domingo, 27 de abril de 2008

Desmatamento

(Cianorte - Paraná. Ano: 1972. Autor: Celo - Tribuna de Cianorte.)
Qual é a relação entre o desmatamento e o trabalho escravo? Ou entre grilagem de terra e as madeireiras? É simples. Segundo Ailson Machado¹: "onde tem desmatamento ilegal, tem grilagem de terra, tem madeireiras e tem morte. [...] O trabalho escravo vem junto, porque eles [proprietários ou grileiros] usam essas pessoas, a maioria delas migrantes, para abrir a mata. Quando termina o desmate, ou elas ficam expostas à violência, sem trabalho, ou são levadas para outras áreas para serem exploradas." E, além de tudo isso, o avanço do desmatamento na Amazônia corresponde ao crescimento da pecuária. [Folha de São Paulo, Brasil, 27/04/2008]

¹assessor de mediação de conflitos agrários da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência

Puxa! Nunca tinha visto em termos tão simples a relação entre desmatamento, grilagem, trabalho escravo e avanço da pecuária. É, às vezes vale mais a pena pegar o jornal de domingo do que o livro de geografia.... Ah! E cuidado ao denunciar um desmatamento sério (isto é, sob as ordens de algum grande agronegócio): "Homem é assassinado depois de denunciar desmatamento". Pois é, o século XXI tem essa facilidade em nos trazer notícias à la ditadura militar. O agronegócio é mais poderoso que o Estado. Ele mata quem desejar - qualquer um que for inconveniente. Interessante. Muito interessante.

Ah! E pensem bem: a notícia acima é a primeira, de três notícias bastante chocantes, que li hoje. A segunda candidata para prêmio de "Notícia Mais Estranha do Dia" é: "Austríaco é suspeito de Manter Filha Presa em Porão por Mais de 20 Anos". E a terceira: "Jovem Mata Pai, Madrasta e Irmãos nos EUA".

Como Cat Stevens já cantava: "Oh, baby baby it's a wild world.....

sábado, 26 de abril de 2008

Poesias de Reconciliação

Certo dia, desentendi-me com uma amiga. Pensei: "O que faço agora?" Não pensei muito, mas escrevi poesias. Duas delas, nada muito belas, decidi postar:

O passarinho


O pássaro que lá canta
A todos encanta
Com seu canto sonoro
Dizendo "não demoro, não demoro!"

Se eu fosse tal ave
Cantaria todo o dia
Pois, em Algarve,
Enquanto é dia, há poesia

Ah! mas como me alegraria
Se a ninguém mal algum fizesse
E a todos diria "Bom dia!"
Como se tristeza nunca em mim houvesse

Mas se eu gosto
Eu perdôo
Minha estimada amiga
Cujo nome entôo

Mas o que há comigo?
Daria quase tudo para saber
Talvez, falar contigo
Venha, algum dia, a esclarecer

Assim me despeço
Tristemente, não!
Se meus versos meço
Ainda assim, sigo meu coração!

(acima, típica costa de Algarve, Portugal)

A vida é uma exclamação



Vinha caminhando
Ao longo da estrada suja
Tão embora vim pensando
Naquele amigo, que parecia uma coruja

Sempre sozinho,
Lendo sempre, sem amigos nem conhecidos
Não o julgava não
Pois se andava sozinho
O fazia por razão

Se meus amigos eram mesquinhos
Não sei
Se gostavam de andar sozinhos
Ah sei!

Isso não
Pois as pessoas
Rejeitam a solidão
Embora boas
Vêem que a solidão
Destrói a mais forte
Ilusão

Oh! Doces ilusões
Se nada soubesse
Tão feliz seria
Na minha ignorância
Certamente regozijaria

Ah! Tempos de infância
Quando nada sabia
Mas tudo fazia
Ao passo que hoje em dia
Cada ação minha dá ânsia
E cada dia, tem sua agonia

Mas se me vejo no espelho
Por que nunca enxergo minh'alma?
Vejo somente o podre reflexo
E ainda assim, friamente retenho a calma

Vou tentando melhorar
Mas, minh'amiga
É impossível não tropeçar
Mais fácil é fingir
Que não se tropeça
E numa ovelha, me transformar

Mas, não!
Minha liberdade
Jaz não na minha mão
Mas no invólucro do meu coração!

Cada vez que bate forte,
Me recuso a pedir perdão!
Mas por que tal recusa?
Porque é errando que aprendo
E na vida, é sofrendo e aprendendo

Se sofro contigo
Talvez seja seu amigo
Se rio contigo
Talvez o seja, deveras

Meu riso, esconde o choro
Meu choro, esconde o riso
E ainda assim, me felicito
Pois o conhecimento é infinito. E eu amo...A Vida.

Links para outros artigos dentro deste blog com poesias minhas (com exceção de um):
*Uma das mais inspiradas que já fiz
*Poesia feita em uma aula de geografia
*Poesia protestante: ela protesta, sem religião
*Poemeta em menagem a amigos
*Ciclo I
*Ciclo II
*Poesia Iugoslava Contemporânea
*Cúpula da Vida

Música

Música. Algo profundo e belo, sem dúvidas. Todas as pessoas que tocam devem ter chegado nesta conclusão. Mais do que algo utilitário, a música para mim é algo indispensável. Uma das poucas coisas com as quais eu vivo e que não poderia deixar de lado por um instante. Quando corro, penso em uma trilha sonora para minha corrida. Em momentos difíceis, são as músicas que criei que mantêm minha cabeça erguida. Foi assim que cheguei à conclusão de que a música faz parte da minha vida.

A flauta de bambu, com a qual o Pascholatti me presenteou, tem sons que a flauta doce não consegue imitar com perfeição. Sons naturais que, ao se tocar uma música de profundidade espiritual, fazem meu corpo todo vibrar naquelas notas. Toco de ouvido, sem partituras. Por enquanto ainda não me dediquei a aprender as músicas lendo-as. O ouvido vai distingüindo que notas caem bem, e, por mais imperfeito e lento que esse processo seja a princípio, nada como o tempo para transformar musiquinhas em grandes trilhas sonoras.

Hoje, em particular, estava assobiando uma canção que não lembrava ter escutado anteriormente. Não vou dizer que a criei, no entanto - pois isto somente inflaria meu ego. Como a flauta de bambu encontrava-se ociosamente à minha frente, aproveitei-me do momento para transpor as barreiras musicais e transformá-la numa música para se tocar na flauta. Foi tudo muito rápido: a música, já emocionante no assovio, tornou-se magistral na flauta. E não me orgulho disso - sei que, por trás de tudo belo produzido pelo homem ou por qualquer elemento da natureza, está uma indubitável mão divina - que nos guia para um momento digno de introspecção. Um momento efêmero, no qual tomei conta de que as barreiras são todas transponíveis.

Basta saber como, e ter fé no que produzimos. Como Edison disse certa vez: Um gênio se faz com 99% de suor e 1% de inspiração. Não nego esta máxima - tendo em vista quantas vezes não atrasei lições e trabalhos para me dedicar a tocar - um tocador amador, mas cujos resultados mostram o suor que escorreu para eu poder tocar e aprimorar o que toco de ouvido. Espero que todos aqueles que estão agora lendo este post e que, por alguma razão encontram-se com dificuldades em alguma matéria de escola ou extraescolar, tomem nota disso: dê tudo de si mesmo, mas não espere nada em retorno. É, sem dúvidas, uma das coisas mais difíceis para todo ser humano: não antecipar resultados, e, ao mesmo tempo, trabalhar duro para obtê-los.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Não Podemos Infligir Uma Segunda Derrota aos Nossos Índios - Parte II

O historiador Márcio Meira, presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), levanta outra questão: a de que ainda impera no país uma visão de progresso segundo a qual tudo que impede o seu avanço deve ser destruído. O "avanço", neste caso representado pela expansão econômica em direção ao sertão brasileiro, estaria sendo barrado pelos índios.

E, com as quase 700 organizações em defesa dos direitos dos indígenas que existem atualmente, eles vêm assumindo o papel de protagonistas na luta por seus direitos - o que certamente não agrada o paladar da elite fundiária brasileira.

O leitor também deve se lembrar de que 19 de abril - este sábado passado - foi a comemoração do Dia do Índio. Mas a semana não foi apenas de comemorações para os índios - foi marcada também por protestos e reivindicações. E o primeiro passo foi dado: neste mês ainda, o governo estará encaminhando o projeto de lei de criação do Conselho Nacional de Política Indigenista.

A principal mudança que esse projeto pode trazer, caso aprovado, é referente à relação do Estado com os índios. Até o ano passado não existia nenhuma participação indígena direta na discussão de políticas públicas voltadas para suas comunidades. Com a aprovação do projeto, no entanto, as políticas passariam a ser definidas numa comissão paritária, isto é, com metade dos assentos ocupados por representantes do governo e a outra metade pela sociedade civil: os índios e os representantes de organizações que trabalham junto com eles.

Foram as reivindicações indígenas que resultaram na criação desse projeto. No entanto, nem tudo é festa para os índios. Sua reivindicação maior era referente ao Estatuto do Índio, apresentado ao Congresso há quase 20 anos e até hoje negligenciado.

Além de tudo, persistem ainda grupos que, opondo-se à criação da Raposa Serra do Sol, sustentam que não havia índios na região - que eles teriam sido levados para lá por padres do Conselho Indigenista Missionário.

Márcio Meira refuta com fatos tal inverdade. Segundo o presidente da FUNAI, formado em história, com especialização em história da Amazônia, existem registros da presença dos índios macuxi, ingaricó, taurepangue, wapixana, entre outros, na área da reserva, desde o início do século 17, quando os primeiros portugueses chegaram na Amazônia. Na segunda metade do século 18, o militar português Manuel da Gama Lobo D'Almada esteve na região com a missão de levantar dados geográficos e produzir mapas. Nos mapas que fez, registrou a presença das aldeias indígenas.

Outra afirmação inverdadeira é a de que as terras indígenas abrem vazios populacionais e tornam mais vulneráveis as faixas de fronteira com o país. Ela é facilmente contestada pelo fato de que a presença do exército na faixa de fronteira é uma obrigatoriedade constitucional e, sendo as terras da reserva propriedade da União Federal, elas se encontram abertas à intervenção das Forças Armadas, na sua tarefa de defesa das fronteiras. E, sobretudo, há o fato de que os índios não se opõem à presença do Exército.

Um dado de total relevância ao assunto é o de que mais da metade (cerca de 60%) do contingente do Exército que serve na fronteira é formado por soldados indígenas. Não faz sentido afirmar que a Reserva Raposa Serra do Sol ameaçaria a soberania do país. Seria o mesmo que acusar os camponeses da Revolução Francesa, que mandavam seus filhos para o Exército e eram beneficiados com a Reforma Agrária, em troca, fossem uma ameaça à soberania da França. Ora, se os filhos desses camponeses lutavam para manter a soberania francesa, como seus pais poderiam ser acusados de ameaçarem exatamente os ideais defendidos por seus filhos? Não faz sentido.

Outra confusão que se faz a respeito do assunto é a de que os fazendeiros estariam defendendo "suas" terras, isto é, como se esses latifúndios de arroz por eles comandados tivessem título de propriedade. Mas não têm. Segundo o presidente da FUNAI, eles são invasores, pois começaram a comprar as terras de forma ilegal, depois que a região já havia sido declarada território indígena.

De um lado, conquista histórica, do outro...

A homologação da reserva indígena Raposa Serra do sol deve ser vista como uma conquista histórica, pois pôs fim a 20 anos de conflito e assegurou a realização do direito constitucional de 18 mil índios que habitam um dos lugares mais bonitos do Brasil.

O caminho percorrido para se chegar à homologação das tais terras foi marcado por uma série de dificuldades (algumas delas ainda persistem), o que faz com que ela seja devidamente reconhecida como um dos pontos culminantes da política indigenista.

A área da reserva ocupa 1,7 milhão de hectares, o que corresponde à soma aproximada dos territórios de Portugal e Bélgica. Ali vivem, em fronteira com a Guiana e a Venezuela, cinco etnias diferentes. A maioria dos índios dessa região conserva língua, usos e costumes tradicionais.

Após a aprovação do decreto homologatório, Roraima foi beneficiada por medidas compensatórias, em um plano desenvolvimento social e econômico. A maioria dos ocupantes não-índios foi, gradual e pacificamente, reassentada fora da reserva.

A minoria não-índia que se recusa a deixar a área da reserva é composta por seis arrozeiros. Desde que Lula asssinou o decreto para homologação, em 15 de abril de 2005, já transcorreram mais de três anos, o que mostra a resistência do agronegócio a fazer concessões - mesmo que estas estejam asseguradas pela Constituição. Quem está ameaçando a soberania do País? Não seriam esses seis poderosos latifundiários, que desrespeitam nosso código de leis?

Os Argumentos de Augusto Heleno

Para se ter uma idéia da falta de conhecimento do general Augusto Heleno, que fez um inflamado discurso denominado "Brasil, Ameaças a sua Soberania". Começarei por sua frase:

"Como um brasileiro não pode entrar numa terra porque é indígena? Isso não entra na minha cabeça."
O que o general fala acima não condiz com a verdade. Qualquer brasileiro pode, sim, entrar na reserva, exceto a Polícia Federal, procuradores da República e outros representantes do Estado, ameaçados à bala, granada e coquetéis molotov pelos pequenos exércitos montados pelos donos dos arrozais, como expõe ironicamente Janio de Freitas, correspondente da Folha de São Paulo.

Conflitos Anteriores: Paralelos entre a Terra Indígena Ianomâmi e Raposa Serra do Sol

O artigo 231 da Constituição brasileira constata:

"São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens."

Deve-se lembrar que faz só duas décadas que nossa Constituição foi adotada (1988). E o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição, dá sinais que enxerga nela coisa mais importante que o artigo referente aos povos indígenas e seus territórios.

O que está em jogo são os interesses de seis arrozeiros, contra os interesses comuns de milhares de macuxis, ingaricós, wapixanas, patamonas e taurepangues - as cinco etnias indígenas que ocupam essa área há séculos, como expus anteriormente. O novo presidente do STF, Gilmar Mendes, soltou o seguinte disparate histórico:
"A demarcação contínua é algo inusitado, jamais visto neste país. [...] É claro que daria ensejo a esse tipo de resistência."
Tal afirmação não somente mostra a ignorância do mais alto representante da Constituição brasileira, mas também expõe, de forma aterradora, o esforço empreendido pelas elites para enterrar a história que não lhes convêm. Segundo Marcelo Leite, correspondente da Folha, a história é bem diferente da versão apresentada por Gilmar Mendes:

"A Terra Indígena Ianomâmi existe há 16 anos. Foi homologada de modo contínuo, é quase seis vezes maior, parte dela fica no mesmo Estado de Roraima, em faixa de fronteira, e suscitou o mesmo tipo de resistência. Nem por isso se desmembrou do Brasil a nação que militares e o que na época se chamava de "direita" denunciavam ser a meta de religiosos e estrangeiros manipuladores de índios."

Marcelo Leite ainda reitera seu argumento em favor à criação da Reserva Raposa Serra do Sol como território contínuo:

"Raposa/Serra do Sol, se vingar, ocupará 7,8% dos 224.298,98 km² de Roraima. É somando a área a outras três dezenas de terras indígenas do Estado [de Roraima] que se alcança a cifra de 46% do Estado - e não 50%, 60%."

O trecho acima é uma resposta à ignorância do ministro Gilmar Mendes, que infelizmente ocupa, hoje, o cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal (STF):

"Fiz uma ponderação de que se deve discutir o modelo em ilhas de preservação. O modelo é muito conflitivo. Precisamos discutir opções minimamente viáveis. O que não se pode é criar um Estado e depois criar uma reserva que tenha 50%, 60% do seu tamanho."

Como Marcelo Leite comentou, Gilmar Mendes está tentando dizer que a reserva Raposa do Sol, sozinha, teria algo em torno de "50%, 60%" do Estado de Roraima. É uma desinformação, e basta olhar os números fornecidos pelo correspondente da Folha, que termina seu artigo com um lembrete histórico:

"Recomenda-se ao STF atentar para outras lições da história do País. Pode começar pela tragédia dos guaranis em Mato Grosso do Sul, confinados em suas "ilhas de conservação."

Meu próximo post tratará dos guaranis. Até breve, caros leitores!


Não Podemos Infligir Uma Segunda Derrota aos Nossos Índios - Parte I


Eu estava lendo sobre a questão indígena da reserva Raposa/Serra do Sol neste domingo, e recortei tudo referente a esse assunto, dos jornais Folha e Estado. Como sempre me interessei em antropologia e tenho inclusive alguns livros sobre o assunto (especialmente sobre índios) em casa, acho que posso contribuir para uma leitura crítica deste tema que tem tudo de atual. É um longo post, mas foi, também, um longo trabalho de dois dias e espero que o artigo não esteja muito complicado de entender. Eu mesmo pesquisei várias coisas que não sabia, como, por exemplo, o que é "homologação de terras", e descobri que esse termo que à primeira vista parece ser tão complicado, significa "reconhecer oficialmente [as terras em questão]". Bom, boa leitura para os corajosos ^^

Eduardo Viveiros de Castro, professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e considerado "o" antropólogo da atualidade, tem o seguinte a dizer sobre os conflitos envolvendo indígenas e rizicultores (informalmente chamados "arrozeiros") na distante reserva Raposa Serra do Sol (Roraima):
"As terras não são dos índios, mas da União. Eles têm o usufruto, o que é bem diferente. Já os arrozeiros querem a propriedade."

Para o professor e antropólogo, não há por que os indígenas serem vistos como uma ameaça à soberania nacional. Pelo contrário, eles contribuiriam para alcançar a tão chamada soberania. Nas palavras dele (em entrevista ao caderno Aliás):

"A argumentação de que a reserva indígena represente um problema de soberania está mal colocada [porque] há outras reservas em terras contínuas, em fronteiras. É o caso da [reserva] Cabeça de Cachorro, no município de São Gabriel da Cachoeira, no Estado do Amazonas. E o exército está lá, como deveria estar. A área indígena não teria como impedir a presença dos militares. O que a área indígena não permite é a exploração das terras por produtores não-índios. Dizer que o Exército não pode atuar é um sofisma alimentado por políticos e fazendeiros que agem de comum acordo, num coalizão de interesses típica da região."

Viveiros de Castro ainda contextualiza a problemática da reserva dentro de um Estado como Roraima:
"Roraima é um Estado que não se mantém sozinho, ou melhor, que depende do repasse de recursos federais. Um lugar onde 90% dos políticos nem sequer são nativos."

Sobre a importância histórica dessa área onde se localiza a reserva para os indígenas, diz o seguinte:

"Os índios foram decisivos para que o Brasil ganhasse essa área, numa disputa que houve no passado com a Guiana, portanto, com a Inglaterra (isto é, na época em que a Guiana era colônia da Inglaterra). Dizer que viraram ameaça significa, no mínimo, cometer um injustiça histórica. Até o mito do Macunaíma, que foi recolhido por um alemão, Koch-Grünberg, e transformado por um paulista, Mário de Andrade, foi contado por índios daquela área, os macuxis, os wapixanas. Eles são co-autores da ideologia nacional."
O conflito na reserva Raposa já tem cerca de 30 anos. Em 2005, quando Lula homologou(=reconheceu oficialmente) as terras, foi selado o compromisso de retirar, no prazo de um ano, os produtores rurais que estavam dentro da área reservada. A situação, no entanto, somente deteriorou. A explicação do antropólogo esclarece o porquê da polêmica gerada:

"Há o jogo político. Disseminam-se inverdades, como a de que a área da reserva ocupa 46% de Roraima, quando apenas ocupa 7%. As terras indígenas de Roraima, somadas, dão algo como 43% do Estado. Mas a Raposa tem 7%.

Castro ainda aponta para o conflito de interesses existente:

"Sabe quantos são os arrozeiros que exploram terras da reserva? Seis. Não há dúvida de que o que se quer são poucos brancos, com muita terra. [...] As notícias que temos são as de que, desde a homologação, produtores rurais que estão fora da lei atacaram quatro comunidades indígenas, incendiaram 34 casas, arrebentaram postos de saúde, espancaram e balearam índios. [....] Sinceramente, acho que o general [Augusto] Heleno está sendo usado por esses barões do agronegócio, que o envolveram numa questão de soberania totalmente artificial. [...] Ele disse à imprensa:

"O risco de áreas virem a se separar do território brasileiro, a pedido de índios e organizações estrangeiras, pode ser a mesma situação que ocorreu em Kosovo."

Muito bem, o general raciocina como se nós fôssemos os sérvios? Por acaso seria o Brasil a Sérvia e os índios, minorias que precisam ser eliminadas?"

O exemplo abordado pelo antropólogo é relevante: o general Augusto Heleno está exacerbando os perigos, para polemizar. E, já neste ponto, está claro que se nos perguntarmos "quem se beneficia dessa polêmica?", a resposta certamente não será afirmativa para os índios, e, sim, para os arrozeiros.

Para reforçar quão artificial é esta polêmica a respeito da suposta "ameaça à soberania nacional", decerto instigada pelos poderosos arrozeiros latifundiários, Viveiros de Castro responde à questão [Existe o risco de reivindicação de autonomia por parte dos índios?] da seguinte forma:

"A terra ianomâmi está demarcada desde o governo Collor [1990-1991] e nunca houve isso. Alguém imagina que os ianomâmis queiram reivindicar um Estado independente, justamente um povo que vive numa sociedade sem Estado? Chega a ser engraçado."

Sim, de certa forma eu concordo que pode ser engraçado, mas se essa hipocrisisia [de que a soberania está em jogo] for repetida diariamente pela imprensa, muitas pessoas podem acabar formando uma opinião bastante conveniente para os arrozeiros que desejam tomar a região. Se levarmos em conta ainda, que soberania é um termo bastante delicado, ainda mais em contextos como "Soberania do Povo Brasileiro em Jogo!" (que facilmente viraria manchete de jornais de direita, por mais cômico que possa soar ao leitor), então torna-se claro que devemos desde cedo nos informar sobre esse assunto, para não sermos "convertidos" pela lábia latifundiária.

Quanto à Amazônia, Castro expõe a dolorosa verdade, para a maior parte de nós brasileiros:

"A Amazônia já está internacionalizada há muito tempo, não pelos índios, mas por grandes produtroes de soja ligados a grupos estrangeiros ou pelas madeireiras da Malásia. O que não falta lá é capital estrangeiro. Por que então os índios incomodam? Porque suas terras, homologadas e reservadas, saem do mercado fundiário."

O Aliás pergunta, em seguida: É uma questão fundiária?

Viveiros de Castro: É. Essa história de soberania nacional serve para produzir pânico em gente que vive longe de lá. [...] O que prevalece é o conflito fundiário e a cobiça pelas terras. [...] Em Roraima (Estado em que se situa a reserva) não se deve bater de frente com o Planalto(=governo). Representa esse estado o senador Romero Jucá, que é pernambucano e hoje atua como líder do governo. Jucá tem interesses claros e bem definidos. É dele o projeto que regulamenta a mineração em terras indígenas. Regulamenta, não. Libera.

Realmente, dessa forma fica difícil bater de frente com o governo. Se o próprio governador deseja usufruir de terras indígenas, que deveria estar protegendo, por sinal, então a situação está pior do que eu imaginava a princípio. Castro ainda lembra outro aspecto referente à homologação da reserva indígena Raposa Serra do Sol:

"[...]até que saísse a homologação da Raposa, o que demorou anos e anos, muito foi tirado de lá. A sede do município de Uiramatã, com 90% de índios entre seus moradores, foi transferida para fora da área. Estradas federais cortam a reserva, bem como linhas de transmissão elétrica. A rigor, já não é uma terra tão contínua."

Sobre a temática do índio no Brasil, Castro é contundente:

"[E]ste país reconhece direitos originários e isso, por si só, é um gesto histórico de proporções imensas. O País reconhece que tem uma dívida para com os índios. Apesar disso, reina uma abismal ignorância sobre a realidade desses povos de quem somos devedores."
Outro fato de especial relevância levantado pelo antropólogo está no trecho a seguir:

"Os [índios] da Raposa brigam com meia dúzia de arrozeiros que, por sua vez, não representam o Estado brasileiro. Uma coisa que me parece estranha: encarregado pela ONU, o Exército brasileiro lidera um missão militar no Haiti, mas não consegue tirar de uma reserva indígena seis fazendeiros?"

Aí está o 'x' da questão. Quais são os interesses por trás do governo em relação às terras indígenas? A questão fundiária parece falar mais alto do que a indígena - são os interesses do agronegócio versus comunidades indígenas, que compõem minorias étnicas, e cujos direitos vêm sendo desrespeitados desde os primórdios da colonização portuguesa. Todos os indígenas do território brasileiro, somados, dão um total de 600 a 750 mil indivíduos, divididos em 225 povos distintos.

Pergunto-me: "Que grupo é mais forte, política e economicamente: os latifundiários, representando o poderoso agronegócio, com grande poder de lobby(isto é, pressão) frente ao governo, com seus interesses defendidos por numerosos políticos atualmente no poder; ou as 225 nações indígenas, esparsas e divididas quanto aos seus interesses, todas elas virtualmente sem qualquer representação de peso no governo, isto é, sem voz para reivindicação dos seus direitos?

Viveiros de Castro esclarece tal discrepância de poder político, no trecho abaixo:

"Há pelo menos 70 projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, [no campo referente aos direitos indígenas], e todos pretendem diminuir as garantias do direito às terras. Mais de 30 dessas proposições querem alterar os procedimentos de demarcação. [...] Os oito deputados federais do Estado de Roraima apresentaram projetos para suspender a portaria que criou a Raposa Serra do Sol. Toda a bancada é contra a reserva. [...] O que existe, claramente, é a tendência de redução de proteção jurídica aos povos indígenas. E, conseqüentemente, de redução da presença e da soberania da União nessas áreas. (Fonte consultada: Aliás, O Estado de São Paulo, 20/04/2008)
Bom, pessoal, muito obrigado pela atenção. Estarei escrevendo a segunda parte quando chegar da escola, pois minhas costas estão doendo e eu ainda preciso estudar para a prova que vai acontecer daqui a menos de três horas.

domingo, 20 de abril de 2008

As questões existenciais de um excomungado


[Campos Elíseos - Léon Bakst(1906)]

O triste semblante de uma alma sofredora. O homem acabara de ler a parte V d'O Gurdador de Rebanhos, os poemas idílicos de Alberto Caeiro. Chorou na seguinte parte:

"Mas se Deus é as flores e as árvores / E os montes e sol e o luar, / Então acredito nele, / Então acredito nele a toda hora, / E a minha vida é toda uma oração e uma missa, / E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos."

As lágrimas escorriam por seu rosto vincado pela solidão.... Depois de derramar a derradeira lágrima, o último respingo da tristeza que o assolava, ele compôs o poema abaixo:

Ando pensando muito em Deus,
Se este está nos atos meus
E s'Ele se mostra aos ateus,
Ou será qu'ele 'stá nos atos teus

Mas, talvez,
Ele não esteja nos teus
Nem nos meus
E, quiçá,
Não exista pros ateus
Mas ainda [assim] é Deus

O que é Deus?
Não sei,
Ao passo que não tenho religião para afirmá-lo,
Nem sou ateu para negá-lo,
Ou mesmo agnóstico para questioná-lo

Sou um mero vassalo,
Mas não um joão-ninguém
Pois, no fundo, todo mundo é alguém
Com ou sem um reles vintém

E, a quem busca, um dia a verdade vem. E o ninguém, torna-se alguém. Sussurrou o homem ao final de seu poema: "Amém"... Levantou-se e gritou: "Esta é a minha religião! Minha religião é a minha vida!" E desabou, partindo para os Áureos Campos Elísios, onde sua alma de santo encontrou a paz junto a Hades e aos heróis.
[Plutão/Hades - Agostino Carracci(1557-1602)]
Comentário sobre meu artigo

Villa-Lobos no Auditório Ibirapuera --- Inesquecível!

19/04/2008 - 21h às 22h e pouco...
Eu e o Pascholatti fomos a um concerto fantástico! O pianista Marcelo Bratke acompanhado por 13 outros músicos fizeram a platéia literalmente rebolar sobre as poltronas. Aquela pincelada brasileira dentro da música clássica, estilo de música que se consagrou como europeu, foi o suficiente para me deixar acordado e batucando durante toda a apresentação - no macio da poltrona, sem incomodar ninguém, é óbvio ;-)

Um toque de samba à música clássica, acrescentado à flauta típica do chorinho é de animar qualquer um. Outro episódio inesperado: O Pascholatti ganhou (isso mesmo - g a n h o u!) um convite (no valor de R$30,00, para os desavisados:) de um cara, sem termos falado nada com ele!! Estávamos entrando no lindo prédio do auditório quando o simpático sujeito na faixa dos 40 anos nos oferece o convite - a explicação: "Eu ganhei (comentário meu: numa promoção, será??) mas eu já tinha outro, então este tá sobrando..." A resposta: "Opa, você tem certeza? Bom, brigado mesmo!".

Então acabamos dividindo por dois o que já seria uma meia-entrada: Metade da meia(R$15,00), =R$7,50..... Um preço que não faz jus ao espetáculo com o qual nos deparamos lá dentro. 14 músicos, com piano, flauta transversal, dois violinos, viola, violoncelo, (contra)baixo, clarineta, fagote e percussão - esta arrasou! A percussão trazia vários elementos do samba, da boa e velha música popular.....Ah... Mas é panela velha que faz comida boa! Ainda mais quando somada à rigorosa música de câmara --- é a irreverência brasileira com uma ligeira seriedade européia pra fechar com chave de ouro!

E os apitos imitando pássaros?! Inacreditável..... Escutar cantos de diferentes aves em meio à música clássica, nossa! Memorável.... Aos que nunca ouviram reco-reco, pandeiro, tambor, tamborim, e outros instrumentos de percussão popular em simbiose com a música clássica, saibam que vale realmente a pena escutar. A música clássica perde aquele tom de "música para maiores de 50 anos", e ganha um aspecto alegre e jovial. Villa-lobos foi mesmo um gênio. Àqueles que odeiam, ou simplesmente não têm muito interesse em música clássica, um conselho: Se nalgum dia você ouvir um reco-reco sendo tocado em meio a violinos, violoncelo, piano e todos os outros "clássicos", com certeza entenderá o que eu estou dizendo.... O concerto de hoje foi + (oh, yeah!), bem mais do que um "entediante" concerto: foi uma mudança de paradigma!


sábado, 19 de abril de 2008

Decepções na escola, Alegrias na Vida

Às vezes acordo sem vontade de ir à escola. Raramente sigo essa vontade. E não me arrependo. Às vezes vou mal nas provas mesmo estudando, mas não fico mais desapontado. Se fiz o que podia, e errei em detalhes triviais, não é a nota que vai me destruir. O que me destrói é o ambiente escolar. Querer tirar as maiores notas, querer ser "o melhor da sala".... Tudo isso é bobagem. Não que a escola seja bobagem, mas estudar somente pela "recompensa" de um 10 certamente o é. Einstein não era o melhor dos alunos e, quando entrou na faculdade de física, não ia quase a aula alguma. Os professores não o conheciam. O porquê? Ele cabulava para estudar. Darwin, o homenzinho que criou a teoria da Evolução do Homem, também cabulava. Pra quê? Pra estudar espécies de besouros no campus da facul. Pois é, "melhor estudante" não está estampado na cara de ninguém. E, às vezes, até os melhores alunos repetem de ano.

Semana passada eu não fui bem nas provas, mas e daí? Li quatro livros, conversei com meus amigos, joguei sinuca e minha vida continua. Se tem uma coisa que eu venho aprendendo na escola, é que as provas não provam mesmo nada. Pelo menos não as provas da escola. A escola não é o centro das minhas atenções - eu prefiro ler a estudar, e certamente prefiro conhecer novos lugares a sentar-me todos os dias na mesma sala blasé, no mesmo ambiente que me desconcentra na hora de estudar. Se alguém já estudou ao ar livre, sem conversas intermináveis zumbindo no seu ouvido ao resolver um problema de Matemática, saberá do que eu estou falando. Às vezes aprendemos mais sem pressão de provas, sem obrigação de trabalhos, sem necessidade de acordar todos os dias antes do sol raiar. Às vezes eu estudo mais nas férias, balanceando cada hora estudada com uma cavalgada na roça, com uma pedalada no interior, com um futebol de rua. Estudar e divertir-se. Divertir-me estudando. Aprender me divertindo. Isto sim é vida. Aprender vivendo, e viver a aprender novas lições, com ou sem livros escolares, com ou sem provas - mas sempre me auto-avaliando. Não existe avaliação mais fiel do que aquela que fazemos sem nos compararmos com os outros. Pois enquanto eu não me conhecer por dentro, os outros serão sempre os outros, e eu, um indivíduo como os demais.

Grandes são os homens que se conhecem - e estão sempre aprendendo, dentro ou fora da escola. Na sala de aula fabril da escola, ou na salas de aula deste mundo. Pois o mundo é uma grande escola - e viver é o que há!