sexta-feira, 8 de abril de 2011

Apocalipse

Já meus joelhos gelados
Rejeitam o teu calor
Jazem juntos lado a lado
Enrijecidos, sem cor

Descoroçoado, eu
Inicio a noite só
Acabrunhado no breu
Assimilado ao pó

Sento e sinto o som silente
Da chuva ciscando o solo
É a paz do sono à mente
E a cruz da calma em meu colo

Me belisco a ver se é sonho
O obelisco mais medonho
Sóbrio ergueu-se sobre a prece
Sua sombra sempre cresce

E se prostra à minha face
Nem se eu lhe suplicasse
Pararia a travessia
Do ermo gélido ao dia

Assombrosa transição
Do amplo universo à terra
E os homens, que farão?
Ao destino que os desterra

Rompe o mar, o chão, a serra
Inaudita explosão
O humano jamais erra
E os homens, chorarão?

Mas a paz desfaz o pranto
Faz do sórdido, homem santo
Tudo quanto havia antes
Esmigalha-se em instantes

Ondas, anacondas, bichos
Fogem, ferem-se, fatais
O efêmero luxo é lixo
Matam-se nos matagais

Palavras trôpegas, tépidas
Ah! Aquecem-nos não mais
Das relíquias restam réplicas
Vis, inválidas, banais

Outro beliscão: desperto
A destruição tão perto
Fora sonho ou vaticínio?
Malsão sabor assassino

Dobram os sinos solenes
Qual moça ou moço não teme
Pesadelos iguais, tais
Quais os meus sonhos mortais

Tão povoados de gritos
Infernais e incisivos
Mito do mal dos aflitos
Todos morrem e eu vivo

De que vale essa vivência
Solitária e seca e crespa
Nessa ignorância imensa
Onde o homem é asno e besta

Bateria de andróides
Mecânico, maquinal
Suas ações debilóides
Dignas dum animal

Bem ou mal, pois tanto faz
Tudo o homem é capaz
Mas nada novo o inova
Néscio renasce à cova

Sábios e sabiás não sabem
Tampouco sabemos nós
Ocultos na cruz do frade
Cobertos no albornoz

Escusos perdões, os mesmos
Milhões de línguas, as mesmas
Mentiras reverberadas
Em petas, contos de fadas

Acerba usura o condena
A tirar do outro à marra
O que nunca será seu
Sobre o Sol um Deus ateu

Amarga ambição o atrela
À covardia mais falsa
Deixa o vizinho sem calça
Inda o põe no cadafalso

O patíbulo é justo
O juiz sequer tem custo
Em pôr-lhe as amarras, garras
Férreas, e sobr'ele escarra

As leis de sua nação
Seu Deus Uno, e por que não?
Noções de pátria e traição
Civilizado está. Bênção!

Ó, pesadelo macabro
Azedume do curtume
Sobe-me e cala-me a boca
Geme mia goela rouca

Ruge e ri já arrastada
Mia parca voz amurada
Em corpos, detritos. Caos
O Nada. Minha morada.

Nenhum comentário: