quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Traficante de Almas

Nunca sei a sensação
Passada assim para mim
De quem mata sem perdão
Sem pesar o próprio fim

De quem ceifa um homem são
Como se dissesse um sim
Extraindo o sangue à mão
Como ao arrancar capim

Como uma alma tão ruim
Pode ao nosso mundo vir
Sem ser santo eu mesmo vim
E sem sangue irei partir

Quanto dói matar alguém
Quando a noite insiste em vir
E na treva os fatos vêm
E o momento de carpir

Qual prazer há em se ver
Nu e cru frente ao espelho
O sangue alheio a correr
E ao Cão eu me assemelho

Qual fortuna eu posso ter
Se a memória fugidia
Do sol sadio a nascer
Lembra-me o outro dia

Embebido em sangue e ódio
O mais inumano em mim
Sem qualquer misericórdia
Em meu crime de Caim

Matei Abel, fui cruel
Confessá-lo não mitiga
Nem tira o ácido fel
Da mia ira fratricida

Se morrerei enforcado
Na seca angústia amargada
Não sei - e quem sabe o fado...
Dum homem entregue ao nada?

E quem andou esta estrada
Continuando sua vida
Será uma alma penada
Bem mais morta que vivida

Cada passo um passo falso
Trôpego, vazio, sem sombra
Rumo ao próprio cadafalso
Cujo aberto chão assombra

O vão da vala abissal
Insensível ao perdão
Seu ruído gutural
Murmurando o eterno Não

Não à póstuma injustiça
A quem quis desafiar
A ordem e as premissas
Do universo, nosso lar

Se o divino em nós está
Seu oposto, igualmente
Ai da consciência má
Que a si, teimosa, mente

Pois a alma já pressente
A vontade de enganar
E o Mal, visto à lente,
Transformado em Bem está.

2 comentários:

Anônimo disse...

FeLIZ AÑo

Fernando disse...

Obrigado, a ti também! Um abraço!