(redação realizada para aula de LPR, do dia 10/06. Nota máxima.)
Chocante. Assim seria descrito, repetidas vezes, o assassinato a sangue frio de Isabella Nardoni, de apenas cinco anos. A cobertura da imprensa, no entanto, provou-se exacerbada e selvagem, constituindo-se em um real ultraje à dignidade dos cidadãos brasileiros.
Consideremos, a princípio, o tempo transcorrido desde o início da cobertura do trágico falecimento: meses. Outro ponto de total relevância refere-se à forma feroz pela qual esse assunto foi explorado, pouco levando em consideração os sentimentos que tamanha atrocidade deveriam ter despertado em cada indivíduo: a polêmica superficial levantada acerca do crime impediu que se chegasse a uma verdadeira reflexão a respeito do que ele simboliza a uma sociedade que, de modo cínico, proclama-se civilizada.
Primeiramente, a morbidez com que o crime - isto é, um infanticídio - foi executado não pode ser racionalmente atribuída a seres humanos. A parcela majoritária da população jamais mataria um estranho, quanto mais um ente tão querido e próximo como o próprio filho. Não seria a hora de se exigir um exame psiquiátrico independente, para determinar se Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá possuem as duas características básicas que definem um ser humano: amor e empatia? Daí o pensamento crítico que já deveria ter incomodado a opinião pública: se um indivíduo mostra-se friamente capaz de assassinar um filho de seu seio, o que o restringiria de fazer o mesmo a um desconhecido?
Em segundo lugar, observemos a atuação gongórica e parcial da imprensa: na mesma semana do crime, foi-me oportuno ler o artigo de um jornalista, concernente à iniqüidade da cobertura jornalística. Naquela fúnebre semana, um garoto negro havia sido vitimado por uma bala perdida dentro da favela onde morava. Tornou-se, com seu ignoto martírio, mais uma criança olvidada em um Brasil que, seguramente, não pertence a todos. Sua morte equipara-se à de centenas de outras crianças vivendo diariamente à margem da sociedade, anônimas mesmo após injusta morte. O caráter apócrifo dessas mortes - incapazes, por si mesmas, de ocasionar polêmica nos meios midiáticos - obstrui gravemente a criação de medidas para pôr um fim à perigosa impunidade criminal, que grassa livremente no território tupiniquim.
Conclui-se, mormente, que há algo de deveras bolorento neste país: o que significa dizer que o Brasil é um país de todos? Topa-se freqüentemente com essa mensagem desonesta nos cinemas, em filmes nacionais, e na mídia televisiva, quando é transmitida em intervalos comerciais - não obstante o fato dela não possuir o mais leve firmamento na realidade corrente.
Constata-se, portanto, que a real democracia jamais firmará raízes enquanto for dominante uma mídia monopolizada, senão por uma mega-indústria midiática orwelliana, então por um ponto de vista coibitivo, ditatorial, uma vez que almeja - com sucesso - sobrepor-se às demais vozes, maquilando os fatos de forma unilateral, homogeneizada, virtualmente inqüestionável. Tal processo paulatinamente destrói opiniões contrárias ou alternativas, ou que venham a expor esse escopo midiático pelo que é: exagerado, apelativo - caracterizado, sobretudo, por seu olhar viciado. Para virar manchete é preciso ser branco, pertencente - no mínimo - à classe média, entre outros requisitos subentendidos. Isso porque o estrato mais alto de nossa sociedade é predominantemente branco, chauvinista e supremacista. Estaríamos nós a meros passos de um regime político-cultural opressivo, artística e enganosamente pintado sob o delusório epíteto de democracia?
Nenhum comentário:
Postar um comentário