domingo, 24 de outubro de 2010

Todo Dia é Dia

Todo dia nascem flores
E crianças e amores
Nessas águas de Açores
Por isso, meu bem, não chores.

Todo dia é dia ainda
De te ver assim tão linda
Quando Deus feliz me brinda
Com as boas boas-vindas

Sonho contigo, e comigo
Tu sempre sonhas também
Sempre serei teu amigo
Sempre serás o meu bem

E em meus passos te sigo
E vejo-me em teu umbigo
Onde contigo me ligo
Somos gêmeos não nascidos

Religados pelo acaso
Um amor sem dor sem prazo
Há quem faça pouco caso
Nos amamos mesmo assim.

sábado, 23 de outubro de 2010

O Que É

O que é que aconteceu
A tontura que me deu
O meu chão tornou-se o céu
Antes homem, depois Deus

Envolvido face à face
Neste vívido entrelace
Como se um só bastasse
O nó uno nos atasse

Aquele que sou, não é
O todo composto em pé
Aquele que fui, será
Como o sóbrio sabiá

Piando aprumado n'árvore
Busto solene de mármore
Peito subindo e descendo
Seu pio suave crescendo

Tingindo e pintando o ar
As nuvens a dispersar
Levam leve ao meu lar
O são sopro salutar.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Pia Só o Carcará

Carne seca seca ao sol
O facão já amolado
Carne seca, seca, ao sol
Meu facão mal amolado

Se há carne sobre a mesa
Demos conta da despesa
Mas a mão segue tão tesa
Nada pode agarrar

Se há água na represa
São tempos de realeza
Mas nos mata a moleza
E a garganta a apertar...

Sobe o sol sempre tão cedo
Como se sorrise agora
Quando bate firme a hora
De amansar o meu mancebo

Meu mancebo mal nascido
Descortina a solidão
Desd'o berço destruído
Sabe quais os males são

Antes mesmo de falar
A mãe o ensina a rezar
O pai o ensina a calar
Segue quieto e seco o lar

Irrompe o choro faminto
Se há algum pão, eu minto
O menino se esgoela
O pai monta sobre a sela

Espora a besta esfaimada
Secas costelas à mostra
A seca pele o sol tosta
Racha no meio a estrada

Se vier chuva, vivemos
Caso não venha, morremos
Essa alegria nós temos
Esta tristeza dos demos

Quando é que nós perdemos
O rumo reto - a vitória
Sucumbindo à vida inglória
De viver nos esfalfando

Uma sombra quando em quando
Pois nem isto bastará
Sem palavras pra sonhar
Pia só o carcará.