domingo, 30 de agosto de 2009

Noites Sombrias

Em que eu sento sorumbático na cadeira suada pelo rocio. Ensimesmado sento e olho o céu sem vê-lo, vejo estrelas cintilando, do meu ser insopitável se abeirando, sozinho, marasmado, nas trevas densas me afogando. Só, no pensar no pesar no sentir-me sem sabor sem cor sem amor, e o fulgor... já deixado lá no sótão do passado. Só tão só tão só como a mó do moinho abandonado o nó da corda lacerado. Quem sou eu em tais sombras que me assomam nesta noite sem perdão, nesta fria e úmida e túmida escuridão. Quem são os fantasmas, os miasmas que assolam este corpo sem alma sem calma não sepultado, mas soterrado. E a seta varando a noite e ferindo o poeta, ó querubim moribundo largue essa seta, não me deixe no breu da floresta, sem fresta, clarão. Ó floresta, me guia, piguara, senhor do caminho não me deixa sozinho, essa ave sem ninho. Fala comigo, sussurra baixinho, vem meu carinho, não me deixa pequeno, inerte, isolado, não tenho mais força. Fui socado co'a terra, o cal me sufoca, o sangue na boca me escorre, a comissura dos lábios se move sem voz. Ó algoz, ó fera feroz, diabo atroz, me deixa me solta quero minha vida de volta. Que vida. Não sei não pergunte é minha é tudo o qu'eu tinha, minha vida mesquinha - solitária andorinha que assobiava o verão. Que santo me enxerga nesta noite inglória. Nossa Senhora que espanto eu passo eu sinto eu tremo eu remo em vão n'água escura, impura, tortura saber qu'eu singro sem vida sem mar. Aonde irei parar sem o sol sem luar sem minha esposa a esperar sem a terra o meu lugar sem o fim o despertar. Sem senha, sem sinal como eu temo o final sem fim sem mim. Deixo de ser sem ver sem sentir.

Eu só posso estar vivo.

Desistir

Poderia falar da falta que ela me faz. Mas prefiro discorrer sobre a falta que um contato maior com a minha interioridade me faz. Acho que já está mais que na hora d'eu me afastar das pessoas desagradáveis.

Pessoas que não acrescentam nada a mim, e às quais não posso adicionar nada. Pessoas cujos olhos opacos parecem ser ignorados pela grande maioria das pessoas, cuja crença na "bondade inata de todos os seres humanos" um dia irá desabar. Não falo de serial killers, dos psicopatas que aparecem nas novelas, e filmes, e thrillers.

São psicopatas muito mais sutis, denominados no campo da psicologia e da psiquiatria de sociopatas, porque eles se adaptam muitíssimo bem à sociedade. Bem, do jeito que a sociedade funciona, eles não só se adaptam, mas chegam ao topo. Nem quero falar de presidentes do mundo todo, de políticos, não, não. Não por enquanto.

Se você trabalha, no teu local de trabalho haverá um, dois, três, mais. Carismáticos, sensuais, espontâneos, extrovertidos, mas é interessante... é difícil para eles não ser o centro das atenções, não se destacar da multidão, não serem os líderes incontestáveis, não terem os melhores conselhos e sugestões. Se um dia você cair e se machucar na frente deles, vai ser complicado, porque ele não vai saber como reagir - justamente porque não há nele o que chamamos de empatia. Empatia, comumente falando, é a capacidade de calçar o sapato do outro e sentir a pedra que tanto dói o pé do sujeito. Mas, isso é uma coisa que eles não têm.

Puxa, e é um assunto que só se torna amplamente acessível aos que leem inglês. Porque estão em inglês todos os livros e artigos que conheço do assunto. Eu sugiro que você, que talvez se encontre interessado, inicie pelo link: . Você irá descer a página até avistar no canto esquerdo a headline: "Studies in Psycopathy". Não há nada de brochante, enfadonho, "acadêmico" neles. Se você se concentrou na primeira linha, o resto não te causará maiores problemas. Não, não, não! Vai causar sim. Porque você estará lendo algo que jamais houvera imaginado - que há pessoas neste mundo com um panorama interno vazio. Seres inanes. E que passam indetectados pela assombrável maioria, porque se camuflam perfeitamente bem num mundo em que tudo é absurdamente aceito. Inquestionavelmente, camus-ianamente, inacreditavelmente aceito.

Vou pôr a panela no fogo e te contar uma história. Meu vizinho estava espancando a esposa, justamente do outro lado da rua, com a casa fechada. Ouviam-se os berros, barulhos de encontrões, e, lógico, o choro dela. Eu me desesperei. Péra aí. Tem um ser humano hermano apanhando do meu lado, chorando, e eu não faço nada? Mas nada? Como assim? Não nasci pra ser herói, mas isso já é demais. Não vou pôr minha capinha de superhomem e bater na porta do sujeito agressor com uma voz grossa e um punho de ferro. Não. Há um órgão coibidor, composto de indivíduos especialmente treinados, criado e financiado pelo Estado, chamado PO-LÍ-CIA. Mas, o que aconteceu foi que eu consultei meu pai. E meu pai disse que em briga de marido e mulher não se mete a colher. E, na prisão, meu pai certamente diria que em estupro de ladrão não entra perdão. Ok, mas não estamos na prisão (sim eu sei que estamos, mas finjamos que não pelo momento). E algo pode ser feito sem você colocar sua vida em risco. E sua sanidade mental - que, hoje, foge do âmbito de revistas de beleza e dieta, cuja preocupação maior é o corpo e seu perfeito delineamento, para tornar sua carne mais saborosamente digerível pelo sexo oposto num ato denominado cópula, acasalamento, coito. Um ato privativo, intimista, a dois, a três, a mais, incomparavelmente prazeroso. Que, digamos, parece ser o foco da vida de muitas pessoas cujo futuro não trará belos frutos à humanidade. A humanidade parece opaca e obtusa nestes tempos em que se faz sexo sem amor - o que é um lixo, luxo, mecânico, individualista, sem sentido, autodestrutivo, narcísico. Uma merda.

Bem, o site-mãe do link acima é este. É uma equipe que trabalha 18 horas por dia em assuntos que abarcam a nossa realidade. E psicopatia é um tema central. Porque a nossa política é deturpada por tais agentes, a nossa economia, a nossa empresa. Um dia seremos demitidos por um diretor que está pouco se lixando, não te reconhece, te despreza, e você saberá o nome do que o caracteriza psicologicamente. Um dia você conhecerá um cara que trai a esposa virtualmente, enquanto ela está dormindo, e conta o caso morrendo de rir, no deboche, no ambiente de trabalho, na hora do almoço, a pessoas desconhecidas, e você saberá o nome do que o afeta. Um dia você vai perceber que todos os grandes causadores de guerras e ações insanas - Bush, Blair, Condoleeza Rice, Donald Rumsfeld, Collin Powell, Ariel Sharon, Stálin, Hitler, e muitos mais, todos esses vulgarmente alcunhados filhos da puta, são psicopatas que chegaram ao topo. Ao topo da economia autodestrutiva, do neoconservadorismo, do neocolonialismo, do genocídio, do morticínio de civis, da ocupação ilegal de um território alheio, que não para e segue matando, desalojando, torturando o povo sem terra.

E então você vai sacar que eu não sou doido, que eu trabalho oito horas por dia e de lá vou pra facul, e que se algo me deixa doido é ficar 17h fora de casa todo santo dia útil da semana, pra poder viver como se diz por aí - com algum puto no bolso, "dignamente...", e por aí vai. E então você vai notar que a minha condenação de Israel em posts passados não é casual, não vai "na onda", não é coisa do momento. Quem não condena a barbárie, consente com ela. E dorme na cama com ela. E como condenar a barbárie? Bem, ninguém nasceu sabendo, então o primeiro passo é se informar - visite os links, não deixe de visitar o sott.net, que é atualizado diariamente com manchetes, e, caso desejar, leia meus posts acerca de Israel, e chegue à sua própria resposta à seguinte pergunta: Os indivíduos que friamente calculam, orquestram e perpetuam tamanha carnificina podem ser de fato considerados humanos, como bem entendemos o termo? Abaixo vão os links:

A arma ainda quente e esfumaçando

Crimes de Guerra

Aprender a Discernir

Quando tudo pede

E, se você curte poesia em inglês, eu bolei esta, também nos anais do blog:

Wayward Road To Gaza

E uma poesia em português, engajada por Gaza, possivelmente uma das que me deram mais trabalho, mais lenha na fogueira poética. Um trabalho que valeu a pena:

Gaza, em brasas, gritou

Bom, para ser sincero contigo, eu acho que você vai adquirir um outro ponto de vista quando ler os artigos acima. Eu não posso fazer nada por ti, meu amigo. O máximo que me chega é indicar a porta pela qual adentrei. Cabe a ti, e somente a ti, dar teus passos e pôr a mão temerosa na maçaneta, e abri-la, rangente, rumorosa, amedrontadora. E o passo adiante ou recuante também é teu. Nada é meu. Meu aprendizado eu compartilho. Sua opinião é muito importante. Jamais deixe de comentar no meu blog, após ter lido qualquer material aqui postado. Porque, sem comentários, eu não tenho como saber se alguém chegou a ler o que escrevi. E, para um escritor, essa é a maior tristeza que há. De tantos amigos que tenho, você verá que nos posts acima nenhum possui comentário no momento desta postagem.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Vivos primores

Vim ver a vida, esta bela cunhã
Vim ver o sol no primor da manhã

Vim viver,
Nadar mais
E mais e mais
Do porto ao cais,
Do cais ao porto

Inteiro nela absorto
Nela
Nas águas da vida
Desta apenas
Nadar mais

Já mais já mais
E de novo, e de novo
O romper do ovo
O nascer da gema

A vida: um poema.

A manivela é meu braço, meu bem benfazejo. Eu giro o mundo no meu realejo. A canção é a vida, o eterno desejo. Eu sou o periquito, e essa mágoa que olho em teus olhos é minha também. É minha, meu bem. Meu bem, que ao bem aspira, sem sequer pensar no mal. Mas o mundo branco e preto nunca foi - preto e branco era o boi que criou tal ideia, sem sentido. A melopeia que vibra de dentro da caixa é o meu coração, batendo, rompendo amarras - em riso, em choro. Está vivo, sim senhor. E vós, que escutais, sois uma parte de mim, integral de meu ser. E a música ressoa da caixa pro mundo, de pessoa a pessoa, de segundo a segundo. O primeiro segundo, eterno instante, qual nunca se fez, pois nunca se foi.

sábado, 1 de agosto de 2009

Passe pra frente

Estava jogando bola com meu priminho de Minas Gerais. 6 anos, sotaque mineirim. E, agora, ouvindo pela Cultura FM trechos da insubstituível música tradicional japonesa, confluí certos pensamentos, e me sinto no momento de extravasá-los.

Cada toque que eu dava e ele retribuindo o passe. Porque "não pode chutar, faz barulho". "Já passou das dez, os vizinhos querem dormir". E eu também. Mas a gente faz um esforço, ou nem sequer é esforço. Bater uma bolinha é mais gostoso que fazer trabalho da faculdade. Ainda mais quando nós deixamos de última hora o que devíamos ter feito há tempo. Cada fim de semana passando e nós a termos aquela sensação de que estamos a procrastinar indefinidamente, gota a gota o tempo escorrendo batido pelo crivo, e o ploc ploc ploc* a me infernizar, louco, sem ver ida nem saída.

Mas vi a luz. Meu primo aqui ao lado do PC a rebolar, fazer-se de "caveira", brincando, brincando. Há tanto tempo não jogo bola. E ele rebola. Faz a pegada no saco do Michael. Escutando este som maravilhoso do gamelão, que Lou Harrison compôs, um tanto nipônico, espiritual... sábios olhos puxados da austeridade.

E eu a reclamar das dores, dos parcos amores. Agora (e somente agora, pois depois me esquecerei e voltarei às velhas manias) eu me liberto. Meu passo aberto, a descobrir o mundo - vivo! Não bastasse a sensação subjetiva, tenho pessoas em torno que também estão vivas (ou fazem o papel de modo satisfatório). Posso beliscar à vontade, que as pessoas gritarão e me retribuirão a maldade, e eu também sentirei, pois não é um sonho. Se bem que em sonho já consegui uma vez me beliscar, e, ao invés de acordar, senti algo bem parecido com a dor, etéreo, e cri ser a tênue realidade. Não era. O que seria o mundo sem as exceções? Sem cor, sem graça, o toque divino. Se fossem todos brancos, ou pretos, ou amarelos (escolha a cor) não daríamos pela falta do outro. Mas não somos.

"Eu" queria terminar o trabalho. "Eu", no primeiro momento que pegou o trabalho e os textos somando cerca de 400 páginas (eram mais), sentiu a falta de um elemento feminino naquele instante. "Eu" sobrepôs-se ao desejo lúbrico, mas não fez muito mais que isso. Percebeu o quanto está sem estudar de verdade, sentado numa mesa (que não de boteco), ereto, buscando respostas (neste caso, sobre as origens e a evolução do galego-português, mas bem que poderiam ter sido respostas sobre a própria vida). O programa "Mapa-Múndi (Uma Geografia do Som)", da Rádio Cultura, acaba de terminar.

Mas eu quero escrever. Em dois anos, eu envelheci à beça. Já não tenho a cara ingênua e sem marcas dos 12 anos. Nem a saúde. Nem as tarefas correspondentes à essa idade. Trabalho catalogando um acervo de fotos surpreendentemente diverso, que até agora já englobou desde uma estrela holywoodiana como Cate Blanchett, até fotos de um Canavial brasileiro e seus trabalhadores com feridas grotescas na palma da mão, as veias do braço intumescidas como artérias. Fotos do século retrasado (sim! 1890, 1895), e do desabrochar do século passado, e contemporâneas; Cartão Cabinet, stills de filmes de diretores independentes, takes do cinema alternativo. Fotos do cinema mexicano, um tanto clichês, chavões, lugar-comuns... com seus atores sempre adornados com sombreros, o onipresente bigodão de xerife texano. As belas mulheres ornamentadas com apetrechos ciganos, um toque sensual. A terra sem lei.

Fotos da Chapada Diamantina, de castelos e pubs na Irlanda, dos veículos clássicos (velharias?) de Cuba, duma mulher mostrando apenas os seios pela janela aberta (o rosto às esconsas detrás do vidro levantado, impossível de se ver), uma outra mulher, de seios fartos, olhos cerrados, jazendo na cama vestida apenas numa camisola solta. Isso quando uma amiga não me mostrou o Renato Consorte peladão, numa posição mágica de balé, exibindo a arma da nudez aos olhos curiosos. Retratos de família, congressos, Winston Churchill, de uma loirona de sobrenome Gallagher (lembrei-me de Noel Gallagher, vocalista do Oasis) à la Marylin Monroe, que posava em capas de uma revista estadounidense ou inglesa da 2ª Guerra Mundial. Fotos pertencentes à coleção "São Paulo Antiga", verdadeiras preciosidades sobr'a cidade. Fotos aéreas e terrestres da edificação do Memorial da América Latina, na estação Barrafunda. Fotos de mulheres e homens muito bonitos. A beleza... é definitivamente pra ser apreciada.

Eu não sou belo (nem fisicamente nem por dentro), mas me aprecia ver o belo, pegá-lo em minhas mãos (enluvadas), por mais q'aquele segundo fotografado esteja defunto e recoberto de pucumã há décadas, ou mesmo uma centena de anos. Fotos... um flash que congela o momento, um fantasma criológico, teratologia que assusta os viventes. Quão irreal. Às vezes me sinto guiado às origens, às crenças dos nossos indígenas, os quais acreditavam que as câmeras fotográficas captariam sua alma ad aeternum. Quando da advinda tecnológica e do anseio irreprimível de retratá-los e expô-los ao mundo, como Debret o fizera 120/130/140 anos antes (divirta-se com o link, se você é chegado a incursões antropológicas amadoras, tal qual eu).

Tomei a última golada do chazinho de cidreira feito pela mamá justamente antes de digitar esta linha. Antes do chá, a cachimbada. Fecho a porta, para não despertar minha tia, insone, que repousa no quarto do pavimento superior. Minha tia querida, que reza por ela e por todos, com sua fé inquebrantável. E a tia dela, minha tia-avó, é freira. E meu bisavô e outros ancestrais, que foram benzedores nos tempos da roça agreste do nordeste mineiro. Todos da família paterna. E também na família materna essa ancestralidade ligada a algo extraterreno vingou. Que seja uma ilusão. Ao menos as drogas daquela época eram um café açucarado e a ida semanal à igreja, fazer filhos, embriagar-se na lida árdua da roça (como bem o disse Raduan Nassar, em Lavoura Arcaica). Libertamo-nos de peias somente para nos aprisionarmos em grilhetas. What difference does it make? O fato é que ainda hoje as pessoas creem ser mais livres que a geração anterior. E quando, neste mundo, não foi exatamente assim, tintim por tintim? Dentro da família ao menos, tem sido uma ilusão bastante sólida, que não gerou maus frutos. Começa o Jazz da Cultura. Esse Jazz que meu pai não gosta, minha família estranha, e eu amo desd'a primeira vez que o escutei.

E o meu trabalho da faculdade, perto de tanta história, de súbito torna-se pequeno, do tamanho do cata-piolhos, do mindinho... ou menor, intangível. Linhas quebradas da vida a compor um mosaico de arrancar suspiros d'algum'alma vivente. Talvez a minha, ou a tua, ou a de ninguém.

Faça o bem não importa a quem. Importa sim. Nem todos vêm prum afago. Alguns cães vêm pra morder (Cães de aluguel?). Um chute lhes caberia bem. Afastado o mal, durmo no céu. Trabalho findo ou não. C'est la vie, mon ami. É a vida, irmão.

*Ploc ploc ploc... Leia O Deserto dos Tártaros ("Il Deserto dei Tartari"), de Dino Buzzati. E/ou assista ao filme homônimo e lastrado na obra, de Valerio Zurlini. A ordem dos fatores não importa. Se tu leres o livro, verás os ploc ploc plocs de tua vida e em ti ou em outro buscará o encanador, que nalgum lugar se encontra. De preferência antes que dos ploc ploc plocs nasçam as flores do mal.