quinta-feira, 21 de abril de 2011

O Verbo d'O Pai

Pai, que foi que tu dissestes?
Taciturno, saturnino
Quando despi tuas vestes
Roupas tuas de menino

Pai, tu trabalhaste tanto
Extraíste o teu gozo
Teu feitiço, teu encanto
Teu trabalho laboroso

Tutear-te agora é bom
Reavivado recordo
Tua voz e o teu som
Quando estávamos a bordo

Desferindo a mesma terra
Esplainada pelo sol
E ninguém, pois, exagera
O poder do arrebol

No sertão caía a noite
O negrume estelar
Só eu sei o quanto dói-te
Separar-te do teu lar

A dicotomia urbana
Esta nunca nos fez bem
Já cortar com força a cana
Eis a paz que nos contém

Eis a luz que não reduz
A bravura e o vigor
Nosso angu e o cuscuz
Para o suor repor

Acordar co'a corda toda
Pôr a bota, a calça jeans
Nossa mão desperta doida
Lavourar é bom assim

A camisa cobre os braços
O chapéu sobre a cabeça
Para trás o torpor lasso
Cuida co'a vaca travessa!

Leite e aveia, pança cheia
Café, água, pão, manteiga
Borbulha o sange na veia
Quão belo café, mia nega

Pôr o berrante a berrar
No topo do cupinzeiro
Seu ruído rasga o ar
Meu sorriso sai matreiro

Os pés nus entre as formigas
Em defesa de seu lar
As picadas mais amigas
Que se pode esperar

Mirando o arcano horizonte
Vastidão extraterrena
Animo a quem quer qu'eu conte
Ser o sertão mia Viena

A terra é pequena, plena
Nada vale a quem mente
Cravejar na alma esta cena
E retê-la eternamente

Faz dum ateu homem crente
Vislumbrar este luar
Gente que vive entre a gente
O anacoreta tornar

Dizer demais diminui
Enfraquece o imaginar
E passa uma impressão ruim
A rei, sultão e czar

Calar-se então é melhor
Já dizia isso o Pai
E sempre saber de cor
Aonde é que alma vai

Se te escapa ou te acompanha
Isso faz-te cego ou sábio
Se é brio ou mera manha
O Verbo a sair-te ao lábio.

Nenhum comentário: