaridade fascinante. Era um rosto que pedia observação, exigindo, por outro lado, pertinaz argúcia para ser decifrado. Era um rosto que se destacava entre multidões.
Eu perdi o cróqui e perdi de vista também o senhor. Mas cabe notar que foi depois desse evento que eu percebi ter habilidades que me haviam passado desapercebidas até então, com o braço e a perna esquerdos. Mais um encontro inesperado e particular. E, lógico, único.
Há uma hora
2 comentários:
Mas a graça da mão esquerda é que ela não sabe desenhar.
Hahaha...realmente!
Ela não pode desenhar. Mas como já dizia Fernando Pessoa (sob o heterônimo Ricardo Reis, Odes): "Quer pouco: terás tudo. Quer nada: serás livre"...
É melhor ficar satisfeito com o que ela já faz =D
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