-Oh, Maria, Jesus, livrem-me deste suplício, dizia Jésus, em meio a lágrimas e à rouquidão de sua voz.
Mas a hecatombe não parava. Simplesmente não parava. A praça da citadela estava cheia de sangue, com um cheiro malsão indescritível. O ressoar do látego castigando a carne humana era apavorante, aterrador.
-Oh, meu Deus, livrai-nos da fúria humana!
Os transeuntes caminhavam em transe, vendo aquela cena dramática, sanguinolenta, os rostos contorcidos dos prisioneiros moribundos causando esgares de asco nos que ainda não haviam sucumbido ao masoquismo ubíquito.
A sociedade fora outrora uma coisa não tão vil, mas não era nem sequer próxima do idealizado. O pior é que não havia mais registro, tudo fora queimado, todos os impressos, todos os livros, pois a nova sociedade não mais buscava o conhecimento. Asssim foi que, destruindo qualquer alegoria a hábitos diferentes, costumes anteriores, culturas diversas, a história foi apagada, negada.
-Enterrem, queimem, e destruam esse monturo intelectual! bradavam os neoinquisidores, ávidos pelo poder que jazia agora em suas mãos.
Como pôde? Como foi tudo tão rápido, num abrir e fechar de olhos? Já não se sabia. O fato é que as pessoas foram incitadas a perpetrar todo o morticínio, deixando um asqueroso rastro de destruição, e já não tinham resquícios de consciência para julgar seus atos.
Agora a neocivilização chafurdava feliz nas ruínas de um pretérito não tão cruel e carniceiro. As pessoas deixaram de ser pessoas, transforamaram-se em suínos que comemoravam a demolição imperturbável do que quer que fosse que servisse a um fim. Nulidade. Olvidaram o passado para erigir um novo presente, baseado na ignorância e no medo latente no coração dos covardes. Covardes no poder.
Todos aqueles que se oporam abertamente morreram, ou estão próximos do fim. Todos os gritos que ecoavam através do burgo não causavam mais o mínimo de espanto ou comoção, ou mesmo rancor dos habitantes da cidade. As crianças cessaram o choro, e seu terror cedera àquele lugar-comum: os estertores da morte dos queimados e enforcados. Não havia lugar para execução. Tudo recendia à morte: os banheiros, as escolas. Vermelho era a cor do novo mundo. Marte, marte, marte! Marchem!
Tão crua era a cena banhada em sangue humano que qulquer ser minimamente são não aguentaria sequer o odor repugnante que exalava dos corpos calcinados, pilhados, no chão de pedra fria, insensível. Todos nus, mulheres e homens igualmente, velhos e infantes também.
-Mortalha para os mortos, branca ou preta, 100 marcos! gritava o ambulante, mostrando calmamente suas mercadorias.
-Como pode, meu Deus? Indignava-se o sotaina, que aspergia água benta nos assassinados, com o vial que mantinha consigo.
-Vê se fecha essa boca, padreco imundo! gritou um guarda esfaimado, maçãs salientes, cuspindo-lhe na batina.
O sórdido pavimento nu da cidade esquentava-se com o cálido Sol do meio-dia. As mulheres, acompanhadas por seus maridos, usavam roupas compridas, relando o chão, pois na neogovernança as mulheres eram objetos, todas meretrizes sem exceção. Nenhuma tinha o direto de se banhar ou lavar. Foi usurpado também o direito de abrirem a boca quando lhes conviesse, agora a sociedade dos homens era para os homens. Eles, e somente eles, eram os mandachuvas, e todo tipo de desgraça podia acontecer num mundo dominado por brutamontes.
Brutalidade em voga. A humanidade se afoga, se afoga, se afoga...
Há 3 horas
2 comentários:
É, história, nossa história...
Abrir a boca a poder falar algo?
Poucas vezes isso foi realmente possível!
E se vermos bem, quando podemos falar algo a alguém em meia a um prejuízo por não podermos carregar nossa bilhete único depois dum dia inteiro sem sistema?
Não podemos...
=/
Dos conhecimentos:
Infelizmente se perderam muitas coisas! Se hoje conhecemos Aristóteles e Sócrates foi pelos Árabes...
Existe um escritos romanos, historiador, que escreveu um total de 60 livros sobre a história romana, desde o século 6 a.c até o séc 2, se não me engano, desses 60 só se sobraram 6!!! =O
Acredita?
Foda!
Mas, lindo o que eu li! História contada de uma forma única! Apaixonante! Saudades de poder conversar contigo todos os dias e ler tais textos dum amigo muito querido!
Ótimo dia!
=)
(desculpa se meu comentário está estranho são 6:00 e estou indo para a federal)
Obrigado, Lucas!
Saudades também!
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