quinta-feira, 7 de maio de 2009

Os Combatentes Africanos da Grande Guerra (1983)


Do diretor Laurent Dussaux, este filme P&B é impressionante, pelos fatos: que 200 000 jovens africanos haviam sido recrutados, dentre as então colônias francesas no continente da fome, para lutar pela França na 1ª Guerra, oras, disto eu não sabia. Das duas centenas de milhares, 30 mil foram mortos e 35 mil voltaram feridos, e nada disso eu sequer vi em livro algum de história, dos adotados no 2º grau, ou mesmo mencionado por qualquer professor dessa matéria, quando expôs sobre a Grande Guerra.

No filme mostra-se, em filmagem da época e com o respaldo das testemunhas sobreviventes, os batalhões de negros marchando na Paris de então; mostra-se também como passavam seu tempo no navio que fez a travessia à França, sua música, suas danças rítmicas, breves ritos em sua terra-mãe, e mesmo os pequerruchos infantes e as mulheres nuas em seu lar silvícola.

A abertura da película já é por si surpreendente. Um baobá é capturado pelas lentes, que então se aproximam gradualmente, até nos depararmos, boquiabertos, com as dimensões colossais da peculiar árvore - um homem encontra-se acocorado, a rir e sentir graça, num considerável buraco arredondado, situado no meio do tronco da hercúlea planta, mas que não representa sequer 1/10 do seu porte de fato fenomenal. É impossível não sorrir de incredulidade - parece brincadeira!

Mas o objeto do filme é retratar os fortes homens negros descalços no processo de arregimentação e, posteriormente, sendo levados aos fronts, em meio a cenas de divertimentos no intervalo das marchas e dos árduos trabalhos (treinamentos, cavar trincheiras etc).

Um certo depoente nos conta que, na chegada à França, crianças brancas corriam em sua direção e faziam questão de se esfregar na pele dos soldados africanos, para averiguar se, de fato, sua pele escureceria no contato. Ficavam desiludidas quando nada acontecia... e, quando os soldados principiavam diálogo com idosos franceses, estes denotavam esgares de espanto com o francês correto falado pelos "estrangeiros", ao que logo seguia a pergunta: "Há quanto tempo vocês estão na França?" Ao que redarguiam: "Há dois meses." "Más dominam a língua com fluência de falantes maternos?"

Isto chocou profundamente, na época, um dos sobreviventes, e deveria, pois, causar semelhante efeito em nós. Por quê? Oras, uma vez que escancara o fato de que muitos parisienses (a maioria?), citadinos, "civilizados", nada sabiam do que as tropas coloniais francesas haviam feito (e estavam a fazer) aos senegalenses, martiniquenses e guadalupenses. Não haviam eles infundido-se nos povoados africanos, impondo seu falar, num processo maior parte das vezes violento e irascível? Pois, como pessoas pertencentes a uma civilização supostamente bem informada e culta desconheciam a (co)ação colonial sucedida nas nações africanas, concomitante à chegada dos recrutas?

"É um absurdo eles não saberem! Como podem não saber?!" - esta, sim, seria a inferência natural, e o que primeiro veio à cabeça do soldado africano que depõe no filme.

Filme importantíssimo para reduzir a distância à uma realidade ostensivamente ignorada. Esses heróis negros deram seu sangue e seu valor numa guerra que tampouco era sua, a maioria sem opção, outros poucos voluntários, e, mesmo forçados, não há relato de desertores. Algo de que muitos soldados brancos, franceses natos, não tiveram maior pejo em realizar. As tropas negras constituíam a primeira linha, a verdadeira bucha de canhão.

Irei citar uma última cifra numérica, esta digníssima de nota: de seus vilarejos ao embarcadouro, esses bravos homens foram levados a percorrer assustadores 2.000km a pé descalço, por entre matas e terrenos abertos, em condições de vera insalubres, uma ignomínia humana. Tal marcha repudiável resultou, obviamente, em exaustão, enfraquecimento, doença e morte no decurso. Ainda, uma vez no (primeiro?) navio, o capitão da nau queria metê-los no calabouço, em condições análogas às dos escravizados, três séculos precedentes. O representante dos recrutados, ali presente, soltou verdadeiros impropérios para salvá-los dessa sina aterradora, comprando uma briga com o capitão, mas aos menos valendo a liberdade daqueles homens à bordo do vaso cargueiro.

Até a força dos valentes tem limite: os ainda doentes foram sendo categoricamente atirados ao mar ao longo da jornada, lado a lado aos finados. No leito das águas profundas repousam, quiçá sem ter alcançado paz, já que nossa civilização moderna e cultural faz vista grossa ao deparar-se com crimes passados, e que se passam diariamente na Palestina, no Afeganistão, no Iraque, e em todas as nações tão democraticamente invadidas (ops, a Globo diz 'ocupadas'), humilhadas ('ocupadas' novamente, caramba, ó eu insistindo no erro! tsc), destituídas ('ocupadas'...).

Chego à implacável conclusão que 'ocupação' virou uma palavra-valise, no mínimo atenuante, e, se não tratássemos os fatos com tantos eufemismos mitigadores, uma palavra que encobre e enterra. Um vocábulo que, nas condições presentes, me aterra. Tornou-se mais uma ferramenta orwelliana da manipulação da linguagem. Oh, novilíngua! Ó, admirável mundo novo! Se apenas não fosse todo um léxico belicoso submetido à diária prestidigitação tirânica e titânica!

O que é hoje democracia, terrorismo, 11/9, homens-bomba, Bin Laden, armas de destruição em massa (ah, essas a mídia revelou ser uma patranha! ah, essa eu sei hahaha.... pena que não há nada de risível. À medida que +1,6 milhão de vidas já foram ceifadas no berço da civilização, erma Mesopotâmia, atual Iraque...), antissemitismo...

Semita, no dicionário Houaiss (2004), é:

"relativo ao grupo étnico e linguístico ao qual se atribui Sem (um dos filhos de Noé, Gênesis 5, 31) como ancestral, e que compreende os hebreus, os assírios, os aramaicos, os fenícios e os árabes, ou membro desse grupo."

Ah! Puxa, então coitado do antissemita, que entra em uma contradição escabrosa, além de acabar odiando uma gama bem ampla de povos, passados e presentes.

Aliás, o presidente do Irã nunca disse "Israel deve ser varrido do mapa."[<--veja por si próprio]. Primeiro que a tradução literal do persa atesta uma sentença com conotação completamente diversa: "O regime que [hoje] ocupa Jerusalém deve(rá) sumir das páginas do tempo." A alternância do verbo se dá porque, segundo alguns tradutores persas (confira o link já posto acima), houve uma alusão voltada ao futuro. Ou seja, não existe ameaça alguma - há, sim, um vaticínio, uma predição, se assim o quiser. Em segundo lugar, Mahmoud Ahmadinejad citou o aiatolá xiita iraniano Ruhollah Khomeini (1900-1989), que assumiu o poder com a queda do Xá do Irã, Mohammad Reza Pahlevi. Não, não foi uma frase de cunho próprio (como a malévola corrente midiática tão bem o faz parecer), de uma mente (que o Ocidente pretende fazer) desvairada. E, em terceiro e último lugar, Khomeini referia-se à queda do totalitário regime do Xá, e não a uma idéia doidivanas e inescrupulosa de que o Irã deveria "sumir do mapa". A menção era a um regime totalitário, iníquo, abusivo, de maneira alguma ao próprio país! Que contrasenso almejar a destruição do país que governa, oras. Quando se usa uma citação em discurso, pretende-se aplicar o mesmo raciocínio a uma situação presente, e não prostituí-lo, como o fez a escabrosa mídia de língua inglesa - da brasileira, não resta muitas dúvidas sobre a (não-)averiguação dos dados que reproduz, quando não os produz ela mesma.

Quando será que as pessoas iluminadas deste mundo irão perceber que os verdadeiros filmes são aqueles que nos fazem buscar alento nos fatos reais, e, portanto, na realidade? Não que um filme de ficção não o possa cumprir (o que, aliás, é ficção? A não-realidade? E o que é a não-realidade, é tangível? E a própria realidade, o é? Há muito o que ser dito sobre a permeabilidade dos termos). Pelo contrário, eu sequer faria menção do filme baseado no livro homônimo de Sidney Sheldon, em português vertido para "Um Sonho de Liberdade" (Brasil), ou "Os Condenados de Shawshank"(Portugal), originalmente The Shawshank Redemption (Frank Darabont, 1994). O que acontece ali é fato, a coação moral, psicológica, física, e ulteriormente sexual do recém-chegado. Basta ler Carandiru, de Dráuzio Varella, ou falar você mesmo com um preso ou ex-preso, ou (ex-)agente penitenciário. Eu próprio escutei da boca dum agente penitenciário que trabalhou por 20 anos no Carandiru - daí você tira a firmeza factual do que escrevo aqui no blog. Eu e mais outras quinze pessoas, no Técnico de Museologia (ETEC-PJ, est. metrô Carandiru), afora outros detalhes por ele relatados, que nos pareceram ter sido extraídos dum pesadelo infernal. Alguns chegaram a passar mal ao retornar para casa, conforme ouvi, já eu perdi boas horas de sono - mas ganhei um conhecimento acurado da realidade.

Viver em sonho e fantasia - tudo isto acaba um dia. Um verso proverbial, matutado no momento.

Boas leituras, e bons filmes!

El Violin (Francisco Vargas, 2005)

Garagem Olimpo (Marco Bechis, 1999)

Spartacus (Stanley Kubrick, 1960) - a partir do qual, aliás, aventurei-me a poetar.

Missing - Desaparecido (Costa-Gavras, 1982)

Z (Costa-Gavras, 1969) - chamado por alguns de "a obra-prima de Gavras"

Network (Sidney Lumet, 1976)

Serpico (Sidney Lumet, 1973)

Os antepenúltimo e o penúltimo são indispensáveis para se conhecer alguns podres fatos por trás dos bastidores da mídia e da política; e, o último, tem o coroamento de Al Pacino, uma atuação brilhante, embasbacante, revelando a corrupção, entranhada na organização policial norte-americana de então. Sobre o qual postei uma resenha aqui no blog, que eu particularmente recomendo, por ser não-spoiler e conter reflexões mui interessantes.

Abraço!

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