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sábado, 5 de dezembro de 2009
Pollyanna
Que livro fabuloso, tanto o primeiro (Pollyanna), quanto sua sequência (Pollyanna Moça)! Escritos por Eleanor H. Porter, o primeiro em 1913 e o segundo em 1915. Foi com estes que a autora tornou-se aclamada mundialmente, e deu à luz esse nome um tantinho surpreendente, misto de Polly + Anna, dois nomes femininos até então (creio eu) dados apenas separadamente. Aliás, eu conheci uma garota chamada Poliana, no dia 9 de junho deste ano, o dia em que a polícia "brincou" de pega-ladrão conosco, estudantes uspianos, dentro do campus da nossa querida universidade.
Bom, preciso dizer que eu nutria profunda desconfiança por esse romance que havia caído de repente na boca de todos, desde os meus pais até a nossa geração - ouvi outro dia meu amigo explicando a origem do nome, e fiquei intrigado: ué, se todos falam, é porque algo tem. Não necessariamente, mas bem capaz que tenha! E continuei empurrando para baixo o impulso de pegar o livro e lê-lo para sanar essa dúvida.
Por um total acaso, acordado de madrugada (não lembro se por algum pernilongo ou outro motivo igualmente forte), fui vasculhar o interior de uma das estantes aqui de casa. Ela fica bem pro alto, e sempre dá vontade de olhá-la! Preciso de uma escada para alcançar seus volumes, e subir - para alcançar as prateleiras do topo - até último degrau, o que é emocionante o suficiente para uma alma aventureira como a minha. Foi então que descobri que ali estava, intocado há anos e anos.... Pollyanna! Traduzido por Monteiro Lobato, então... mais uma razão para abri-lo, investigá-lo, tocá-lo... enfim, todos esses sutis prazeres desfrutados por nós, bibliófilos.
Que estória maravilhosa nos apresenta a autora: uma garotinha que brinca do "Jogo do Contente". O simples - porém desafiador - jogo consiste em contentar-nos com o que temos, não importa o quão ruim, ou o quão abaixo de nossas expectativas iniciais. No começo, franzimos a testa para tal iniciativa: parece, naturalmente, otimismo demais para ser posto em prática! Mas descobrimos que com isso Pollyanna consegue mudar as pessoas de uma maneira radical. Isto é, porque ela vive o jogo, e sua natureza expansiva a faz convidar completos estranhos a dele participarem, operando mecanismos de cura insconscientes, e assim se aproxima de tais pessoas e toca seus corações de modo inenarrável. É uma estória fabulosa, visto que não pressupõe uma evangelização das pessoas, uma pregação de sermões, uma exegese bíblica.
Ela simplesmente age numa maneira altruísta e exploradora de ser, numa ingenuidade impressionante, sem distinguir pobre de marajá, branco de preto, novo de velho. Para ela, todos são potenciais jogadores do Jogo do Contente, e, sendo assim, não há diferenciação de uma pessoa para outra. O que quer dizer que todos são potencialmente bons seres humanos, ainda que não tenham descoberto uma maneira de sê-lo. Incrível como ela põe esse jogo em prática, jamais se isolando numa redoma de falso contentamento. Não, esse contentamento é algo que é parte integrante dela, e seus frutos logo amadurecem de um jeito esplêndido. Pessoas entediadas com a vida, ou mesmo enfermas, descobrem que há pequenos prazeres que podem ser gozados e esse simples contentamento é algo que pode mandar de um minuto a outro sua miséria existencial embora!
Claro que, sendo um romance, a autora achou preciso obstar o caminho do pleno contentamento com desafios dignos de serem superados. E assim se desenlaça a estoriazinha catequizante - embora nada tenha a ver com religião alguma. Propõe-se, sim, uma religião da alma, e os seguidores são livres para agir conforme seus princípios ou não. Quem não for de acordo, não será mal-visto. Pelo contrário, terá em volta pessoas que se sentem melhores após terem começado a tomar desse antídoto, e tais exemplos podem, como não podem, ser seguidos.
Pollyanna Moça traz novas dificuldades para ela, porque na vida adulta é que normalmente deixamos nosso espírito brincalhão e bonachão, e a feliz bonomia de lado. E ela adentra esse mundo com seus passos vistos como infantis, inapropriados para alguém que está crescendo e precisa entrar nos conformes da sociedade que a enroda e já segue uma certa rigidez de costumes - entre eles: bancar o sério, exigir, demandar, depreciar o serviço mal-feito, mas jamais elogiar o feito corretamente.
Pollyanna, tem, portanto, uma jornada cheia de pedregulhos para seguir. E sabe-se que é tarefa impossível a qualquer que seja chutar para longe todos os pedregulhos do caminho, simplesmente por nos incomodarem. São muitos, e dalguns precisamos necessariamente nos desviar - esses são, aliás, grandes demais para os nossos pés. Acabariam por nos machucar, e disso não gostaríamos nadicas. Vê-se ela, portanto, diante do problema de como continuar pondo em prática um mote de vida que é visto como tipicamente pueril, apesar de não sê-lo. E, ainda por cima, continuar praticando-o quando já não se é mais um infante, e já não se tem sobre si olhares na maior parte benévolos e compreensivos.
As críticas hão de vir, mas sua força de espírito e d'alma reinará. Como se dá isso? Só lendo esses dois curtos volumes! Eu ri muito com essa obra. Redescobri a importância de ver, nos pequenos momentos, os mais majestosos, porque simbólicos da fragmentação do Uno - e facetas do Real, o Numênico kantiano, invisível a nós, pobres mortais. Mas que, em vida, muito podemos fazer - por nós, e, indiretamente, pelas partes interessadas.
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4 comentários:
é pra poucos sentir e entender a sutil beleza dentro de cada pequena alegria que existe no dia-a-dia.Pollyanna é uma personagem fabulosa, na minha opinião.E é raro conseguir chegar aonde ela chega no sentido de tocar a alma das pessoas.Quando li, gostei muito, mas infelizmente diariamente me vejo incapaz de seguir como eu gostaria toda essa...filosofia de Pollyanna, que ''prega'', em suma a meu ver, o poder de ser feliz, em qualquer circunstância.Porque pode ser batido isso que eu vou falar, mas a felicidade não está em outro lugar senão dentro de nós...e só se transporta para o plano ''exterior'' através de nossas ações.
abraço!
Sim, concordo contigo que a habitação da felicidade é cá dentro. E, claro, é pra poucos expô-la de modo tão natural, surpreendente, magnífico. Precisamos senti-la antes de verdadeiramente expressá-la, e nutri-la, antes de de fato tê-la, e cultivá-la, para assim mantê-la.
É uma verdadeira labuta, um labor de enxada, solo e sol. E só poderia valer a pena para quem visse nisso uma meta de vida. E poucos de nós chegamos a esse nível de reflexão intermediado de ação. Tristes são os pensamentos natimortos - e tristemente a maioria.
Olá Fernando, conforme o prometido, cá estou inaugurando meus comentários neste seu precioso blog. Esta postagem foi a escolhida, porque me fez mudar de postura em relação à atitude preconceituosa que tive diante de um trabalho solicitado por uma editora onde colaboro. O editor me convocou para adaptar em linguagem de quadrinhos, o livro Pollyanna.
Eu não havia lido esse texto, mas conhecia o seu teor e, mais ou menos como você, "empurrei para baixo o impulso de lê-lo" mesmo sem a sua presença na minha estante. Recusei assumir tal tarefa, questionando exatamente o sentido desse "excesso de otimismo" em uma época tão incerta quanto aos rumos, não só da nossa sociedade, mas também do nosso meio ambiente, etc.
Seu texto me fez enxergar o quanto esses índices negativos, em parte reais, em parte paranóicos, podem ofuscar a nossa compreensão da realidade. Sua análise foi perfeita, me levou a concluir que é muito mais efetivo tratar da saúde, do que da doença. Obrigado
Sou eu que agradeço, Jo. O seu ceticismo, como o meu, foi bem fundado, porque vivemos num mundo avesso a qualquer possível manifestação de otimismo. Ou pelo menos é o que nos parece.
O seu comentário é fundamental. Porque você pôde captar que Pollyanna de certa forma idealiza o mundo, mas vive nele também. E várias vezes ela é forçada a encarar de frente uma realidade nada bela, e sujeita aos acidentes do destino, tão desastrosos e impiedosos.
Pollyanna, ao idealizar o mundo, potencializa-o também. Potencializa-o de uma forma fantástica, porque a partir daí todas as pessoas podem ser importantes umas às outras. Só falta saberem como.
O Jogo do Contente não é nada fácil, nem natural. É uma prática que vai de encontro com os nossos valores já condoídos, machucados. Mas ele nos traz momentos de felicidade em meio ao mundo, e não longe dele.
É a antítese de uma droga recreativa: o Jogo do Contente não nos afasta das tribulações cotidians, mas, sim, nos aproxima do mundo e dos outros. É uma façanha incrível.
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