segunda-feira, 30 de junho de 2008
sábado, 28 de junho de 2008
Caso Nardoni: A Atuação Invasiva da Mídia
Chocante. Assim seria descrito, repetidas vezes, o assassinato a sangue frio de Isabella Nardoni, de apenas cinco anos. A cobertura da imprensa, no entanto, provou-se exacerbada e selvagem, constituindo-se em um real ultraje à dignidade dos cidadãos brasileiros.
Consideremos, a princípio, o tempo transcorrido desde o início da cobertura do trágico falecimento: meses. Outro ponto de total relevância refere-se à forma feroz pela qual esse assunto foi explorado, pouco levando em consideração os sentimentos que tamanha atrocidade deveriam ter despertado em cada indivíduo: a polêmica superficial levantada acerca do crime impediu que se chegasse a uma verdadeira reflexão a respeito do que ele simboliza a uma sociedade que, de modo cínico, proclama-se civilizada.
Primeiramente, a morbidez com que o crime - isto é, um infanticídio - foi executado não pode ser racionalmente atribuída a seres humanos. A parcela majoritária da população jamais mataria um estranho, quanto mais um ente tão querido e próximo como o próprio filho. Não seria a hora de se exigir um exame psiquiátrico independente, para determinar se Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá possuem as duas características básicas que definem um ser humano: amor e empatia? Daí o pensamento crítico que já deveria ter incomodado a opinião pública: se um indivíduo mostra-se friamente capaz de assassinar um filho de seu seio, o que o restringiria de fazer o mesmo a um desconhecido?
Em segundo lugar, observemos a atuação gongórica e parcial da imprensa: na mesma semana do crime, foi-me oportuno ler o artigo de um jornalista, concernente à iniqüidade da cobertura jornalística. Naquela fúnebre semana, um garoto negro havia sido vitimado por uma bala perdida dentro da favela onde morava. Tornou-se, com seu ignoto martírio, mais uma criança olvidada em um Brasil que, seguramente, não pertence a todos. Sua morte equipara-se à de centenas de outras crianças vivendo diariamente à margem da sociedade, anônimas mesmo após injusta morte. O caráter apócrifo dessas mortes - incapazes, por si mesmas, de ocasionar polêmica nos meios midiáticos - obstrui gravemente a criação de medidas para pôr um fim à perigosa impunidade criminal, que grassa livremente no território tupiniquim.
Conclui-se, mormente, que há algo de deveras bolorento neste país: o que significa dizer que o Brasil é um país de todos? Topa-se freqüentemente com essa mensagem desonesta nos cinemas, em filmes nacionais, e na mídia televisiva, quando é transmitida em intervalos comerciais - não obstante o fato dela não possuir o mais leve firmamento na realidade corrente.
Constata-se, portanto, que a real democracia jamais firmará raízes enquanto for dominante uma mídia monopolizada, senão por uma mega-indústria midiática orwelliana, então por um ponto de vista coibitivo, ditatorial, uma vez que almeja - com sucesso - sobrepor-se às demais vozes, maquilando os fatos de forma unilateral, homogeneizada, virtualmente inqüestionável. Tal processo paulatinamente destrói opiniões contrárias ou alternativas, ou que venham a expor esse escopo midiático pelo que é: exagerado, apelativo - caracterizado, sobretudo, por seu olhar viciado. Para virar manchete é preciso ser branco, pertencente - no mínimo - à classe média, entre outros requisitos subentendidos. Isso porque o estrato mais alto de nossa sociedade é predominantemente branco, chauvinista e supremacista. Estaríamos nós a meros passos de um regime político-cultural opressivo, artística e enganosamente pintado sob o delusório epíteto de democracia?
sexta-feira, 27 de junho de 2008
Poesia protestante... ela protesta, sem religião
E quando posta, diz que o mundo irá acabar.
E se fosse, de verdade, um dia terminar?
Viver-se-ia melhor, saber-se-ia aproveitar?
E se não fossem profetas a murmurar,
Mas astrônomos a determinar:
"O mundo está para findar!"
A catástrofe... (esta, sim) rolando solta no ar.
Meteoros e cataclismas vão todos (até os mortos) revirar
[enquanto há:]
Pessoas incontáveis a se desesperar
Criando (inúteis) teorias (para se amar)
Todos buscando, enloucados, aproveitar...
Seja lá o que isso for significar!
O que é aproveitar?
O que é amar?
Quantos estão realmente vivos?
E não somente fingindo viver...
Quem sou eu?
Quem é você?
Por que me iludi (em te idealizar) ?
Por que te esqueci (depois de aprendida a lição)
E continuei a viver, estando aqui
Mesmo sem essa doce (e amara des)ilusão?...
Por que se decide ir ao albergue,
[Supostamente] (para se) realizar uma boa ação...
{sentir-se bem, isto é}
E, de repente, não negue,
Já se mudou a intenção...
Correr é bom para rir
E saudável esporte é.
Porém não para fugir,
Tão logo decidindo-se,
Para logo virar o pé...
Vale mais ir bem em uma detestável prova...
Do que realizar algo "bom"?
A vida ainda viceja, nova,
E já se desligou o bom tom.
E fala-se, ainda, em fim de mundo,
Como se isto fosse todos afetar...
[N]Este mundo sugismundo,
Onde ir mal é vagabundo ser-estar (mais conhecido como verbo TO BE)...
E discorre-se ainda sobre o fim,
Sem saber sequer o início...
Quando ainda o mais forte suplício
É fazer algo "por mim"...
Ser solidário um dia,
E (correspondentemente) Egoísta noutro...
Chama-se isso ser cristão!
Quando um desejo outro
Está sempre a sufocar uma boa ação...
Viva, gente, a hipocrisia!
(Hua hua hua....este é o mundo de José Simão, o macaco fanfarrão. Festejem, todos, até o fim! E, sim, mintam... mas não pra mim – a não ser que queiram ver suas lorotinhas desmascaradas...)
(Oh, santa hipocrisia de cada dia, rogai por nós, pecadores... vamos lá, camarada, puxe do fundo da memória. Reze comigo aquela boa e velha oração...)
Ouvir honestidade é duro,
É bater cabeça no muro,
Mas sempre vale a pena:
Vida grande ou pequena...
Mais fácil é xingar o mensageiro
Do que escutar a mensagem...
Mensagens não foram feitas
Para servirem de massagem...
(continuem cantando a canção... a tragicomédia representada cá só tem fim com o fim do mundo, como alguns temem [e muitos negam]... ao passo que quem teme não alega... por que será...)
sábado, 21 de junho de 2008
O Processo (atualizado em 22/06)
Esse foi o pontapé inicial para os achados por vir. Logo após essa primeira descoberta, encontramos a bandeira dos EUA e, por fim, um joão-de-barro azul adesivado sobre o forro da sala dos professores.
É interessante notar que a nossa descoberta traz semelhanças à descoberta da estrutura do anel de benzeno, que foi revelada ao químico Friedrich August Kekulé em um estado semi-onírico, quando ele viu, como em sonho, uma cobra perseguindo, em círculos, sua própria cauda. Sim, nossa descoberta deu-se ao acaso. O fato de sermos estudantes – sobretudo do técnico de Museu – em uma escola edificada sobre as ruínas do Pavilhão 4, da ex-Casa de Detenção Carandiru, outrora um dos maiores presídios da América Latina, sempre despertou a nossa curiosidade. E assim como a ocasião faz o ladrão, ela também pode fazer o artista, o arqueólogo, ou, quem sabe, aquele que dividirá a história em um antes e um depois.
A cobra perseguindo a própria cauda - na mitologia, recebe a denominação de Ouroboros - e a representação do anel de benzeno: semelhança irrefutável.
Qual não foi a nossa estupefação ao encontrar, diante de nossos narizes, os vestígios deixados por alguém que ali estava preso quando pintou a anônima obra, dentro de uma estrutura social virtualmente alheia à “sociedade externa”. Tendo sido saciada a nossa curiosidade de principiante, faltava-nos apenas articular esse anseio por descobrir, desvendar. Porque tudo aquilo que é, de uma forma ou de outra, misterioso ou velado, tem o dom inato de despertar o mais forte interesse. E depois de começado o processo, ao passo que o interesse se fortalece, a desoberta vai pouco a pouco amadurecendo aquele que desvenda - o que tira a venda para ver o que há por detrás.
Ficou acordado que faríamos uma mini-expedição ao Parque da Juventude, no dia 31/05, uma manhã friíssima. Após essa primeira etapa, já equipados com luvas, óculos protetores e máscaras, retiraríamos o forro das salas dos 2º, 3º e 4º andares para ver se encontrávamos mais alguma pintura ou inscrição, enfim, algo tangente aos nossos estudos de Museologia - que engloba sobretudo a preservação e conservação de objetos impregnados de significado, e que possam ser trabalhados em uma Ação Educativa com o público da exposição, por despertarem interesse nas pessoas. E foi o que fizemos, mas abordemos o processo por fases.
No Parque, nosso foco foi ter a experiência lado-a-lado com tudo o que nos remetesse diretamente à penitenciária que já não é mais: caminhamos, portanto, sobre o comprido muro que delimitaria o jamais finalizado Carandiru II, e visitando, também, as ruínas pertencentes a esse projeto de extensão. Na Escola, atentamos às três celas que haviam sido transferidas para o piso térreo, cujas portas eram, para a felicidade geral, originais.
O muro, sólida parede imponente, traz logo à memória o álbum “The Wall”, da banda Pink Floyd. Para quem não conhece, é um álbum com várias faixas cantadas parcialmente por crianças, que rejeitam o sistema escolar devido ao seu caráter, por vezes, ditatorial. E o desfecho do Carandiru foi que este tornou-se uma escola. É uma conexão que não pode deixar de ser apontada: como uma prisão vira uma escola? Qual é o simbolismo de tal transformação?
Nas ruínas, divididas ao meio por uma passarela de madeira e com corrimões, encontramos duas pessoas treinando capoeira. Ora, no filme Carandiru (2003), do diretor Hector Babenco, uma das tomadas registra exatamente essa prática, no pátio central da Casa de Detenção Carandiru: o diretor filma, de passagem, a típica “rodinha” que se forma nesse esporte concebido na cultura afro-brasileira. Portanto, mais uma conexão entre o passado e o presente: embora mudem-se os locais, concluímos que os elos se mantêm com o tempo.
Quanto às celas, muitos de nós fomos tomados pela inexplicável vontade de entrar nas celas e fechar a porta, ficando a sós no interior delas por densos e memoráveis segundos. A vivência não pode ser substituída, nesse caso, pela descrição. Mas o depoimento de um dos integrantes da nossa equipe é bem fiel ao que é estar lá dentro. Confira: “Fora isso, o que me interessou mais foi ter a sensação direta de encontrar-me dentro de uma cela, com a porta fechada. Além da cela ser escura, possui também um quê fantasmagórico, sombrio, quando você está dentro dela, sozinho, entre quatro paredes e uma grade e uma porta, diametricamente opostas. Muitos dizem que a solitária acaba por deixar o indivíduo louco. Não duvido mais.”
O aspecto das celas que mais nos chamou atenção foram, obviamente, as portas. Corroídas pela ferugem, carregam ainda as intervenções nelas realizadas pelos detentos: em uma vê-se retratados São Jorge e o Dragão, pictóricos, coloridos, travando um embate do qual já sabemos quem sairá como vencedor. O preso não estaria fazendo uma alusão à sua própria condição? Ele como São Jorge, o vitorioso, o valente. A prisão como o dragão, ameaçador, perigoso, traiçoeiro, residência da malandragem inata, somado a um poder coercitivo inigualável.
São Jorge & o Dragão: fim reconfortante
Já na segunda porta, encontra-se um grande e assustador olho, mirando algum ponto indefenido quando a porta encontra-se – inofensivamente - aberta. Ao fechar-se, no entanto, a presença do enorme olho faz-se pesada, perturbadora. Quem se encontra lá dentro distrai-se, fecha os olhos, dorme. Mas o olho permanece aberto, dia e noite, torna-se onisciente de tudo que ocorre lá dentro, em uma irônica paródia ao Grande Irmão, figura presente no livro de George Orwell, “1984”.
Big Brother is Watching You, ou, o Grande Irmão te Observa
Por fim, na terceira porta, encontram-se inscrições manuscritas em letra cursiva em ambas suas faces. São as perspectivas religiosas de quem ali esteve. A primeira: “Tudo tem seu tempo determinado e há tempo para todo propósito debaixo do céu.”; a segunda: “Confia no senhor perpetuamente porque o Senhor Deus é uma rocha eterna.” E, sob o título “Salmo de Davi”, segue a terceira, e última: “Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias de minha vida (sic) e habitarei na casa do Senhor longos dias.”
Salmo de Davi
As salas foram o passo seguinte. Munidos de todo o equipamento de que precisávamos para nossa aventura, percorremos, sala a sala, até chegarmos à triste conclusão de que a maioria absoluta dos tetos originais haviam recebido uma demão de tinta, o que nos deixou com apenas três pinturas remanescentes. Qual foi a intenção de quem as ignorou? Ou de quem propositadamente as preservou? Sabe esse alguém quão sábia foi sua decisão? Quão importante é esse legado? E, finalmente, que coincidência é essa de ter sido criado o curso de técnico de Museu justamente no edifício erigido em meio às ruínas de uma memória indesejável, recalcada, portanto, demolida? Essas peguntas foram apenas algumas das quais fizemos, em meia-voz ou em alto e bom som, no decorrer do processo. E todas elas dirigem, qualquer um que as pergunte, a uma valiosa reflexão.
Sendo assim, o processo de descobrir pode ser sintetizado da seguinte forma: uma descoberta, não importa qual seja, sempre desemboca numa auto-descoberta. Como tal, ela jamais será considerada irrelevante, porque seu significado encontra-se, antes do que em qualquer outro lugar, dentro de nós mesmos. O que significa nossa formação como técnicos de museu depois da descoberta, e o que esta significava antes? Da mesma forma como a Revolução Francesa divide a história em dois, nossos achados dividem nosso tempo de aprendizado na Escola em dois: o antes e o depois da expedição. A importância de preservar e conservar veio à tona somente após essa experiência única. No final do processo, efetuada a descoberta, percebemos que todo o processo de descobrimento que se passava no nosso exterior – inclusive todos os achados -, refletia o que se dava em nosso interior: a descoberta de nossos papéis individuais dentro de um coletivo, de uma equipe, levou-nos à progressiva individuação daquela experiência. E a individuação, como expôs Carl Gustav Jung, em seu livro “Dialética do Eu e do Inconsciente”(1928), torna-nos mais humanos. A individuação, ao invés de levar a atitudes e pensamentos egoístas, induz-nos à cooperação. Isso porque é somente depois de termos conhecido a fundo nós mesmos que poderemos compreender os outros. E é somente ao compreendermos os outros que se torna possível a verdadeira cooperação, colaboração. Foi dessa forma que o processo de descobrir nos transformou, porque cada um soube o quanto ele significou, porque, no fundo, ele nos individuou. O que se relata aqui, portanto, é somente a ponta do iceberg de tudo o que um termo tão abrangente quanto processo representou, em sua totalidade, para cada um de nós.
(autor das fotos: eu)
quarta-feira, 18 de junho de 2008
O Progresso e a Ordem, Ops! a Ordem e o Progresso às Avessas no Brasil
Três jovens. O primeiro, Marcos Paulo da Silva Correia, é estudante, de 17 anos. Os outros dois, Wellington Gonzaga Costa e David Wilson Florença da Silva, ambos pedreiros, têm, respectivamente, 19 e 24 anos. Estão na companhia de uma amiga, M.S.O., 16 anos. Juntos vão ao baile funk, para se divertirem um pouco no fim de semana, como eu, como você. Ao saírem de lá, pegam um táxi para voltarem a suas casas. No meio do trajeto, entretanto, na praça do alto do morro, o carro é parado por uma viatura militar, sendo os quatro jovens imediatamente obrigados a descer. Um soldado confunde o celular no bolso de Wellington com outra coisa e já vai logo metendo a mão pra conferir. Wellington se assusta, vira-se indignado para o soldado intrusão.
- Como é isso, sangue bom, tira a mão daí!
- Que isso aí na tua calça?
- Pergunta antes, rapá! Só porque é milica vai agredindo inocente?
- Cala tua boca, moleque, não é assim que fala comigo!
- Falo como quiser, tu não tá no direito de meter a mão assim não, irmão!
- Já falei, cala a boca! Mostra respeito!
- Que respeito, o quê! Cadê teu respeito comigo?
- Ah, é! Cê vai levar um belo de um corretivo, marginal!
Wellington é agredido. Sem poder recorrer a qualquer defesa de seus amigos, vê-se humilhado e impotente contra tantos. A situação fora claramente provocada pelo militar: o que ele queria com eles? Era um maldito celular no bolso. Ou será então que o soldadinho de merda confundiu o cordão que estava pra dentro da calça com outra coisa? Esses caras tão parando a gente por quê? A gente ia pagar o táxi, pura honestidade, tudo pago. Qual o erro, qual a mancada? Não tô vendo nada, parece treta combinada... É... surra de militar não é leve, não. Dois olhos roxos, nariz quebrado, ao menos um dente a menos na boca. Quem perde um dente só é sortudo, mandingueiro. Pagou ou algo do tipo, pra levar uma surra "mais leve". Mas Wellington se fodeu mesmo. O mais triste é que ele nunca mais acordou pra ver o raiar do dia seguinte. Na verdade quando ele acordou a vida mais parecia um pesadelo. Também, o cara abre com dificuldade o olho, e percebe que o que ele tinha passado nas mãos do soldado fora brincadeira de criança perto do que ele estava por sofrer. Pois ele despertou no Morro da Mineira, um dos mais violentos da Zona Norte do Rio, dominado pela facção Amigo dos Amigos (ADA), onde a polícia entra apenas em mega-operações, com contingentes sempre superiores a cem homens. É, velho, o negócio ali é treta. Morte rápida? Hahahaha.... bela piada, playboy. Os garis foram encontrar os corpos mutilados. A tortura foi à la ditadura. Nada branda.
O que aconteceu - segundo as apurações realizadas a partir de depoimentos de todos os envolvidos - foi o seguinte: o tenente Vinícius Ghidetti, que liderava os onze militares acusados pela agressão e morte dos três rapazes, recebeu a ordem do capitão, seu superior, para liberá-los. Mas Ghidetti queria ainda dar um "corretivo" neles, de forma que, dirigindo-se para os onze praças, segundo o próprio testemunho fornecido por eles, expressou o que realmente pensava da ordem de seu superior: "Tô c... para o capitão". Momentos depois, ele e mais três ou quatro (é incerto) que o acompanhavam, levaram-nos para o Morro da Mineira. Entraram lá com facilidade, sem balbúrdia, sem tiroteio. Daí as investigações para descobrir se eles se comunicaram com os traficantes da Mineira antes de entregar os garotos. O fato é que os três ou quatro que participaram desse ato criminoso estão sendo indiciados por homicídio triplamente qualificado, por: crueldade do crime, motivo banal e sem possibilidade de defesa para as vítimas.
Segundo o delegado Ricardo Domingues, o soldado José Ricardo Rodrigues revelou que Ghidetti (o tenente) disse para um dos bandidos, ao entregá-los: "Eu trouxe um presentinho para vocês". Segundo o soldado, os três rapazes imploraram, dizendo: "Pelo amor de Deus, eles vão nos matar". O tenente, sem qualquer peso na consciência, estendeu a mão a um dos traficantes e disse: "Valeu".
Você deve ter notado ao menos uma característica apresentada pelo tenente: a ausência de sentimentos de remorso ou culpa - primeiramente quando ele se referiu às três vidas que seriam desperdiçadas como "um presentinho para vocês". Em segundo lugar ao entregar os jovens e, mesmo escutando-lhes a comovente súplica, ter sido capaz de, sem sequer reconsiderar a torpeza de sua ação, dizer simplesmente "valeu" para um dos bandidos, como se não fosse absolutamente nada entregar três pessoas à sua própria morte, e ser o único responsável por isto. Firmeza esse cara, num é não? O cara não libera três caras completamente inocentes, como fora ordenado por seu superior, mostra requintes de crueldade ao deixar um soldado sob suas ordens espancar feio um dos jovens sem fazer nada, e, pra deixar a coisa um pouco mais psicopática, decide deixá-los com uma das facçãozinhas mais perigosas do RJ. Dá-lhe humanidade! Que lindo que chamemos todos de humanos após uma barbaridade destas! Pois digo uma coisa: se um cara que faz tudo isso é humano, então sou eu quem tem algum problema por não considerá-lo humano. Se alguém disser que o tenente tem alma, espírito, capacidade de sentir empatia - chame como preferir - então sou eu o problemático dessa história. O que eu não entendo é porque não vem um psiquiatra explicar no Jornalzinho Nacional o que é psicopatia e que cerca de 4% da população mundial tem isso. E deixar bem claro as três, de ao menos dez características que definem esses indivíduos - não, eles não são humanos - para todos os telespectadores: incapacidade de sentir remorso ou culpa, ausência de empatia pelos outros e, por fim, um egocentrismo muito superior ao do restante da população. Caso isso possa parecer invenção, quem definiu as três características citadas acima foi Rebecca Horton, em seu livro O Sociopata(1999). A psiquiatra americana Martha Stout deu uma entrevista muito informativa sobre o assunto, além de dois livros publicados sobre o tema. Robert Hare já está há mais de 35 anos estudando o fenômeno da psicopatia.
Nossa! mas eu nunca tinha ouvido falar nisso! Pois é, infelizmente só conheço links em inglês, mas o primeiro livro profissional e bem pesquisado sobre o assunto saiu em 1941, escrito por Hervey Cleckley(1903-1984), um psiquiatra americano. O título do livro revela outra faceta dos psicopatas: The Mask of Sanity (baixe-o clicando no link). Em português, a tradução seria "A Máscara da Sanidade". Sanidade= característica de quem é são. São= normal. Normal= pessoas que querem o bem comum, sem prejudicar ninguém etc. Pois bem, voltando ao título: "Máscara da sanidade". O que isso diz, logo de cara? Que qualquer "normalidade", charme ou carisma apresentado por esses indivíduos é superficial e enganoso. É uma máscara tão bem dissimulada que por vezes se mostra irreconhecível até por psiquiatras. Esses como o tenente, que apresentam as três características básicas de um psicopata, e que fazem dele diferente do restante da população, são os fáceis de se detectar. Os outros? Que tal olhar para a América do Norte e ver quem é o responsável pela morte de mais de 1 milhão de civis iraquianos? Ou então rememorar o nome daquele ex-primeiro ministro britânico que serviu de marionete para o mesmo? Mussolini, Hitler, Mao, quantos exemplos é preciso dar para concluir que as grandes guerras e conflitos mundiais só ocorreram pela existência daqueles capazes de criarem conflitos onde não há, absulutamente, razão para existir algum??
Que tal darmos uma olhada - sim, eu sei que já martelei um pouco sobre isso - no Genocídio Armênio: você sabe qual é o nome do homem que presidiu o Comitê de União e Progresso Turco, uma reunião secreta que fechou com a "corriqueira" decisão de trucidar 1,5 milhão de civis armênios? Talaat Paxá. É um nome bem diferente do que tu deves estar acostumado, então guarda-o bem quando pensares em indivíduos que não são exatamente humanos, apesar de disfarçarem-no bem na maior parte do tempo. Você deve estar achando essa história de não-humanidade muito estranha. Confira, então, com todo seu ceticismo, a resposta dada por Talaat Paxá, quando indagado sobre o Genocído Armênio que ele criara: "Os massacres? Que vá! Pois só me divertem!". Bom, o resto é contigo, leitor.
O número de links é grande, mas os referentes à psicopatia são, um por um, importantíssimos individualmente. A entrevista com Martha Stout é bastante elucidativa e didática, mostrando como a psicopatia nos afeta no dia-a-dia e o que se deve fazer. Outra ressalva: os psicopatas não são necessariamente foras-da-lei, socialmente inadaptados ou nada parecido. É possível que todos os serial killers sejam psicopatas, mas afirmar o oposto é um absurdo. Na verdade, os serial killers são uma aberração à parte. Os psicopatas criminosos e constantemente retratados em filmes clichê são os mal-sucedidos. Os bem-sucedidos estão em toda parte da sociedade: presidentes, chefes, médicos, psiquiatras, psicólogos. Muitos deles são carismáticos, charmosos, elegantes, inteligentes, sabem falar de tudo, parecem ser mais normais do que eu e você. E é por isso que são tão bem-sucedidos, caso contrário, como isso seria possível? A entrevista com Martha Stout está em inglês, assim como todo material. Se um assunto tão trivial como a psicopatia despertar teu interesse, eis o link, novamente: entrevista.
Fontes utilizadas para narrar a notícia:
sábado, 14 de junho de 2008
Os Sofrimentos do Jovem Werther (atualizado em 22/06)
A primeira vez que me foi dada a feliz oportunidade de conhecer essa linda criatura enviada pelos deuses foi em um dia particularmente ensolarado, no qual eu me encontrava com as crianças, meus lindos irmãos e irmãs, infantes encantadores. Seu olhar sempre foi o de um apaixonado, de um ser superior, inalcançável e majestoso.
Encontrava-me então já compromissada com o homem sóbrio e de pés no chão, meu querido Alberto. Pensava eu que a presença de Werther era insubstituível, uma vez que com ele pude usufruir de belíssimos e memoráveis momentos, que estarão sempre gravados em minhas mais tenras memórias.
Ah! A noite em que dancei com ele mais se assemelha a um fabuloso sonho! Um sonho que sei não mais retornará, por sua pesarosa decisão de extirpar a própria vida... Embriagamo-nos ao som da música, e usufruímos de um átimo que mais poderia ter sido minha vida toda. Nossos corpos pareceram se unir naqueles mágicos instantes quando a alma parece se despregar do corpo, e nossos péss mal relam o chão, tamanha é a alegria, em sua mais pura toatlidade e extensão.
Daquele evento para a frente, no entanto, tive a merencórica impressão de que Werther me amava de tal forma qual não poderia corresponder, e isso pesou-me deveras o coração. Sua paixão era avassaladora, transbordante, porém não superficial. Pelo contrário, ele amou-me profundamente, mas eu, tola, não quis sacrificar meu engajamento com Alberto.
Que amor tórrido, que paixão violenta! Quando tomei conhecimento de que ele se mudaria, por ser inagüentável estar ao meu lado sem poder preencher seus desejos e, sobretudo, o vazio que ele vivenciava dentro de si, tive vontade de revelar as turbulências de meus sentimentos para Alberto. Todavia, meu intuito deparou-se com a gelidez glacial da racionalidade do meu então noivo, e percebi que sua natureza era incompatível com a emoção que eu estava vivendo, por encontrar-me defronte a mais meiga e adorável criatura que em toda minha vida pudera encontrar.
Seu afastamento produziu toda sorte de nostalgia e melancolias dentro de mim, efeito este que me deixou desolada, ansiosamente aguardando seu retorno. E ele enfim retornou, mas mais balouçado por sua paixão do que dantes, pois não conseguira expurgar de suas lembranças a minha pessoa, que ele considerava divina. Pudera eu mostrar-lhe que se enganava, que eu nunca passei de uma criatura humana, e que nada de especial eu tinha. Mas seu coração apaixonado e sua mente inebriada pelo amor seriam simplesmente incapazes de encarar essa simples, porém crua e fria verdade.
Eu nunca imaginara que alguém pudesse urdir tamanho afeto por mim, e cria ser aquela jovial paixão arrebatadora um fenômeno passageiro, efêmero por sua natrureza. Ledo engano meu, visto que ele já nem sequer podia viver sem minha presença envolvendo-lhe o olhar hiante, sua alma suplicante.
O inesquecível dia em que ele em meu lar apareceu, contrariando minhas ordens expressas para não me procurar enquanto estivesse só, considerando minha posição de casada, foi provavelmente o momento em que ele se apercebeu de sua miserável situação, e julgou humanamente insuportável continuar vivendo em tal estado. Poesias soberbas ele declamou, e choramos juntos, pelo impedimento de gozar um amor socialmente malvisto, impossível de se concretizar. A tonalidade que sua voz assumiu tornou-se um deleite para os meus ouvidos, e as emoções que me passou cofidenciaram a profundidade de sua paixão. Ah, Werther! Tu eras humano, demasiado humano, meu único e verdadeiro amor!
Beijamo-nos como nunca o fora com meu próprio marido... Seus quentes lábios aqueceram minh'alma, o que me faz arrepender amargamente de ter seguido meu terrível papel de fiel esposa... Os tempos não voltam, agora sei, e largar-te foi uma besteira que excomungou qualquer amor que eu poderia ainda nutrir dentro de mim! Ai, se eu pudesse perscrutar o que tu sentias, jamais o teria afastado de meu corpo, que vazava amor por ti. Amei-te, homem, mas meu racionalismo não pôde decifrar os hieróglifos de meu coração a tempo!
Dizer que eu sabia que tu já não agüentarías mais dói-me demais, é-me torturante dizê-lo. A ferida que o amor não expressado abriu em meu âmago cicatrizar-se-á somente no ocaso, no eclipsar da minha dorida vida. Amo-te postumamente, e quão desumano afirmá-lo é... Quão absurdo ter eu pego nas armas que lhe tiraram a vida horas depois. Oh, que tragédia ter me tornado cúmplice de sua morte, de seu martírio!
Julgava-me cristã, mas se o fosse, teria trilhado o caminho que meu coração bravamente deslindou. Parece-me, no entanto, que eu não era eu mesma ao acatar a ríspida ordem de meu marido, para apanhar os instrumentos letais de que tu... de que tu te servistes para partir deste horrendo e abominável mundo! Meu ser calculista e gélido premiu-se entre a cruz e a espada, entre o amor que tudo demanda e a (in)feliz vida estável de casada! As aventuras que me negaram o destino, quereria eu dizer. Mas seria apenas mais uma mentira para mitigar a aspereza da realidade: pois fui eu quem me negou os regozijos de viver intensamente ao teu lado, à flor da paixão.
Encontro-me, meu amor, à deriva, e meu navio de esperanças, soçobrado no racionalismo duro e materialista, que compõe este mar negro como a noite em que vogo a esmo, perdida na vida, debatendo-me o mínimo possível para, em vão, manter-me viva.
Termino a confessar: sua morte era pressaga: no imo de meu ser pude pressentir a lamentável escolha que tu estavas tentado a fazer. Infelizmente, tu seguiste a tentação. Malgrada, pois, seja a razão, quando prova-se um óbice intransponível - exatamente quando mais ardemos internamente por realizar o bem. Juro-te, apesar de nada valer jurar a ti, agora que morreste: homem igual nao haverá para mim nesta Terra. Minha existência sorumbática prolonga-se sem o viço d'outrora, sem o encanto d'olhar, sem o marulho do pensar. A vermelhidão nas maçãs do rosto há tempos me desertou. Vivo lânguida, pálida, a sofrer pelas escolhas que fiz, e com as conseqüências das quais terei de viver. Cada dia sinala o gradual contubescer de minh'alma, a paulatina desrazão de seguir adiante, que quer que isso signifique para os vivos, o que já não mais sou.
P.S.: Amei-te sem saber amar. Confessei-te meu amor sem sabê-lo confessar. Amancebei-me de ti, impossibilitada de me amancebar. Vivo hoje, sem poder saber O QUE É AMAR. Seu espírito e as flamas de seu amor incondicional aquecerão, ad infinitum , a sacra lareira de meu lar - aquela escondida de vil olhar, e que somente o tempo... só o tempo irá... um dia... apagar...
Apêndice - Carta encontrada no baú de Charles Springfield, pai de Carlota (na carta, ele chama sua filha pelo nome de Lotte, abreviação de Charlotte, o nome com o qual ele a batizara)
No dia em que nasceu minha filha, recebi em casa a visita de uma velha encarquilhada pela avançada idade, de aparência decrépita, já centegenária, Disse-me ela: "Tua filha tem um destino. O nome dela não pode ser senão Lotte". Saiu sem mais palavras, sem mesmo despedir-se. Fui a porta em seguida para pedir-lhe explicações, e - Jesus Cristo seja testemunha - ela desaparecera! Hipnotizado pelas palavras daquela velha, eu pus o nome sugerido em minha filha. Ao tomar fato da trágica morte do viril rapaz que o era Werther, e rememorar pormenorizadamente sua íntima conexão com Lotte, caí inconsciente por intermináveis dias de desvarios oníricos, quase ficando ensandecido ao retomar consciência. Pois não é Lotte derivado de Lot, "destino, fado", em sua acepção antiga na língua inglesa? Werther selou seu amor, sem saber, não com minha filha, mas com o próprio destino. Isso me foi revelado nos dias e noites de extáticas divagações e digressões, por negras florestas repletas de verdades indizíveis, firmemente arraigadas como o mais varonil sicômoro existente. Sem mais.
Charles Springfield
O livro Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Johann Wolfgang von Goethe, é epistolar, ou seja, escrito em cartas. E todas as cartas, sem exceção, são escritas de Werther a William ou, uma ou duas vezes - não me lembro - de Werther para Alberto, marido de Carlota. Assim, eu quis fornecer uma perspectiva de como Carlota *pode*(é bem provável que não) ter se sentido após o trágico suicídio daquele que tanto a idealizava - não direi "amava" porque soaria como cliché e porque amar deve ter embasamento na realidade. Acho que é algo que aprendi com este livro ultra-romântico.
Quem leu Amor de Perdição, do Camilo Castelo Branco, tem uma leve noção do que é Werther. Terceiro ponto, para fechar: caso você for ler o livro algum dia, aconselho-o para que não esteja apaixonado(a) ou em vias de se apaixonar... porque aí ler Werther é pedir - e não estou brincando, porque passei por isso e foi um pouco grave [sem brincadeira] - para entrar em depressão ou até pior - tirar a própria vida. Leia-o com moderação. Considere-o uma bebida alcóolica...lógico, se vc não levar um pé na bunda não tem problema, mas ninguém fica apaixonado esperando que vai levar um pé na bunda, de qualquer forma...^^{considero a mensagem dada})
segunda-feira, 2 de junho de 2008
Poesia da aula de Geografia (de hoje)
Pensando, viajo pelo mundo.(A)
Observo a natureza com um puro olhar(B)
Atento ao fruto majestoso, rubicundo(A)
Colhido no sicômoro à beira d'um bravo mar(B)
Ao viajar, meu coração inundo(A)
De emoções e belas canções,(C)
De compositores de universas nações(C)
O pensar me faz viajar(B)
E viajar é sobretudo sonhar,(B)
Como quem nunca antes tivera sonhado(D)
E no afortunado primeiro sonho,(E)
Ter nele suas metas conquistado.(D)
A viagem é ficar com a mente quieta,(F)
Transcender com absoluta clareza,(G)
Planejar calmamente a mais dura meta(F)
E ao fazer poesia, sem felicidade ou tristeza,(G)
Escrevê-la certeira tal a seta, (F)
Tênue, à imagem da natureza!(G)
...Fazer poesias...
É saber mirar as flores,
Saber mirar suas cores!
É saber mirar o mar...
Atingir, por fim, o verdadeiro admirar.
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