quarta-feira, 18 de junho de 2008

O Progresso e a Ordem, Ops! a Ordem e o Progresso às Avessas no Brasil


Três jovens. O primeiro, Marcos Paulo da Silva Correia, é estudante, de 17 anos. Os outros dois, Wellington Gonzaga Costa e David Wilson Florença da Silva, ambos pedreiros, têm, respectivamente, 19 e 24 anos. Estão na companhia de uma amiga, M.S.O., 16 anos. Juntos vão ao baile funk, para se divertirem um pouco no fim de semana, como eu, como você. Ao saírem de lá, pegam um táxi para voltarem a suas casas. No meio do trajeto, entretanto, na praça do alto do morro, o carro é parado por uma viatura militar, sendo os quatro jovens imediatamente obrigados a descer. Um soldado confunde o celular no bolso de Wellington com outra coisa e já vai logo metendo a mão pra conferir. Wellington se assusta, vira-se indignado para o soldado intrusão.

- Como é isso, sangue bom, tira a mão daí!
- Que isso aí na tua calça?
- Pergunta antes, rapá! Só porque é milica vai agredindo inocente?
- Cala tua boca, moleque, não é assim que fala comigo!
- Falo como quiser, tu não tá no direito de meter a mão assim não, irmão!
- Já falei, cala a boca! Mostra respeito!
- Que respeito, o quê! Cadê teu respeito comigo?
- Ah, é! Cê vai levar um belo de um corretivo, marginal!

Wellington é agredido. Sem poder recorrer a qualquer defesa de seus amigos, vê-se humilhado e impotente contra tantos. A situação fora claramente provocada pelo militar: o que ele queria com eles? Era um maldito celular no bolso. Ou será então que o soldadinho de merda confundiu o cordão que estava pra dentro da calça com outra coisa? Esses caras tão parando a gente por quê? A gente ia pagar o táxi, pura honestidade, tudo pago. Qual o erro, qual a mancada? Não tô vendo nada, parece treta combinada... É... surra de militar não é leve, não. Dois olhos roxos, nariz quebrado, ao menos um dente a menos na boca. Quem perde um dente só é sortudo, mandingueiro. Pagou ou algo do tipo, pra levar uma surra "mais leve". Mas Wellington se fodeu mesmo. O mais triste é que ele nunca mais acordou pra ver o raiar do dia seguinte. Na verdade quando ele acordou a vida mais parecia um pesadelo. Também, o cara abre com dificuldade o olho, e percebe que o que ele tinha passado nas mãos do soldado fora brincadeira de criança perto do que ele estava por sofrer. Pois ele despertou no Morro da Mineira, um dos mais violentos da Zona Norte do Rio, dominado pela facção Amigo dos Amigos (ADA), onde a polícia entra apenas em mega-operações, com contingentes sempre superiores a cem homens. É, velho, o negócio ali é treta. Morte rápida? Hahahaha.... bela piada, playboy. Os garis foram encontrar os corpos mutilados. A tortura foi à la ditadura. Nada branda.

O que aconteceu - segundo as apurações realizadas a partir de depoimentos de todos os envolvidos - foi o seguinte: o tenente Vinícius Ghidetti, que liderava os onze militares acusados pela agressão e morte dos três rapazes, recebeu a ordem do capitão, seu superior, para liberá-los. Mas Ghidetti queria ainda dar um "corretivo" neles, de forma que, dirigindo-se para os onze praças, segundo o próprio testemunho fornecido por eles, expressou o que realmente pensava da ordem de seu superior: "Tô c... para o capitão". Momentos depois, ele e mais três ou quatro (é incerto) que o acompanhavam, levaram-nos para o Morro da Mineira. Entraram lá com facilidade, sem balbúrdia, sem tiroteio. Daí as investigações para descobrir se eles se comunicaram com os traficantes da Mineira antes de entregar os garotos. O fato é que os três ou quatro que participaram desse ato criminoso estão sendo indiciados por homicídio triplamente qualificado, por: crueldade do crime, motivo banal e sem possibilidade de defesa para as vítimas.

Segundo o delegado Ricardo Domingues, o soldado José Ricardo Rodrigues revelou que Ghidetti (o tenente) disse para um dos bandidos, ao entregá-los: "Eu trouxe um presentinho para vocês". Segundo o soldado, os três rapazes imploraram, dizendo: "Pelo amor de Deus, eles vão nos matar". O tenente, sem qualquer peso na consciência, estendeu a mão a um dos traficantes e disse: "Valeu".

Você deve ter notado ao menos uma característica apresentada pelo tenente: a ausência de sentimentos de remorso ou culpa - primeiramente quando ele se referiu às três vidas que seriam desperdiçadas como "um presentinho para vocês". Em segundo lugar ao entregar os jovens e, mesmo escutando-lhes a comovente súplica, ter sido capaz de, sem sequer reconsiderar a torpeza de sua ação, dizer simplesmente "valeu" para um dos bandidos, como se não fosse absolutamente nada entregar três pessoas à sua própria morte, e ser o único responsável por isto. Firmeza esse cara, num é não? O cara não libera três caras completamente inocentes, como fora ordenado por seu superior, mostra requintes de crueldade ao deixar um soldado sob suas ordens espancar feio um dos jovens sem fazer nada, e, pra deixar a coisa um pouco mais psicopática, decide deixá-los com uma das facçãozinhas mais perigosas do RJ. Dá-lhe humanidade! Que lindo que chamemos todos de humanos após uma barbaridade destas! Pois digo uma coisa: se um cara que faz tudo isso é humano, então sou eu quem tem algum problema por não considerá-lo humano. Se alguém disser que o tenente tem alma, espírito, capacidade de sentir empatia - chame como preferir - então sou eu o problemático dessa história. O que eu não entendo é porque não vem um psiquiatra explicar no Jornalzinho Nacional o que é psicopatia e que cerca de 4% da população mundial tem isso. E deixar bem claro as três, de ao menos dez características que definem esses indivíduos - não, eles não são humanos - para todos os telespectadores: incapacidade de sentir remorso ou culpa, ausência de empatia pelos outros e, por fim, um egocentrismo muito superior ao do restante da população. Caso isso possa parecer invenção, quem definiu as três características citadas acima foi Rebecca Horton, em seu livro O Sociopata(1999). A psiquiatra americana Martha Stout deu uma entrevista muito informativa sobre o assunto, além de dois livros publicados sobre o tema. Robert Hare já está há mais de 35 anos estudando o fenômeno da psicopatia.

Nossa! mas eu nunca tinha ouvido falar nisso! Pois é, infelizmente só conheço links em inglês, mas o primeiro livro profissional e bem pesquisado sobre o assunto saiu em 1941, escrito por Hervey Cleckley(1903-1984), um psiquiatra americano. O título do livro revela outra faceta dos psicopatas: The Mask of Sanity (baixe-o clicando no link). Em português, a tradução seria "A Máscara da Sanidade". Sanidade= característica de quem é são. São= normal. Normal= pessoas que querem o bem comum, sem prejudicar ninguém etc. Pois bem, voltando ao título: "Máscara da sanidade". O que isso diz, logo de cara? Que qualquer "normalidade", charme ou carisma apresentado por esses indivíduos é superficial e enganoso. É uma máscara tão bem dissimulada que por vezes se mostra irreconhecível até por psiquiatras. Esses como o tenente, que apresentam as três características básicas de um psicopata, e que fazem dele diferente do restante da população, são os fáceis de se detectar. Os outros? Que tal olhar para a América do Norte e ver quem é o responsável pela morte de mais de 1 milhão de civis iraquianos? Ou então rememorar o nome daquele ex-primeiro ministro britânico que serviu de marionete para o mesmo? Mussolini, Hitler, Mao, quantos exemplos é preciso dar para concluir que as grandes guerras e conflitos mundiais só ocorreram pela existência daqueles capazes de criarem conflitos onde não há, absulutamente, razão para existir algum??

Que tal darmos uma olhada - sim, eu sei que já martelei um pouco sobre isso - no Genocídio Armênio: você sabe qual é o nome do homem que presidiu o Comitê de União e Progresso Turco, uma reunião secreta que fechou com a "corriqueira" decisão de trucidar 1,5 milhão de civis armênios? Talaat Paxá. É um nome bem diferente do que tu deves estar acostumado, então guarda-o bem quando pensares em indivíduos que não são exatamente humanos, apesar de disfarçarem-no bem na maior parte do tempo. Você deve estar achando essa história de não-humanidade muito estranha. Confira, então, com todo seu ceticismo, a resposta dada por Talaat Paxá, quando indagado sobre o Genocído Armênio que ele criara: "Os massacres? Que vá! Pois só me divertem!". Bom, o resto é contigo, leitor.

O número de links é grande, mas os referentes à psicopatia são, um por um, importantíssimos individualmente. A entrevista com Martha Stout é bastante elucidativa e didática, mostrando como a psicopatia nos afeta no dia-a-dia e o que se deve fazer. Outra ressalva: os psicopatas não são necessariamente foras-da-lei, socialmente inadaptados ou nada parecido. É possível que todos os serial killers sejam psicopatas, mas afirmar o oposto é um absurdo. Na verdade, os serial killers são uma aberração à parte. Os psicopatas criminosos e constantemente retratados em filmes clichê são os mal-sucedidos. Os bem-sucedidos estão em toda parte da sociedade: presidentes, chefes, médicos, psiquiatras, psicólogos. Muitos deles são carismáticos, charmosos, elegantes, inteligentes, sabem falar de tudo, parecem ser mais normais do que eu e você. E é por isso que são tão bem-sucedidos, caso contrário, como isso seria possível? A entrevista com Martha Stout está em inglês, assim como todo material. Se um assunto tão trivial como a psicopatia despertar teu interesse, eis o link, novamente: entrevista.

Fontes utilizadas para narrar a notícia:
  1. O Estado de São Paulo - 16/06/08
  2. Último Segundo - 16/06/08
  3. O Estado de São Paulo - 18/06/08
  4. Jornal Brasil Online - 19/06/08

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