Vai abaixo o poema completo:
*
No quarto de hotel
a mala se abre: o tempo
dá-se em fragmentos.
Aqui habitei
mas traças conspiram
uma idade de homem
cheia de vertentes.
Roupas mudam tanto.
Éramos cinco ou seis
que hoje não me encontro,
clima revogado.
Uma doença grave
esse amor sem braços
e toda a carga leve
que súbito me arde.
No quarto de hotel
funcionam botões
chamando mocidade
fogo, canto, livro.
Vem a quarteira
depositar a branca
toalha do olvido
insinuar o branco
sabão da calma.
A perna que pensa
outrora voava
sobre telhados.
Em copo de uísque
lesmas baratas
acres lembranças
enjôo da vida.
Ponho no chapéu
restos desse homem
encontrado morto
e do nono andar
Jogo tudo fora.
A mala se fecha: o tempo
se retrai, ó concha.
*
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2 comentários:
Drummond é um dos meus favoritos. Vejo nele a habilidade de mesclar pujança e sutileza, vejo palavras pesadas e sensações austeras, mas isso tudo é harmonicamente enquadrado e me toca muito, como se ele arrolasse eventos comuns da vida, episódios marcantes e muito dentro do normal; eu penso na Máquina do Mundo e acredito através da leitura daqueles versos, simples e geniais como são, que todo homem o menos uma vez topa com a máquina aberta, assaz convidativa... Drummond versou muito a vida e as implicações da relação humano-ambiente. Na escola, como seus bravos colegas (dentre os quais reconheço uma em especial!), fizemos uma apresentação da “Morte das casas de Ouro Preto”, minha predileção entre os drummonianos. Descobri, infelizmente tarde demais para vê-la, uma exposição no CCBB cujo tema era esse forte, triste poema. Lembrei de você e seus conhecimentos museológicos, sobretudo porque havia um recurso muito particular na instalação: a chuva. Olha só: http://www.youtube.com/watch?v=3Yfga89p0Do
Nossa, que instalação esplêndida!
Valeu pelo link, Rê!
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