segunda-feira, 28 de julho de 2008

(Re)encontros

Encontrei, certa vez, um homem no caminho. Baixo, esguio, já avançado na idade. Tinha um cavanhaque como àqueles vistos em mestres cinematográficos do kung-fu chinês. E, não por acaso, ele era chinês. Tinha o cabelo comprido, preso em rabo, completamente branco, encoberto por um curioso chapéu marrom. De resto, fedia. Quando entrei no ônibus e por ele passei, percebi o fedor. Mas deixemos este detalhe sem importância de lado.

O fato é que este ancião olhou-me nos olhos com uma profundidade que eu julgava ser possível somente entre os membros da minha própria família. Eu sei que ele me conhecia, e eu também. E dentro de mim ressoou esta nota, este insight, de forma tão avassaladora, ipactando-me tal qual o ribombar do trovão que Rip Van Winkle ouvira em sua bad trip mascarada de bebedeira entre anões.

Descendo em minha destinação, sentei-me e desenhei, estranhamente com a mão esquerda. Sim, sou destro, ou até então sempre o fora. Minha inabilidade sestrosa prejudicou os traços de forma tão insignificante que me assustou: eu acabara de esboçar o cabelo, o chapéu e, claro, o rosto do velho sino-brasileiro, denotando sua peculiaridade fascinante. Era um rosto que pedia observação, exigindo, por outro lado, pertinaz argúcia para ser decifrado. Era um rosto que se destacava entre multidões.

Eu perdi o cróqui e perdi de vista também o senhor. Mas cabe notar que foi depois desse evento que eu percebi ter habilidades que me haviam passado desapercebidas até então, com o braço e a perna esquerdos. Mais um encontro inesperado e particular. E, lógico, único.

Ciclo I (modificado em 02/08 e 10/08)

Se eu pudesse, de verdade, descrever
O que se passa no coração,
Não poderia me esquecer
De abordar a solidão.

Sim, a solidão:

O sentir-se sozinho,
Olvidado pelo mundo
O sentir-se efêmero
Descartável, temporário
O germinal de trigais não meus...

O não saber o próprio caminho
Aquele que se descobre somente perscrutando a fundo
Os âmagos da memória,
A própria história;
A minha vida,
A tua vida.
A experiência contida
Em uma memória fragmentada, partida...

Ao me encontrar sozinho,
Esqueço-me de quem eu sou para os outros,
O que represento, aquele detestável papel,
A conexão com a Terra, em antagonismo ao Céu,
Até mesmo onde nasci, o meu narcísico ninho.

Após deixar de lado tais preocupações, vago horas em pensamentos soltos...

Ao encontrar-me sozinho,
Deixo, por um momento, de ser o "animal social"...
E é quando me vejo tal como sou...

É legal sorrir, é bonito chorar
Mas se a vida fosse apenas rir
Seria um detalhe prescindível a nossa infância
De brincadeiras, descobertas, amizades e carinho.
Seriam desnecessárias todas as etapas de auto-descoberta,
Igualmente ridículo definirmos futuras metas...

Seria tudo muito simples
E ao mesmo tempo obscuro
Seria um viver constante sobre o muro
Na indecisão, sob as presas do instinto
Animal, anti-social...

A aspereza seria a marca humana
Ou melhor, desumana...
A frieza seria a saída sã
Para uma vida interminavelmente insana...
A crueldade seria facilmente aceita,
E todas as religiões se mesclariam,
Para formar uma satânica e diabólica seita...

Enquanto isso, algo ou alguém, que não nós,
Sagazmente nossa fúria aproveita...
Nossos medos constantemente espreita...
Porque é tudo muito civilizado, tecnocrata,
Qualquer um sendo taxado a esmo de psicopata,
Quando nem sequer sabemos...
Nos virar nesta escura e perversa mata...

Esta selva fomenta mesmo a ignorância
Fazendo-nos viver numa eterna ânsia
De sermos mais, de se ter sempre mais e mais e mais...
Sem sequer questionarmos que anseio é este
Que nos faz morrer sem quase nada conhecer...

Se a vida fosse, enfim, tão plana,
Já se poderia crescer adulto;
Já se poderia nascer inteligente.
Mas não é assim...
O fruto amadurece, mesmo,
Para cair de maduro.

Se a pancada for mais forte que o fruto,
Nascerão outros:
Nenhum igual a ti;
Nenhum igual a mim;
Mas a vida, em si,
Sempre foi assim.

O homem nasce,
Cresce, tem sua prole.
Depois adoece,
Finalmente morre.

O homem se orgulha
De sua insignificante hombridade
Do teor humano que há em si
Mas que, uma vez determinado
Fecha portas e janelas
Tendo seu espírito sobrecarregado
Por uma perene infelicidade...

Resta ao ser humano
A angústia de não saber;
De querer ser, crescer;
De desejar melhor se conhecer...

Mas a lembrança,
Tal qual a estrela,
Rutila e brilha e cintila,
No perene relembrar
De memórias nossas,
E alheias...

Aprende-se,
Passa-se o aprendizado adiante.
Como quem sente,
A vida, dia-a-dia,
Ofuscando seu vigor,
Perdendo a vivacidade,
Na tristeza ou no amor...

Até que, num belo dia,
Sendo ida a mocidade
O primor, que outrora ardia
Vai-se,
Fechando o ciclo
Mais uma vez...

Meus amigos, minhas glórias
Poemas lidos, contos, histórias(/estórias)...

Cada segundo, uma eternidade
Esta vida, este mundo...
Por dentro a força de viver
Por fora a opacidade...

Não importa o que te digam:
O homem não sabe o que é amar
Mesmo que as más línguas profiram
Que o homem nasceu pra procriar...

Se tu tivesses nascido pra procriar
Teus pais o teriam tido,
figurantes de um terrível ciclo,
Ferida aberta que nunca irá fechar...

Ciclo II

sábado, 26 de julho de 2008

Vida poética implica vida boêmia? (modificado em 13/08)

Se ler é bom
E beber também,
Como manter o bom tom,
Se a produtividade não se mantém?

Se o ler é insubstituível
E o bebericar agradável,
O conciliar incompatível
É uma ironia formidável...

Se tu sais para beber
E passas tempo fora,
Deixas obviamente de (nessas horas) ler,
Postergando o efêmero agora...

Mas enclausurar-se
Não é lá saudável,
Enquanto o sangue novo viceja;
Embora embebedar-se,
Sendo uma experiência encantável,
Igualmente salutar não o seja...

Saia, beba e volte!
Leia embebido em teu lar!
Caia, ceda e solte!
| | Pare | |
Se no fim, te empanzinar...

Eu, por minha vez, continurei lendo sóbrio...=/

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Legítima defesa (com direito a aspas e ponto de interrogação)

Se você visse o que eu vi, também ficaria indignado(a). Pego dois busões pra trabalhar, uma hora e quinze de viagem de ida, um pouco menos na volta. Pois bem, na fila pra pegar o segundo ônibus, vejo, antes de chegar ao ponto, andando, que há quatro pivetes bagunçando lá perto. Chego na fila indiana, um olhando pras costas do outro, mas eu não. Fico de lado pra quem está na minha frente e para quem se encontra logo atrás. De costas somente para o meu busão. E de frente para os quatro pirralhos. Olho pra cara de cada um, não me intimidam. Entro no ônibus. O cobrador já vai logo se dirigindo a esses filhos de mães e pais infelizes com a própria prole: "Se for passar debaixo da catraca nem entra!". Pois bem, não passam debaixo, mas importunam todos os passageiros com a arruaça na dianteira do ônibus. O motorista, atingido seu estressômetro num determinado ponto do trajeto, vira e exclama, compreensivelmente irritado: "Se vocês continuarem fazendo essa baderna aqui dentro vão descer aqui mesmo!".

Sua advertência foi feliz, porém breve. Mais adiante, os menores descem, estranhamente silenciosos e discretos. Cinco segundos depois uma mulher que passara até então desapercebida grita, em um timbre chocante, desesperado: "Cadê minha bolsa? Gente! Eles levaram minha bolsa!!". Pois é. Covardia é a marca desses garotos marginalizados pela sociedade. Mas há uma coisa que urge para ser expressa: se eles agem dessa maneira, continuarão marginalizados e serão os futuros abandonados pela desigual sociedade brasileira. E eu, pessoalmente, não tenho compaixão por eles. Eu labuto até nos finais de semana para receber meu tostão, em contraposição premente a eles. Eu trampo seis dias por semana e vou me deixar ser furtado por quatro concidadãos que nem 12 anos têm? Nem a pau.

Se o cara estiver armado eu entrego tudo. Mas essa pirralhada não vai me levar a merreca que suei tanto para ganhar em um mês inteiro numa jogatina de sorte ou azar. Desejei com todas as minhas forças não ter passado na catraca e ter visto a cena da bolsa desaparecendo fugazmente nas mãos daqueles malandros. E ai deles se eu presenciasse essa ação torpe. Que me chamem de justiceiro. Eu tenho a força e o tae kwon do na veia. Não vou ficar calado diante de uma covardia gritante como essa. Por que eles não roubaram um homem forte? Porque são covardes, porque não tomam riscos. Mas em legítima defesa eu faço questão de tomar os meus riscos. Porque somente quem trabalha sabe como é difícil ganhar o pão de cada dia.

Meu pai nasceu pobre, na roça, na seca, à luz do lampião. Ao sereno das estrelas, ao cantar da maritaca. Sob sol escaldante, estudando de manhã e catando algodão em campos alheios à tarde. Ou moendo cana quando a colheita de algodão terminava. Ou batendo a enchada quando a colheita de cana-de-açúcar findava. E sou filho de meu pai.¹ E estudo e trabalho, e trabalho e estudo, tal como ele. Meu suor não será em vão: sou um bom trabalhador, assim como todos meus companheiros e companheiras de trabalho. Onde está a lógica de roubar um trabalhador? Pergunto-lhe: onde está tal lógica? Suamos tanto para amealhar ninharias, para, no final das contas, virarmos alvos de crianças a quem policiais pouco podem fazer (e não sou a favor de baixarem a maioridade penal, vale dizer)? Que se forem pegas no ato serão mandadas para uma Fundação Casa (ex-"Febém") ou Funabem da vida? Onde não há qualquer possibilidade de conscientização, de vida melhor, de ampliação de perspectivas, de preparo à vida profissional, de aprimoramento escolar ou o que seja??

Há algo de muito errado nisso tudo. Tem um elefante branco morto em meio ao nosso País e não notamos o odor putrefato que a carcaça do mamute exala. Estamos a esmo buscando fragrâncias de rosas e girassóis, sem darmos conta que nos aprisionamos, inelutavelmente, em um lodaçal hiante, em uma areia movediça ameaçadora, porque se torna cada vez mais próxima a nossa vez. Uma máquina burocrática que marginaliza. Eis nosso governo. Escolas sem professores, alunos sem preparo para respeitarem um professor. Eis nossa sociedade. Não é uma sociedade da cultura, mas uma sociedade da aculturação. Têm cultura uma minoria, conquanto outros vêem-se sem qualquer futuro.

É uma puta injustiça social. E quem se fode somos nós. Viva la mierda. Você pisa nela, mesmo sem sair de casa. Não adianta tapar o nariz. Seu calçado tem furos e brechas, e seu pé já entrou fundo. Prepare-se: eis o nosso horizonte brilhante, como país subdesenvolvido, ops, desculpa, "em desenvolvimento". Sim, desenvolvemo-nos, rumo ao buraco onde deveria estar a boca-de-lobo... mas esta também foi roubada, meus caros... chega de hipocrisia. Na Alemanha nazista foi assim: começaram pelos judeus. Tudo bem se você fosse homossexual, eram só aqueles gananciosos e sovinas que estavam sendo enjaulados em guetos, mesmo, não é? Pois, em seguida foram os ciganos. Tudo bem, eles também são um "povo sem pátria", "sem eira nem beira", sem local fixo, "sem nacionalidade", sem "citizenship"(cidadania), não? Mas quando chegarem a você, também não há do que reclamar. Quando baterem à sua porta, não adianta esse álibi mentiroso de que foi repentino, porque não foi. Foi tudo muito gradual, para dizer verdade. Mas a merda sempre cheira quando menos se espera, nas horas mais desagradáveis. E assim é com a injustiça. Mascarada, mas sempre nas entrelinhas, para quem as lê, isto é. Sempre subjacente, subentendida, para quem liga os pontos aparentemente desconexos, obviamente. Implícita, insciente? Pode até ser. Dizer que ela não estava lá quando tu olhaste não lhe servirá de guarda... irá, pelo contrário, deixar-te ainda mais furibundo por não tê-la entrevisto antes. Ela sempre esteve lá, não importa o que diga em tua "legítima defesa". Ponho entre aspas, nesta altura, porque no calor do momento as feras dentro de nós podem ser soltas, mas agora não estou ameaçado, quase encontrando-me conformado, provavelmente como você está agora, confortavelmente posicionado em frente à sua telinha.

O que se esconde de nós? Somente aquilo que não queremos ver. Procure ver aquilo que te perturba. Antes que tape teu campo de visão e te deixe sem alternativas. É tão fácil ignorar... "ignorance is bliss", como já disse algum sábio. O mensageiro morre, a mensagem teima, e fica, e sobrevive. Mas as chamas do fogo mantêm-se vivas com o auxílio do fole. Está ele em suas mãos, agora? Ou tu estás deixando as cinzas obscurecerem o que ainda resta de humano dentro de ti?

Ah, uma observação cabível: antes de me julgar como "justiceiro", ponha-se em meu lugar. Todos os fatos foram descritos, tal como aconteceram. É muito fácil julgar a torto e a direito, não sendo estando você na cama de pregos (não adianta dizer que a massa corporal se distribui, lorota). A afirmação: "defender-se é legítimo" é praticamente indubitável. Mas e se isso colocasse, digamos, sua própria vida em risco? Fá-lo-ia mesmo assim? Última nota: não, a imagem de um herói não é carapuça que me sirva. Talvez sirva-lhe bem. Contudo, como o filme Batman: Cavaleiro das Trevas(2008) já evidentemente demonstra, um herói tende mais à opacidade que aos holofotes sensacionalistas. O verdadeiro herói nunca foi flagrado em ação, porque esquecido, porque visto como lunático anarquista. De qualquer forma, o "verdadeiro", em uma mídia que, sedenta por sexualidade facilmente explorável, põe em destaque a bunda da Gisele Bündchen ao invés de retratar o que acontece nos morros do Rio de Janeiro, é o tesouro dos piratas a ser desenterrado por bravas almas nesses - absurdamente - irônicos "Tempos Modernos"....

É, Charles Chaplin, você mostrou a piada. E muitos sentam-se sisudamente sobre seus supositórios diários sem dar-se conta que nasceram, e morrerão, como tolos. Como pólvora de canhão...


¹Não vou dizer que me orgulho de ser seu filho: chega de clichês bonitos de serem declamados em viva voz, mas inassumíveis quando ninguém encontra-se perto para escutar os falsos brados. Basta-me dizer sua história, porque isto mostra, sobretudo, que - por meio de meus inestimáveis diálogos com meu pai - de sua vida sofrida depreendi lições que não precisarei aprender na marra, tal como foi no seu caso.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

"Sonhar!"

(texto com o qual obtive a 9ª colocação no Concurso Interno do Colégio Objetivo, 2005, quando estava na 8ª série. O tema era "sonhos/sonhar".)

"Para mim, sim, é preciso sonhar. Os sonhos são molas propulsoras para nos aperfeiçoarmos. Simbolizam as perspectivas, as metas de cada um.

Com o intuito de deixarmos de ser pequenos homens e tornarmo-nos grandes homens (como já dizia Chaplin), realizaremos o que a alma tanto anseia, e isto é metanóia (como Jesus disse).

Com os sonhos a serem idealizados, viveremos no presente e tornar-nos-emos os homens de amanhã.

Os sonhos nos impedem de abdicar a jornada e de virarmos as costas ao futuro, regressando ao passado.

Os sonhos vão além do tempo, do espaço, das barreiras e dos bloqueios físicos ou mentais.

Os sonhos são a pura energia. Aquilo que nos manterá no presente, tornar-nos-á humildes e singelos por dentro, e com mais disposição a aprender, avançar, não estagnar.

Fará de nossos corpos veículos, ou seja, o mensageiro, e de nossas almas a mola, o impulso consciente e confiável, isto é, a mensagem sacra, divina.

Aqueles que buscarem a Deus serão como São Francisco, vê-lo-ão em todas as coisas e alcançarão a verdade. Enxergarão a unidade na diversidade, aprenderão a amar a tudo e a todos, pois tudo o que há são faces de Deus.

Mas o que conecta os sonhos a Deus?

A resposta é serem os sonhos os que farão com que continuemos no caminho puro e contínuo, o qual nos leva a Deus, a compreender a vida, a tudo, a todos."


Comentário: quando digo Deus, não me refiro à entidade reverenciada por religiões afins, que abundam por aí. Não sou, por outro lado, materialista. Algo que chega bem perto da minha concepção de uma força maior pode ser trazido à tona com alguns versos (in: Poemas Inconjuntos) de um dos heterônimos de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro:

(...)
"Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade."

(...)
"Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm."


"Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as cousas humanas postas desta maneira.
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seria melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te qurereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.

Se as cousas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as cousas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!"

Ou, como diz outro heterônimo de Fernando Pessoa, Ricardo Reis (in: Odes):

"Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias."

Ou Alberto Caeiro, na parte V d'O Guardador de Rebanhos:

"Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos."

Um passante certa vez quis dogmatizar Caeiro. Quis depreender algo inexistente do vento. A resposta direta do bosquímano deve tê-lo enraivecido (in: O Guardador de Rebanhos, parte X):

"Olá, Guardador de Rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?"

"Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que diz?"

"Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram."

"Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti."

Se vez ou outra encontro-me infeliz, basta-me recordar do que disse Alberto Caeiro (in: O Guardador de Rebanhos, parte XXI):

(...)
"[...]eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade como felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva (...)"

Amigos (reestruturado em 13/08)

Amigos de verdade.
Amizade...
Sinceridade?
Amigos...
Na mentira?
Na verdade!

Sem saudade ou ira,
Estamos sempre aí, compadres!
Queremos crescer e brincar!
À nossa eterna saúde brindar!

Rever amigos,
Outrora inimigos...
Infantes graúdos,
Estamos crescidos!

A amizade, honestidade...
Segue junto à vontade,
Desejo de entender,
Ímpeto de amar!

Emocionante reencontrá-los!
Prazeroso abraçá-los!
É tudo revê-los!
No coração sempre tê-los!

Ter amigos assim,
É poder enfim dizer: sei que é amizade!
Tão honrável tê-los ao lado.
Se entre vós e mim
A imensidão d'um feroz pego nos distasse
Atrevessá-lo-ia a nado!

Não importa quão longe,
Pouco sei da distância.
Citadino ou monge,
Foi feliz minh'infância!

Tendo-os pert'ou não,
Do afago, da mão
Será sempre certo
Tê-los no coração...

A vida, serena,
Corredia, pacata.
Em Samp'ou Lorena,
Amizade sensata.

A alm'anda grata
As pernas se vão leves
Em terr'ou regata,
Venham chuvas! Ou neves...

Porque tenho algo,
Uma coisa para dizer
O peixe que salgo,
Cacei-o pra sobreviver.

Ao pescá-lo lembrei-me
De todos vocês
Qu'há não muit'encontrei
Há anos ou mês...

terça-feira, 22 de julho de 2008

Amor

Eu estava pensando o seguinte: amor. Uma palavra tão bonita (pelo menos para a maioria das pessoas), tão cheia de significado....mas, por algum acaso do destino, dois garotos acabam gostando de uma mesma garota. Eles são da mesma escola, vêem-na todos os dias... Hum, dois garotos sentem do fundo do coração que amam uma menina. Porém, um não sabe do amor do outro. E então as coisas vão indo, até que um dia: BUM!


Um dos dois está namorando com ela e o outro não sabia que havia outro que gostava daquela mesma menina. Ele entra em desespero porque ela supostamente deveria ser SUA namorada. Aliás, ele amava tanto ela, não é mesmo?

Ou pelo menos acreditava amar. No tempo livre que ele tinha entre a escola e o técnico ele fazia a lição. E depois? Dedicava-se a escrever e pensar em poesias para sua "amada". Bom, mesmo assim, ela ficou com outro, né.... Mas por quê? Por que eles não ficaram juntos, mesmo ele gostando tanto dela? Então quer dizer que para cada casal que 'realiza' seu amor, há pessoas que ficam para trás, pois, aliás, o amor é monogâmico, certo? Quer dizer que, se um ama o outro, acabou para os demais, uma vez que o amor é restringido a no máximo duas pessoas, não é mesmo? Ué, o que era aquele amor que ele sentia, então? Uma ilusão, apenas? E todos os sentimentos tenros e bonitos e todas as poesias que ele gastara tanto tempo e tanta energia escrevendo, acreditando profundamente em tudo que fazia, porque ele achava que era tudo para ela....O que acontece com tudo isso? Lixo, apenas uma memória? Meu Deus, e a garota nem era tão bonita assim, no meio tempo outras quiseram ficar com ele e ele as recusou, porque ele acreditava que aquela era a menina da vida dele, que valia a pena deixar de ficar com as outras, mesmo sendo elas mais bonitas, porque aquela era A Menina, não era uma qualquer......

Mas ele se enganou, não é mesmo? E no final, ele concluiu que o amor é egoísta, porque ao mesmo tempo que você ama uma pessoa, você é obrigado a excluir diversas outras que crêem te amar também. Após ter refletido sobre o quanto ele errara em amar a garota errada, o quanto ele errara em olhá-la, em observá-la, em dedicar seu tempo a escrever poesias em inglês e em português para aquele anjo, aquela beldade que ele imaginava ser de outro mundo, ela o recusou.....

Mas será que ela chegou sequer a pensar no que ele fez após aquilo? Ele se matou....ele se matou. Como o amor é egoísta. Ela nem sequer ligou para a morte dele....mas se fosse a morte do namorado...ou talvez nem a do namorado. Quem sabe, é possível que ela tinha um coração de ferro, e nunca deu a mínima para nenhum garoto, mesmo....

Mas, então, o que é esse amor do qual todos gostam de falar e ninguém entende?

Hoje sei que esse amor não é amor. É uma ilusão wertheriana do que é amor e está mais próximo de uma obsessão do que qualquer outra coisa. E toda ilusão implica uma desilusão, cedo ou tarde. Sem desilusões qualquer aprendizado tornar-se-ia impossível, inconcebível, inconcretizável. Viva as desilusões! pelo aprender, pelo renovar. Pelo verdadeiro amar. Aprender a amar. Amar o aprender. Aprender = amar.

Momentos Esclarecedores

Realmente, Nietzsche estava certo: O sofrimento faz você crescer, mas somente se você encará-lo de frente. Viva! Tenha coragem! Cada tropeço é um tropeço que te leva em direção a algo maior, se você se reerguer! Eu amo a vida, e morrerei como um ser humano, encarando meus medos em direção a algo maior. Eu escolho os valores nobres e deixo de lado os valores escravos. O destino é desconhecido para a maioria dos homens, porque são cegos. Agora que abro os olhos, posso ver, mais claramente. Fiat lux! Let there be light! Haja luz! disse Deus.

A verdade quando dói, é porque é verdade. Se não dói, não se aprende.

Não é preciso ser prolixo para escrever algo profundo.

[...]

quinta-feira, 17 de julho de 2008

O Romantismo presente em "Em Algum Lugar do Passado (Somewhere in Time, 1980)"

Assim como nas histórias do Romantismo, que são histórias de amor, o filme "Em Algum Lugar do Passado", dirigido por Jeanot Szwarc, também discorre sobre o amor, eleito como o principal objetivo da existência de Richard Collier e Elise Mckenna, os protagonistas do filme.

A vida de Richard passa a seguir uma ordem, isto é, adquire significado e sentido a partir do momento em que ele busca o amor de Elise.

Mesmo com o sucesso que o circundava, Richard só encontra sua raison d'être (razão de ser) ao voltar ao passado em busca de sua amada, Elise Mckenna. Traçando um paralelo entre o livro Amor de Perdição - do escritor lusitano Camilo Castelo Branco - e o filme, Richard Collier, ao ver-se impossibilitado da realização amorosa, após seu regresso acidental ao futuro, é levado à morte, em seu caso, por inanição voluntária.

As aparências físicas das personagens são de igual importância no filme. Assim como nas histórias românticas, Richard e Elise, além de serem belos, são igualmente corajosos, intrépidos e "limpos". Como exemplo da coragem e intrepidez de Richard, personagem atuado por Christopher Reeve, vemos que ele enfrenta a severidade e o ciúme do empresário de Elise, o personagem William Fawcett Robinson, para alcançar a realização amorosa junto de seu amor. Já Elise, almejando voltar para o seu amado, decide fugir e reencontrá-lo no Grand Hotel, onde passam bons - e breves - tempos, já perto do fim do filme. Como exemplo da pureza das personagens, constatamos que Richard renuncia a sua namorada, no futuro, para unir-se a sua amada no passado. Elise, por sua vez, infere ao espectador que nunca tivera namorados e era virgem, "casta", preparada para integrar-se a seu amado no momento "certo".

Perseguindo com a análise, é possível perceber que W.F. Robinson, o empresário que criara Elise para que ela se tornasse uma atriz renomada, usa-se dos meios mais cruéis possíveis para separá-los. Ele é mesquinho, baixo e vil, antagonizando as características positivas apresentadas pelos protagonistas e constituindo, assim, um verdadeiro maniqueísmo na história. Essa é uma característica inerente ao romance romântico, o embate entre esses dois elementos, encarnados como o amor versus ódio/intolerância; a beleza X feiúra; a verdade em oposição à mentira. Portanto, toda a "arte" dos romances românticos estrutura-se em um universo maniqueísta. Neste cenário, o bem, para existir, deve, naturalmente, opor-se às forças do mal, isto é, todas as forças que visam impedir a realização do amor.

Do mesmo modo que os protagonistas dos romances burgueses, Richard ama - e seu amor é uma vontade impossível. Ele volta ao passado por meio da auto-hipnose, a única forma de realizar esse desideratum (desejo) que o consome por dentro. Além de ter de regressar no tempo, Richard é castigado por todo tipo de sofrimentos. Na primeira noite, vê-se obrigado a dormir no sofá do saguão de entrada do hotel, em virtude de não ter um quarto reservado. Ele também é forçado a enfrentar as exigências do meio, estando sujeito a toda sorte de reveses. Isso fica bem caracterizado quando, mesmo após cair numa emboscada - planejada por W.F. Robinson - tendo sido firmemente amarrado e jogado na estrebaria - ele desperta e se solta, com o único desejo em mente de rever Elise, que partira.

Outro aspecto abordado no filme é a defesa do casamento. Richard Collier encontra-se com W.F. Robinson, o empresário, e diz que deseja casar-se com Elise. No romance romântico, a prática sexual não é comumente admitida antes de sacramentado, oficialmente, o amor - isto é, antes do casamento. Nesse ponto, o filme rompe com a tradição desse estilo literário, tendo em vista que Richard e Elise consumam seu amor antes do matrimônio ser consagrado. Todavia, a tradição ainda está presente no filme, tendo em vista que a primeira pergunta que Elise faz no café da manhã é se ele aceita casar-se com ela. Dessa forma, a família remanesce no mais alto pedestal.

Abordarei, por tópicos, alguns fundamentos do Romantismo e sua relação com a película:

Idealização de tudo à sua volta: Movido pelo ímpeto de retornar à sua amada, Richard passa a idealizar tudo: o mundo não é visto como ele realmente é, já que ele não aceita o regresso no tempo como sendo impossível, fazendo tudo em seu alcance para realizar seu desejo de reencontrá-la. Elise Mckenna é vista como virgem (e de fato é), frágil, bela, como um ser superior e difícil de ser atingido. Durante o baile, Elise não se deixa conquistar facilmente pelo (suposto) desconhecido. Richard precisa conquistá-la com palavras, com sua inteligência e, claro, persuassão amorosa. [comentário do meu irmão enquanto eu digitava esta última linha: "Êê, Ricardããão...!!", lol...]

Sentimentalismo: Certos sentimentos são exaltados: a saudade (saudosismo) está presente logo no início do filme, quando Elise Mckenna, já idosa, entrega a Richard o relógio que ele lhe dera no passado, dizendo: "Volte para mim". A tristeza, quando Elise, após entregar-lhe o relógio, volta taciturna para sua casa e não responde aos chamados de sua criada, que lhe indaga se está tudo bem com ela. Ela segue desolada para o quarto em falece naquela mesma noite. A nostalgia, que leva Richard a renunciar sua carreira promissora como escritor de peças de teatro para voltar ao passado e revivenciar o amor perdido. A desilusão, quando ele volta - por acidente - ao presente e, incapaz de retornar ao momento que vivera com sua amada, dispõe-se dias sem ingerir quaisquer alimentos, profundamente amargurado, vestido de preto - ou seja, de luto -, e sentando-se a esmo a observar, inerte, a janela de seu quarto no hotel.

Egocentrismo: Não se apresenta tão fortemente no filme. Entretanto, a atitude de Richard de voltar ao passado é claramente egocêntrica, apesar de romanticamente admirável, uma vez que para regressar é necessário terminar com sua namorada - no presente - além de abandonar todos seus conhecidos, e tudo isso para atingir seu ideal amoroso.

Pessimismo: O fim do filme é sobrecarregado por esse aspecto, onipresente nas obras Amor de Perdição, de Castelo Branco, A Carne, do escritor brasileiro Júlio Ribeiro, e Thérèse Raquin, do escritor francês Emile Zola. Outras obras literárias - dignas de menção - marcadas pelo pessimismo são: O Germinal e Naná, ambas de Zola, sendo ótimas referências para entender esse sentimento. Richard vê-se impossibilitado de realizar o sonho do "eu", caindo, por conseguinte, em amara tristeza, angústia, solidão, inquietação, desespero e frustração, todos esses sentimentos interligados e finalmente consolidados por uma depressão crônica (que o leva à morte). Em conjunto, esses sentimentos culminam em seu suicídio, por meio da inanição. Por esse meio ele vai aos poucos se degenerando e encontra, na morte, a solução definitiva para o mal-du-siécle ("mal-do-século", como ficou conhecido o pessimismo, apontado por alguns como sinônimo de sentimentalismo, mas com evidentes nuâncias que o diferem daquele).

Evasão da realidade (ou escapismo psicológico): Espécie de fuga; como Richard não consegue aceitar a realidade da não-realização amorosa no presente, ele volta ao passado. Quando, por acidente, retorna ao presente e, novamente, é-lhe impossível aceitar a dura realidade que o persegue, ele evade para a morte, onde reencontra Elise, desta vez com um - romântico - ponto final.

Culto ao imaginário (a presença do mistério): O primeiro exemplo dá-se logo na abertura do filme, quando o espectador vê o semblante de uma senhora, sentada em um canto escuro do recinto onde Richard e sua namorada estão comemorando com amigos. Não sabemos a identidade dela, neste primeiro momento, o que cria uma atmosfera de suspense ("o que irá acontecer em seguida?"). Em segundo lugar, pode-se perceber o mistério se assentando na atmosfera do filme quando a (suposta) desconhecida se revela subitamente, levantando-se e dirigindo-se ao protagonista, Richard Collier, e pondo em sua mão - para o espanto geral - o antigo relógio de bolso que ele lhe dera dezenas de anos antes, como "prova de amor", para logo depois sumir de cena. Todos os convidados olham, assombrados, para Richard, que responde aos olhares indagadores nunca ter visto aquela longeva senhora antes. Por fim, a última instância em que pude identificar o mistério foi no momento em que Elise e Richard encontram-se conversando, descontraídos, na verde e fresca relva, e ela diz que seu empresário, W.F. Robinson, prognosticara que algum homem iria transformar sua vida, indicando, de certa forma, o poder (sobrenatural) de clarividência do empresário "vilão".

Culto à natureza: Se bem que de maneira bem mais tênue que todos os demais aspectos até agora mencionados, essa característica pode ser observada quando ambos estão a passear pelas paisagens salientadas por bosques e pradarias, ou quando estão a conduzir cavalos. Ao experienciarem esses cenários/motivos naturais, ambos se encontram mais próximos espiritualmente e, ao mesmo tempo, emanam uma liberdade de espírito inefável, porque transcendente. Relembrando agora o maniqueísmo presente no Romantismo e, por extensão, no filme, tais momentos são antagonizados pelos momentos vividos no interior do Grand Hotel, onde são interminavelmente vigiados pelo empresário ciumento, W.F. Robinson. Dessa forma, a natureza confere, de forma indireta/inintencional, a liberdade almejada a ambos, permitindo a vazão de seus sentimentos mútuos, recíprocos, correspondidos.

Conclusão
Embora as relações estabelecidas por mim entre o Romantismo e o filme "Somewhere in Time" não terem sido poucas, há certamente muito mais a ser explorado. Pela exposição dos principais tópicos do Romance Romântico (não, portanto, o Romance como um todo), assim como pela exemplificação feita a partir de cenas presentes na película, espero, contanto, que os diversos aspectos do Romantismo fiquem mais fundamentados para quem tenha assisitdo a esse belíssimo filme.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Bossa na Oca

Faz tempo que não posto. Não é à toa. Passei a primeira semana de julho tomando vergonha e fazendo provas e trabalhos que deixara de fazer na preguiça de ir à escola nas semanas anteriores - especialmente em dias importantes.

O que é um dia importante? Não deixemos passar batido tal afirmação "deixara de ir à escola em dias importantes". Se eu fosse definir o que é importante, certamente responderia que importante é tudo aquilo que envolve o aprendizado. Bom, tendo isso como verdade, desde o momento em que nasci até o momento em que morrer, dou-lhe minha certeza de que estarei aprendendo. Como tal, todo e qualquer dia em que falto à escola ou a qualquer outra responsabilidade, não deixa de ser importante, porque se aprendo diariamente, não há como aquele dia não ser importante. Bom, isso quer dizer que menti no primeiro parágrafo. Vou procurar não fazê-no novamente.

Então, comecei a trabalhar na exposição Bossa na Oca, e percebi que para ser bem sucedido em qualquer empreendimento, 50%, no mínimo, depende de como você trata as pessoas. Bem, tratá-las bem não é exatamente a resposta. Como diz o provérbio: "Dê a João o que é de João", não adianta sair de casa com um sorriso estampado no rosto que isso pode te trazer até mais problemas - não que você esteja automaticamente impedido(a) de fazê-lo caso sinta-se a tal ponto premido pela alegria, claro. Mas a qualquer lugar que tu vás, certamente encontrarás pessoas desagradáveis - e digo, enfatizo, sublinho: certamente.

Isso não o impede de conhecer o oposto de pessoas desagradáveis, aquelas pessoas que te entenderão quando você disser que pegou um engarrafamento diabólico e demorou 1h30min para chegar ao local de trabalho, quando, de fato, gastar-se-ia no máximo 55min em um dia normal. Há as pessoas que nem mesmo querem saber disso - vão logo te julgando, porque "atrasos não são justificáveis", e isso nunca irá acontecer com elas, mesmo - então pra que ter consideração com quem afirma ter sido prejudicado excepcionalmente naquele dia pelo "eficiente" transporte público que roda sobre o asfalto? Esqueçamos o metrô, que só atrasa quando alguém tem a original idéia de se suicidar nos trilhos. Estou falando do busão. Quem nunca se atrasou que atire a primeira pedra em mim. Toma cuidado, porque se tua casa for de vidro, é perigoso a pedra rebater um dia e aí tu já sabes...

Não vou fazer propaganda da exposição Bossa na Oca. Não porque ela seja ruim, ao contrário. Mas eu trampo lá e, assim como não fico pagando pau pra ninguém, também não vou virar puxa-saco do local onde estou muito satisfatoriamente empregado.

Quero, ao invés de tratar tudo de forma superficial, submergir um pouco: o que significa trabalhar? Bom, primeiramente, trabalhar significa passar parte de seu dia empreendendo algo que envolva um resultado não somente para você, mas para o(s) outro(s). O quanto seu trabalho irá influir na vida dos outros varia, bem como seu salário e o esforço que tu empreendes para realizá-lo.

Mas não é sobre o trabalho que quero especificamente falar. É sobre o que significa, para mim, trabalhar. É assim: quando estou lá, procuro dar meu melhor. Mas assim diria qualquer charlatão. Como não posso diretamente te convencer de que dou meu máximo, posso ao menos te passar uma idéia um pouco mais objetiva sobre o que é dar "de tudo". Após ter passado três horas em pé, dar o máximo é se esticar sem desejar estar em outra localidade naquele santo momento nem reclamar de dor em algum lugar. E quando vier um visitante perguntar-lhe informações, fornecê-las como se ele(a) fosse você mesmo. Isso é literalmente pôr-se no lugar do outro.

Mas mesmo assim, desempenhando seu trabalho tão gentilmente como poderia ser, você pode, de repente, ter que ouvir poucas e boas. Por exemplo, digamos que a exposição termina às 21h. Isso implica que a bilheteria feche às 20h e informe qualquer um que entrar às 19h59min de que só irá poder desfrutar da exposição durante uma hora, no máximo. Mas digamos que a bilheteria não tenha informado o seu concidadão, visitante da exposição - e você, orientador da mesma - desse relevante fato. Até porque a exposição Bossa na Oca, para ser aproveitada integralmente, requer, na melhor das expectativas, 3h de sua vida. E essa pessoa entrou com aquela vontade de fruir inabalada, achando que - e com todo o direito de fazê-lo, tendo em vista não ter sido informada - poderia fazer um corujão ali no local museográfico. E você é aquele mané que irá acabar com o prazer do cara, porque já são 20h57min e você ainda não sabe nada do que se passa na cabaça (cabeça é para os que retêm a faculdade de pensar) do indivíduo. Então você se aproxima dele de uma forma bem pouco polida, + ou - assim: "Com licença, senhor, venho lhe informar que a exposição fecha às 21h".... mas o cara é sangue quente e não tem metade dessa falta de educação que tu teves ao dirigir-se a ele... é prescindível dizer o que aconteceu depois - quero somente salientar o fato de que dormi rezando não sei pra qual deus e sentindo as têmporas latejarem como se fossem explodir. 'Magina, é tão fácil não levar as coisas pessoalmente, quase mesmo uma característica natural entre todos nós, não é mesmo? Aposto que você também não levaria pessoalmente. Só não aposto dinheiro, porque, bem, é uma aposta um tanto arriscada...